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LISTA DE VARIÁVEIS

1.2 Gestão de Recursos Hídricos

1.2.2 Utilizações da água

Ao nível do ciclo hidrológico é possível afirmar que nenhuma quantidade de água se ganha ou se perde, mas antes sofre um processo de transformação. Não obstante, é globalmente aceite a subdivisão das principais utilizações da água segundo se consideram consumptivas ou não consumptivas, tal como apresentado por Dingman (2002):

Utilizações consumptivas – porção de água extraída de uma origem superficial ou subterrânea, que deixa de estar disponível, nessa mesma origem, para utilizações subsequentes.

Utilizações não consumptivas – por oposição à anterior, corresponde à utilização de água, de uma dada origem, que subsequentemente fica disponível para novas utilizações. São também consideradas deste tipo as utilizações que não necessitam de extracção da água da origem respectiva.

Dentro destas categorias são habitualmente considerados os seguintes sectores utilizadores:

1.2.2.1 Utilizações consumptivas: Abastecimento Urbano

Os actuais sistemas urbanos pouco diferem dos inicialmente desenvolvidos pelos Romanos para permitir um abastecimento mais saudável aos residentes nos principais núcleos populacionais. De facto, ainda hoje, estes sistemas (i) têm por base, sempre que possível, a força da gravidade para a distribuição de água, (ii) as suas origens de água correspondem a reservas superficiais ou subterrâneas, (iii) a distribuição de água pelas habitações é assegurada por um sistema de tubagens que percorre as ruas das cidades e (iv) as águas residuais (depois de utilizadas e, actualmente, também tratadas) são devolvidas ao meio receptor (leito dos rios), a jusante das áreas residenciais (Cech, 2005).

Porém, como a água se tornou um factor de desenvolvimento económico, foi necessário assegurar um fornecimento fiável, mesmo em situações de seca, de modo a fazer face aos movimentos migratórios que fizeram crescer de forma exponencial a população dos centros

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urbanos. À medida que se ia generalizando a noção de que a água constitui um bem público, a que todos deveriam ter acesso, a abrangência destes sistemas foi alargada também a zonas rurais. Na realidade, o uso da água para abastecimento urbano é actualmente considerado prioritário relativamente aos restantes usos2.

Segundo dados da EEA (2009), actualmente cerca de 21% da água captada, nas mais diversas origens, destina-se ao abastecimento urbano, englobando não só a distribuição de água para os edifícios habitacionais, mas também para pequenas empresas, estabelecimentos hoteleiros, escritórios, hospitais, escolas e ainda algumas indústrias, em especial para fins sanitários. Todavia, ainda segundo a mesma fonte, apenas 20% desse volume é realmente consumido, com os remanescentes 80 % a serem devolvidos posteriormente ao meio receptor, sob a forma de água residual tratada.

Agricultura (rega)

Ao longo dos tempos a agricultura foi-se tornando na origem maioritária da alimentação do Homem, que obtém directamente a partir da formação de biomassa (sementes, frutas, tubérculos, folhas, etc.) e indirectamente, a partir da produção secundária, ou seja, da pecuária (carne, leite, ovos, etc.) (Raposo, 1996).

Ainda segundo Raposo (1996) é considerado provável que a utilização de água para rega se tenha verificado logo após os primórdios da agricultura, nas vizinhanças dos cursos de água, a partir de onde era possível efectuar uma derivação para os terrenos cultivados, para compensar a falta de chuva, ou até por ter sido observado o efeito favorável das cheias em regiões com níveis de precipitação reduzidos. Cech (2005) aponta a rega como propícia para diferentes fins, nomeadamente: a necessidade de produção de culturas em regiões com níveis de precipitação insuficientes para tal, o aumento dos índices de produção das culturas em regiões moderadamente húmidas e/ou para compensar as falhas de humidade nas épocas mais secas. De facto, analisando a evolução histórica do uso da água, verifica-se que a necessidade crescente de produção de alimentos foi um resultado da prosperidade civilizacional e do consequente crescimento exponencial da população (Biswas, 1997). Esse crescimento assumiu proporções ainda mais significativas a partir da segunda metade do séc. XX, com um crescimento de 2,3 mil milhões de pessoas em somente 30 anos, mais concretamente, entre 1970 e 2000 (Cech, 2005). Actualmente, segundo dados de UN (2009), a população mundial totaliza já quase 7 mil milhões de pessoas, realçando a importância desta utilização para a sobrevivência da sociedade humana3. Felizmente, a produção de alimentos conseguiu acompanhar este crescimento, devido, em parte, a uma variedade de culturas mais adaptada às necessidades alimentares e às características das regiões onde essa produção tem lugar, mas também devido à rega, verificando-se que são cada vez maiores as parcelas de terra regadas a nível mundial, especialmente nos países em desenvolvimento.

Fundamentalmente poderão ser distinguidos dois tipos de sistemas de rega, tendo em conta a sua base de funcionamento, i.e. por acção da gravidade ou sob pressão (Raposo, 1996).

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Ver ponto 1.5.1.

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Se, inicialmente, a rega era assegurada por sistemas de canais e levadas que conduziam à percolação da água no solo por acção da gravidade, e que ainda hoje são utilizados em alguns locais e por um sector da agricultura de dimensão mais familiar, actualmente, nas regiões onde a agricultura se encontra mais desenvolvida, esses sistemas evoluíram para complexos sistemas de funcionamento sob pressão, como é o caso da tecnologia mais recente de rega gota-a-gota4. Nestes, o princípio-base é a eficiência de utilização da água, de modo a ser possível fomentar o aumento de produtividade (Cech, 2005). De facto, se, por volta de 1900, a agricultura correspondia a cerca de 90% de todas as utilizações de água, uma quantificação efectuada pouco antes do ano 2000 apontava para uma descida desse valor para cerca de 62%, facto apenas passível de explicação pelo aumento deveras significativo na eficiência de utilização de água neste sector de importância exponencial (Biswas,1997).

