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Avanço tecnológico e aplicação penitenciária

É inegável também que o avanço da tecnologia e a disponibilidade de novas técnicas e aparelhos influenciaram no surgimento e, principalmente, no desenvolvimento da vigilância eletrônica. Alguns autores chegam a dizer que a vigilância eletrônica é fruto dos avanços tecnológicos em matéria de teledetecção (sistema de telecomunicações) aplicados à justiça penal.126

124 GARLAND, David. La cultura del control: crimen y orden social en la sociedad contemporánea. Op. cit.,

p. 308. O autor, porém, distingue o pensamento econômico de outro também emergente no período analisado e que propõe o castigo dos delinquentes e a proteção do público “a qualquer preço”. Ao contrário da racionalidade econômica, essa forma de pensamento é racional com relação a valores e não a fins, e tende a ser alimentada pela indignação coletiva e por uma preocupação com afirmação simbólica, mais que por cálculos sobre custos e benefícios (Ibid, p. 310).

125 ESCOBAR MARULANDA, Gonzalo. Los monitores electrónicos (¿puede ser el control electrónico una

alternativa a la cárcel?). In: CID MOLINÉ, José; LARRAURI PIJOAN, Elena (Coord.). Penas alternativas a

la prisión. Op. cit., p. 199-201.

126 CARDET, Christophe. Le placement sous surveillance électronique. Op. cit., p. 14; OLIVEIRA,

A tecnologia sempre foi utilizada pelo ser humano para resolver problemas ou transpor obstáculos que não poderiam ser superados naturalmente. Assim, o ser humano supria e continua a suprir suas carências naturais através da tecnologia. De acordo com Faustino Gudín Rodriguez-Magariños, seria possível dizer que a tecnologia é a ligação entre o que o homem imagina ou anseia e a realidade existente, ou ainda, “é a manifestação material dos potenciais da inteligência humana, e sua história é paralela à do pensamento científico”.127

Em termos históricos, três grandes revoluções tecnológicas podem ser mencionadas resumidamente. A primeira ocorreu na pré-história quando o ser humano utilizou técnicas rudimentares para se impor aos animais maiores e mais rápidos, além de mais agressivos. A segunda se verificou no período neolítico (de dez mil a três mil anos a.C.) quando o ser humano passou a utilizar a agricultura e a pecuária para controlar e adaptar suas necessidades ao meio em que vivia. A terceira revolução é representada pelo advento da escrita, que permitiu o registro das informações existentes e a acumulação de experiências e conhecimento.

O desenvolvimento da ciência no século XIX, principalmente da física, possibilitou o avanço de dispositivos e técnicas para a transmissão instantânea de informações à distância, compondo a chamada teledetecção ou sistemas de telecomunicações. Assim, Christophe Cardet128 informa que o exército dos Estados Unidos em 1919 já utilizava sinais de rádio para localizar e seguir navios e aeronaves, o que foi possível em virtude dos “efeitos de reflexão das ondas eletromagnéticas produzidas pela passagem de objetos maciços”. Além disso, as pesquisas realizadas em 1962 pela

Cooperative Shark Tagging Program (Rhode Island – EUA) obtiveram informações sobre

tubarões no oceano atlântico através de dispositivos fixados na nadadeira dorsal. Posteriormente, equipamentos mais sofisticados como sinalizadores por satélite foram aplicados em outros animais marinhos, terrestres e aves migratórias, com a finalidade de seguir seus deslocamentos. Graças a biosensores, os sistemas de aquisição de dados em miniatura começaram a fornecer informações sobre a temperatura do corpo e a profundidade do mergulho de aves e animais marinhos. De acordo com o mesmo princípio,

127 GUDÍN RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino. Cárcel Electrónica: Bases para la creación del sistema

penitenciario del siglo XXI. Op. cit., p. 27.

portanto, tornou-se possível a localização de barcos de pesca e náufragos, desde que possuam um sinalizador GPS (Sistema de Posicionamento Global).129

Na sequência da evolução tecnológica, um fato significativo foi a criação, creditada a Tim Berners Lee, da rede mundial de computadores (Internet) em 1989.130 A criação dessa rede gerou diversas mudanças nas relações sociais, econômicas, culturais e políticas, possibilitando principalmente o armazenamento e a transferência de uma grande quantidade de dados e informações. Diante disso, as sociedades avançadas que surgiram no final do século XX são frequentemente denominadas “sociedades da informação”.

A vigilância eletrônica, portanto, também é um produto dessa revolução tecnológica que surpreende cada vez mais e apresenta soluções técnicas para problemas sociais, entre esses o penitenciário.131 A vigilância eletrônica, portanto, assim como a tecnologia de modo geral, porém, pode ser bem ou mal utilizada.

