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LISTA DE VARIÁVEIS

1.3 Secas e escassez de água

1.3.3 Impactos de seca e de escassez

Como descrito nos pontos anteriores as situações de seca são um fenómeno de origem natural, resultante da variabilidade climática. Porém, os impactos decorrentes de uma situação de seca são o resultado de uma interacção entre a componente natural (anomalia das condições de precipitação) e as utilizações humanas dependentes da água e de outros recursos naturais (Wilhite et al, 2007). Não obstante, estes impactos não são similares aos de outros desastres de origem natural, uma vez que a sua ocorrência não pode ser delimitada a uma área geográfica confinada. De facto, como a causa de uma situação de seca é de origem climática, a ocorrência, localização e intensidade dos impactos subsequentes depende das características da região em causa (p.e. a afectação de uma pequena área onde estão localizadas as principais origens de água para abastecimento de uma região mais vasta) (Vivas et al, 2010). Por outro lado, devido ao desenvolvimento lento das situações de seca, os seus efeitos são cumulativos e de difícil percepção, sendo comum que, uma vez detectada a ocorrência desses efeitos seja praticamente nula a hipótese de mitigação dos mesmos (Wilhite & Buchanan-Smith, 2005). Outro factor que dificulta a análise dos impactos de seca está relacionado com a sua variabilidade no espaço e no tempo, uma vez que cada região ou bacia hidrográfica apresenta características únicas, quer

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fisiográficas, quer sociais e de actividades humanas (utilizações, infra-estruturas, organização social e política, etc.) (Wilhite et al, 2007).

Além disso, as avaliações de impactos de seca existentes são muitas vezes efectuadas de uma forma ad hoc, para cada evento específico (Ding et al, 2010), e documentadas apenas na designada “literatura cinzenta”10 (Matalas, 1991). Apesar de os impactos serem habitualmente categorizados em económicos, ambientais e sociais (Hayes et al, 2004), é importante destacar que, transversalmente a qualquer dos casos, as secas não só originam impactos do tipo directo, como por exemplo a redução na produção de culturas agrícolas, ou a imposição de restrições ao abastecimento doméstico, mas também impactos indirectos, de ordem superior ou intangíveis, como a afectação da actividade económica dos agricultores e de outros sectores, podendo levar à redução da oferta de emprego e à geração de conflitos entre diferentes grupos económicos, etc. (Wilhite et al, 2007). Por isso, apesar da relevância dos números obtidos nas avaliações de impactos de seca, em muitas situações é admitida a não consideração de impactos de difícil quantificação (indirectos), que, a serem contabilizados, poderiam aumentar significativamente a importância global dos efeitos de seca (Wilhite et al, 2007; Kraemer, 2007; Ding et al, 2010).

Descritas as principais limitações às avaliações de impactos de seca, apresenta-se uma breve sistematização dos impactos de seca mais significativos e, também, mais comuns, segundo a afectação de diferentes sectores utilizadores, não obstante poderem ser consideravelmente diferentes, de acordo com a severidade e duração da situação de seca, bem como das utilizações presentes na região afectada.

Em primeiro lugar, a redução das condições de precipitação leva, quase no imediato, à redução dos níveis de humidade no solo, o que limita a actividade microbiológica existente nas raízes das plantas. Com níveis reduzidos de água, as plantas vêem-se sujeitas a condições de stress hídrico, sendo o seu desenvolvimento mais lento, ficando mais susceptíveis a doenças e pestes, ou a perdas por incêndios (Kraemer, 2007). Nas espécies animais, por sua vez, os efeitos de seca podem ser bastante variados dependendo se são directa ou indirectamente afectados por situações de seca (por exemplo pela redução de alimento). De qualquer forma, estes impactos deverão ser considerados naturais, uma vez que aconteceriam mesmo sem influência humana, sendo reduzido o sentido da sua compensação ou mitigação. Não obstante, a influência das actividades humanas (sob diferentes formas, incluindo a poluição) levou à alteração de vários ecossistemas naturais, aumentando a exposição e vulnerabilidade a fenómenos extremos como as situações de seca. As zonas húmidas dependentes dos cursos de água superficial ou dos níveis de água subterrânea são um bom exemplo, uma vez que são especialmente afectadas pelo aumento das utilizações de água para as actividades humanas. Assim, embora possam, em parte, ser considerados impactos naturais, estes serão especialmente agravados pelas actividades humanas em situação de seca (Kraemer, 2007).