Indústria

Uma vez que, actualmente, a indústria é um sector económico cuja importância para o Produto Interno Bruto, nos países industrializados, é normalmente bastante superior ao da Agricultura, a mais-valia da água, enquanto factor de produção assume também maior importância. Tal facto tornou-se especialmente relevante a partir da década de 1940, onde o processo de industrialização iniciou uma aceleração significativa, difundindo-se por diversas partes do globo. De facto, se nessa década a utilização da água para fins industriais representava cerca de 6% das utilizações mundiais de água, no final do século significava já quase 24% de todas as utilizações à face da Terra (Biswas, 1997).

Tal como apontado em EEA (2009), no sector da indústria transformadora a água é utilizada para os mais diversos fins, tais como: para aquecimento e arrefecimento, para produção de vapor, para o transporte de substâncias ou partículas dissolvidas, como matéria-prima, como solvente, bem como parte do produto final (como acontece na indústria agro-pecuária, por exemplo). As principais unidades industriais tanto podem ser abastecidas pelos sistemas públicos de água, como através de captações próprias. Ainda segundo o mesmo relatório (EEA, 2009), a nível Europeu, os principais utilizadores de água na indústria correspondem às indústrias químicas e de refinaria de petróleo, (responsáveis por cerca de metade de todo o consumo de água para a Indústria na Europa), enquanto as empresas metalúrgicas, do papel, ou do ramo alimentar contabilizam grande parte do consumo remanescente.

Ainda assim, de forma geral e não obstante o uso cada vez mais intensivo de água pela indústria, a diminuição da qualidade da água, os custos crescentes na captação e utilização da água, e ainda as normas rígidas de rejeição de efluentes, têm levado as indústrias a adoptarem níveis crescentes de eficiência na utilização da água, tal como a agricultura (WWAP, 2009).

Turismo

O desenvolvimento da economia mundial, o melhoramento do nível médio de vida, em especial nos países industrializados, bem como as facilidades crescentes na deslocação de

4Utilizada especialmente para a produção de culturas de maior retorno económico, tais como fruta, vegetais, vinha, etc. Consiste num sistema de

tubos de plástico com pequenos orifícios, que são alinhados com as culturas, e que permitem o fornecimento, gota-a gota, da quantidade de água estritamente necessária ao desenvolvimento da cultura em causa (Cech, 2005).

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pessoas entre os mais distantes lugares do mundo, rapidamente transformaram o Turismo numa importante actividade económica, com consequentes implicações para o consumo de água (Biswas, 1997). De facto este sector pode intensificar de forma bastante significativa os consumos do abastecimento urbano, uma vez que, tipicamente, a capitação diária de um turista excede largamente a correspondente de um habitante local. Não obstante, nos mais importantes empreendimentos turísticos, o consumo de água não se destina apenas à alimentação e consumo pessoal, mas também, de forma significativa, à manutenção de actividades recreativas e de lazer como piscinas, parques aquáticos, campos de golfe, jardins, etc. (EEA, 2009).

Tal como no caso da indústria, as principais unidades deste sector poderão utilizar origens de água próprias ou estar ligadas aos sistemas públicos de distribuição, contribuindo, neste último caso, para uma importante intensificação dos consumos no abastecimento urbano, particularmente em determinadas épocas do ano, como a época de Verão nas zonas costeiras do Sul da Europa. Nestas regiões, as necessidades impostas pelo sector do Turismo acabam por coincidir com o pico de necessidades de rega das culturas agrícolas (também de variação sazonal), o que induz sérias pressões sobre os recursos hídricos da zona, que, habitualmente, por essa altura, se encontram nos seus níveis mais baixos de disponibilidades (WWAP, 2009).

1.2.2.2 Utilizações não consumptivas Produção de energia

Ainda que não seja considerada consumptiva, a utilização da água para a produção de energia assume particular importância. De facto, qualquer das principais fontes de produção de energia – Térmica, Nuclear e Hidroeléctrica, está especialmente dependente da água, podendo inclusive constituir um factor limitativo dessa produção (Singh, 1992). Se, no caso da hidroeléctrica, a água constitui o factor base de produção de energia (por conversão da energia cinética associada àquele recurso), no caso da térmica e, mais ainda, da nuclear, a utilização da água fica a dever-se, principalmente, às necessidades de arrefecimento (EEA, 2009).

Devido às pressões crescentes para a diminuição da emissão dos gases de efeito de estufa, e utilização preferencial de origens renováveis para a produção de energia, a produção de energia a partir de empreendimentos hidroeléctricos foi destacada como uma das mais importantes soluções disponíveis, realçando a importância desta utilização (WWAP, 2009).

Por outro lado, em especial a nível Europeu, os volumes usados para o arrefecimento nas centrais térmicas e nucleares chegam mesmo a representar 44% do total de captações de água doce, tendo, maioritariamente, origem em águas superficiais. Essa água é normalmente restituída a jusante, embora a uma temperatura por vezes alguns graus superior, o que pode causar sérios impactos sobre os ecossistemas endémicos. Tendo em vista a diminuição deste efeito negativo, tem-se verificado uma substituição dos antigos sistemas de arrefecimento por outros mais modernos, nos quais a água entra num circuito de recirculação, sendo arrefecida após a primeira passagem pelo equipamento, em torres de refrigeração. Com este sistema evita-

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se a restituição de água a jusante a uma temperatura superior à normal para o ecossistema local. Passa, porém, a constituir mais um uso consumptivo da água (EEA, 2009).