O cárcere eletrônico surge como uma sequela de uma revolução global, não é um processo autônomo em si. Desde a invenção da pólvora ou da roda, o processo criativo está ampliando progressivamente suas aplicações práticas. O homem realiza um invento para uma finalidade concreta, porém com o tempo, percebendo os benefícios que comporta, extrapola seus avanços para outros assuntos, que em princípio, não tinham nada a ver. O determinante é que devem ser introduzidos critérios éticos na aplicação dessas novas funcionalidades. Assim, não é o mesmo aplicar a dinamite ou a energia nuclear para fins bélicos que para construir estradas ou proporcionar luz a uma população.132

Do ponto de vista meramente técnico ou tecnológico, os sistemas mais conhecidos de vigilância ou monitoramento eletrônico para uso penal e penitenciário são aqueles que utilizam equipamentos emissores e receptores de sinais. Inicialmente, os sistemas de monitoramento eletrônico eram chamados de sistema de sinalização contínua e sistema de contato programado. Atualmente, os sistemas são conhecidos como sistema

129 CARDET, Christophe. Le placement sous surveillance électronique. Op. cit., p. 15.

130 GUDÍN RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino. Cárcel Electrónica: Bases para la creación del sistema

penitenciario del siglo XXI. Op. cit., p. 28.

131 Interessante observar que o sistema de justiça penal brasileiro já utiliza soluções tecnológicas para

diversas questões, como por exemplo, os bloqueadores de aparelhos celulares nas penitenciárias, as câmeras de vigilância em prédios públicos, o processo judicial digital e os terminais eletrônicos para consulta direta dos processos pelas partes, a videoconferência para algumas audiências, além do monitoramento eletrônico de medidas penais.

132 GUDÍN RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino. Cárcel Electrónica: Bases para la creación del sistema

ativo, sistema passivo e sistema de localização global – GPS.133 Além disso, alguns autores distinguem os sistemas tecnológicos em primeira geração, segunda geração e terceira geração.134

A primeira geração da tecnologia abrange os sistemas ativo, passivo e misto (combinação de ativo e passivo), possibilitando a localização de um indivíduo em determinado local. O sistema ativo de vigilância, também chamado de sinalização contínua ou permanente, é composto por três aparelhos: um transmissor fixado à pessoa de forma inamovível (pulseira, tornozeleira, colar, etc), que emite sinais em um determinado raio; um receptor instalado no domicílio para receber o sinal do transmissor; e um computador central conectado ao receptor através da linha telefônica, que controla o processo e registra as incidências. O receptor pode também ser um equipamento móvel, portado pelo agente penitenciário, que permite o controle de presença do monitorado em um lugar determinado através da aproximação do agente a qualquer momento.

Esse sistema impõe uma restrição à liberdade de locomoção do monitorado, determinando o local de permanência, limitando os locais que podem ser frequentados ou restringindo o acesso a certas pessoas (ex.: vítimas).

O sistema passivo, também chamado de contato programado, utiliza um computador para realizar chamadas telefônicas aleatórias aos locais onde o vigiado deve estar, o qual deve atender pessoalmente para que seja possível seu reconhecimento através de um identificador de voz ou outro equipamento adequado para tanto. A identificação da pessoa monitorada também pode ser realizada através de uma senha secreta ou de métodos biométricos, como a impressão digital ou a análise da retina.

O sistema passivo é mais simples e de menor custo, exigindo apenas uma linha telefônica disponível, além do computador e o programa para as chamadas e o reconhecimento. Não obstante a preferência pelo sistema ativo na maioria dos países que mantêm programas de monitoramento eletrônico, o sistema passivo ganhou grande reforço com o desenvolvimento da telefonia celular e sua compatibilização com a tecnologia GPS.

133 OLIVEIRA, Edmundo. Política criminal e alternativas à prisão. Op. cit., p. 176-179; SMITH, Russel G.;

BLACK, Matt. Electronic Monitoring in the Criminal Justice System. Australian Institute of Criminology -

Trends & Issues in crime and criminal justice, Canberra, Australia, n. 254, may. 2003. Disponível em:

<http://www.aic.gov.au/publications/tandi2/tandi254.htm>. Acesso em: 20 de outubro de 2008.

134 IGLESIAS RÍO, Miguel Ángel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localización permanente y

su seguimiento com medios de control electrónico. Anuário de derecho Constitucional Latinoamericano. Montevideo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2006, p. 1088-1091; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; MACEDO, Celina Maria. O Brasil e o monitoramento eletrônico. In: CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA (Ministério da Justiça). Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 2. sem. 2008, p. 25.

Gudín Rodríguez-Magariños135 aponta vantagens no sistema passivo em relação ao ativo, afirmando que o primeiro é descontínuo (menor intromissão sobre o monitorado), utiliza equipamento cuja aquisição se generalizou na população (telefone celular) e evita a estigmatização do monitorado que não precisa usar pulseira ou tornozeleira.