No sector agrícola, os impactos são bastante dependentes dos padrões culturais existentes, da fase do ciclo cultural em que a situação de seca ocorre, e da disponibilidade de água para compensação da falta de humidade no solo, no caso da agricultura de regadio. Como tal, pode ser expectável uma redução generalizada da produtividade das culturas, bem como um

10 Documentação produzida sem revisão científica tais como relatórios técnicos, papers não publicados, etc.

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custo mais elevado de produção, incluindo custos adicionais para captação e rega, no caso de culturas de regadio (Pereira, 2007; Kraemer, 2007). Por outro lado, as culturas permanentes podem também ser consideravelmente afectadas, ficando mais susceptíveis a eventuais doenças e pestes e, na pecuária, pode ser necessário recorrer a alimento adicional, sob a forma de ração, cujo preço tende a aumentar em situações de seca (Kraemer, 2007).

No caso do abastecimento público, não obstante a sua prioridade legal11, face a outras utilizações, poderão ser verificadas interrupções no abastecimento, por limitação das origens, restrições ao uso de água (rega de jardins, etc.), redução da procura (por aumento do preço da água), ou mesmo competição entre sectores utilizadores por direitos de utilização da água. Por outro lado, poderão existir custos adicionais para garantia do abastecimento a partir de novas origens ou por necessidade de reforço dos níveis de tratamento de água (Kraemer, 2007).

No sector da produção de energia os principais problemas destacados em situações de seca são: (i) aumento das necessidades energéticas (e.g. devido ao aumento do bombeamento de água, a partir de origens de água subterrâneas), (ii) redução das disponibilidades de água para produção hidroeléctrica de energia (aumentando o custo de produção da mesma, pela necessidade de recurso a outras fontes de produção de energia, tais como os combustíveis fósseis), e (iii) redução dos níveis de escoamento das principais linhas de água, limitando a capacidade de refrigeração de centrais térmicas ou nucleares (Kraemer, 2007).

Na indústria apenas alguns subsectores são mais susceptíveis de serem afectados por situações de seca, uma vez que os factores de produção podem não ser directamente dependentes do consumo de água. Por essa razão, as indústrias mais afectadas são, habitualmente, as agro-alimentares (por redução de matéria-prima e/ ou aumento do custo associado à mesma), bem como as de produção de pasta de papel, devido ao desenvolvimento mais lento das florestas e maior susceptibilidade aos incêndios (Kraemer, 2007).

No sector do turismo e das actividades recreativas, por sua vez, as perdas poderão ser muito dependentes do tipo de turismo em causa, bem como do timing em que se verifica a ocorrência da situação de seca. Não obstante, no caso do turismo de verão, os principais empreendimentos podem ser afectados por cortes no abastecimento, em especial para o enchimento de piscinas, ou para rega de campos de golfe (Kraemer, 2007).

Embora de mais difícil identificação e análise, os impactos de índole social deverão, ainda assim, ser tidos em conta. Sendo difícil atribuir a situação de seca como causa única, este tipo de impactos é, essencialmente, do tipo intangível, estando relacionados com a afectação do funcionamento e interacção de diferentes grupos na sociedade, mas também, ao nível individual, da saúde física e mental de cada um (Alston & Kent, 2004). São originados por um conjunto de factores representativos da chamada vulnerabilidade social (Cutter & Finch, 2008; Iglesias et al, 2009), entendida como a capacidade de um determinado grupo antecipar, gerir, resistir e recuperar do impacto de seca. Embora as secas possam levar, em situações extremas, à perda de vidas humanas ou a fortes limitações na disponibilidade de alimentos, típico de regiões com sérias deficiências sociais e estruturais, como, por exemplo, em alguns países do continente africano (UNISDR, 2002), no caso da Europa, os impactos sociais mais comuns são o declínio

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da população rural, a diminuição da oferta de emprego ou a redução da coesão social, agravada pela geração ou intensificação de conflitos (entre os diferentes sectores utilizadores de água e entre os utilizadores e as entidades responsáveis pela gestão da água) (Wilhite & Buchanan- Smith, 2005). Por outro lado, ao nível da saúde pública, os impactos de seca poderão fomentar, também em situações extremas, a difusão de doenças infecciosas tais como cólera ou diarreias, fruto da degradação da qualidade da água por redução dos volumes de diluição das substâncias poluidoras. A nível Europeu, os problemas de saúde mais comuns prendem-se com depressões ou ansiedade, resultado do stress contínuo e da sensação de incerteza associados a situações de seca (Alston & Kent, 2004; Wilhite & Buchanan-Smith, 2005; Sartore et al, 2007).