A segunda geração da tecnologia de vigilância é representada pelos sistemas de localização global ou Global Positioning System (GPS), que permite seguir e localizar o indivíduo constantemente, em tempo real, onde quer que esteja. O sistema de localização global (GPS) utiliza a tecnologia de radionavegação espacial desenvolvida pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos a partir de 1973. Os primeiros sinais de teste foram emitidos por um satélite lançado em junho de 1977, mas o sistema se tornou completamente operacional a partir de 1994. O complemento ideal de um receptor GPS é o Sistema de Informação Geográfica (GIS), ou seja, um programa de computador (software) que proporciona uma base cartográfica digital para a determinação de posições e caminhos a partir dos dados fornecidos pelo receptor GPS. Inicialmente desenvolvida para uso exclusivamente militar, a tecnologia GPS é atualmente utilizada para fins diversos, como no esporte, na navegação civil e na cartografia.136

Assim, o sistema de monitoramento eletrônico através da tecnologia GPS é formado por três componentes: um satélite, uma rede de estações terrestres e equipamentos móveis dos usuários. O sistema aciona um alarme quando o monitorado entra em área proibida, assim como pode avisar sobre a aproximação do mesmo a determinadas pessoas, objetos e lugares. O controle da localização é contínuo e regular.

A terceira geração tecnológica é formada pelo sistema de localização por GPS acrescido de dispositivos que permitem à central de monitoramento receber informações como dados psicológicos, frequência da pulsação, ritmo respiratório para medir o nível de agressividade de uma pessoa violenta ou até a excitação sexual em criminosos sexuais.137 Alguns autores mencionam inclusive, de forma claramente negativa e desaprovadora, dispositivos capazes de realizar uma intervenção corporal direta no

135 GUDÍN RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino. Sistema penitenciario y revolución telemática: ¿el fin

de los muros en las prisiones?: Un análisis desde la perspectiva del Derecho comparado. Op. cit., p. 72.

136 Ibid, p. 63-65.

137 IGLESIAS RÍO, Miguel Ángel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localización permanente y

su seguimiento com medios de control electrónico. Anuário de derecho Constitucional Latinoamericano. Op. cit., p. 1090-1091.

vigiado, por meio de descargas elétricas programadas ou ainda através da liberação de sedativos na corrente sanguínea do indivíduo.138

Nesse sentido, equipamentos mais sofisticados permitem acoplar ao receptor uma câmera de vídeo ou dispositivos para medir características bioquímicas do monitorado. A Suécia já utiliza esse tipo de equipamento para controlar o nível de álcool no sangue dos condenados e, nos Estados Unidos, a tecnologia tem sido utilizada com sucesso para controlar, de forma consentida, pacientes com doenças cardiológicas. Parece possível, inclusive, que o emissor envie informações sobre o pulso do monitorado, o que delataria quase instantaneamente qualquer grau de excitação normalmente verificado em crimes violentos, salvo no caso de psicopatas.139

Faustino Gudín Rodríguez-Magariños140 informa que a novidade nessa área (teleasistencia) é a plataforma tecnológica Maya desenvolvida para adultos pela empresa Servitae - Serviços Telemáticos Aplicados. Seu tamanho é tão pequeno que pode ser usada como um relógio de pulso e contém diversos sensores: um detecta o movimento (choques, quedas, se a pessoa está em pé, correndo ou deitada); outro mede a temperatura corporal (termômetro digital que dispara um alarme); um sensor de uso (avisa em caso de retirada do bracelete) e também de resistência (indica transpiração em caso de nervosismo ou queda de pressão). Além disso, possui um sistema de radiofrequência UHF que permite comunicação com serviços de urgência (polícia, bombeiros), bem como com outros dispositivos externos (podem medir o nível de oxigênio no sangue, a atividade elétrica do coração e do pulmão e a pressão sanguínea).

Não obstante o caráter preventivo de tais dispositivos, não é possível admitir a adoção de práticas ofensivas à dignidade humana, como também não se pode cair na tentação de prevenir o crime a todo custo, desprezando garantias constitucionais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.141

138 IGLESIAS RÍO, Miguel Ángel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localización permanente y

su seguimiento com medios de control electrónico. Anuário de derecho Constitucional Latinoamericano. Op. cit., p. 1091; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; MACEDO, Celina Maria. O Brasil e o monitoramento eletrônico. In: CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA (Ministério da Justiça). Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Op. cit., p. 25.

139 GUDÍN RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino. Cárcel Electrónica: Bases para la creación del sistema

penitenciario del siglo XXI. Op. cit., p. 48-49.

140 Ibid, p. 49.

141 A título de ilustração, cabe lembrar o filme cinematográfico Minority Report dirigido por Steven

Spielberg e baseado em conto homônimo de Philip K. Dick, no qual a polícia de pré-crimes consegue prender pessoas que pretendem praticar delitos no futuro próximo, com base em informações obtidas por pessoas paranormais.

O autor espanhol menciona também o avanço tecnológico e científico que permite a coleta de dados biológicos (DNA), bem como o arquivamento dessas e de outras informações pessoais do indivíduo submetido ao sistema penitenciário com finalidade de identificação e prevenção de delitos. O risco de violação dos direitos fundamentais nesse caso decorre tanto da intervenção física quanto do alcance dos dados coletados e eventualmente difundidos.

3 EXPERIÊNCIAS ESTRANGEIRAS E NACIONAIS