No que toca ao problema da escassez, a identificação de impactos é mais complicada do que a descrita para as situações de seca, fruto de uma clara falta de informação e de sistematização nesta matéria. Tal surge evidenciado nos relatórios de avaliação levados a cabo na UE (DG Env EC, 2006 e 2007), inclusive na própria definição de custos associados a este tipo de situações, com uma distinção pouco óbvia entre o investimento para realização de infra- estruturas básicas e de aproveitamento dos recursos existentes, e os custos de medidas para minimização de problemas de escassez. Tal poderá resultar de estas situações apenas se tornarem evidentes num período de tempo bastante alargado, sendo adoptadas medidas estruturais relevantes, ao longo do tempo, que evitam a ocorrência de falhas. De facto, são apontados como impactos representativos de escassez (DG Env EC, 2006; 2007; EEA, 2009a): (i) Ao nível económico:

 No sector do turismo, relacionados com situações em que o abastecimento nos sistemas públicos é deficiente;

 Na produção de energia, por redução da parcela de energia produzida através dos aproveitamentos hidroeléctricos,

 Na agricultura devido a uma maior incerteza nas produções agrícolas. (ii) Ao nível social:

 Por aumento dos preços da água para compensação das medidas adoptadas;

 Por deslocalização das principais utilizações intensivas de água (indústria e agricultura), principais actividades económicas e empregadoras em algumas regiões.

(iii) Ao nível ambiental:

 Possibilidade de intrusão salina em sistemas aquíferos costeiros;

 Redução dos níveis de escoamento em rios regulados;

 Afectação das zonas húmidas;

 Maior concentração de poluentes por diminuição dos volumes de diluição;

 Aumento do risco de erosão do solo e de desertificação.

Não obstante, verificando-se um estado muito incipiente na identificação, avaliação e estimativa da importância socioeconómica deste tipo de impactos, nos diferentes Estados- Membro da UE, também devido à complexidade das situações em causa, é considerado que a

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problemática dos impactos de escassez necessita ainda de um desenvolvimento mais aprofundado (DG Env EC, 2007; EEA, 2009a).

Ainda assim, para Portugal, tendo por base os dados considerados em estudo efectuado pelo INAG – Instituto da Água, IP (INAG, 2007) a propósito da contribuição portuguesa para a elaboração do relatório DG Env EC (2007), destacam-se como principais sinais de escassez (Vivas & Maia, 2008), a existência de algumas situações de conflito entre sectores utilizadores, tal como sucede, por exemplo, na barragem de Castelo de Bode, construída para a produção de energia e que, actualmente, vê essa finalidade restringida pelo abastecimento urbano de parte da zona urbana de Lisboa. Por outro lado, os índices de produção das actividades agrícolas são muitas vezes limitados, eventualmente a um nível mais local, devido às limitações de capacidade de armazenamento e/ou à alocação dos recursos existentes a sectores com um grau de prioridade de uso superior, como é o caso do abastecimento urbano. Note-se que, em muitas situações, o sector do turismo é abastecido pelos sistemas públicos urbanos, o que pode resultar num desequilíbrio na alocação de recursos para diferentes actividades económicas. Relativamente ao turismo, importa ainda referir que existem consideráveis investimentos realizados pelo sector privado, especialmente na região do Algarve, para garantia de abastecimento contínuo. De igual forma, quando existem transferências de água entre bacias hidrográficas vizinhas, é provável a existência de problemas de escassez na bacia de destino. Essa indicação poderá ser particularmente relevante, nomeadamente complementada pela avaliação da importância do volume de transferência, face ao total de utilizações existentes na(s) bacia(s) de destino (Vivas & Maia, 2008)12.