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Monitoramento eletrônico como instrumento de combate à criminalidade

Não obstante os limites estabelecidos pelo título deste estudo (penas e alternativas penais), é interessante observar que o método tecnológico de monitoramento eletrônico também tem sido utilizado em momento anterior à própria prática da infração penal. Com efeito, as diversas possibilidades oferecidas pela tecnologia passaram a ser utilizadas na prevenção da criminalidade, ou seja, para evitar que alguém cometa um ato criminoso.

A utilização de métodos tecnológicos no controle da criminalidade pode ser percebida entre nós na instalação de câmeras de vigilância em prédios e espaços públicos, além de estabelecimentos privados. Interessa aqui, porém, apenas o controle exercido pelo poder público através da vigilância eletrônica ou da escuta telefônica e de

484 POZA CISNEROS, María. Las nuevas tecnologías en el ámbito penal. Revista del Poder Judicial. Op.

cit., p. 114-115 (tradução nossa).

485 CARDET, Christophe. Le placement sous surveillance électronique. Op. cit., p. 25; OLIVEIRA,

outras técnicas, e não o controle feito pelo indivíduo em sua esfera de vida privada (ex. câmeras em residência e estabelecimentos empresariais).

Essa técnica de controle do crime é recomendada por Claus Roxin486 como forma de prevenir a criminalidade, ao invés de punir o criminoso, ou seja, o autor sugere o fortalecimento do controle estatal, com um controle mais intensivo do crime pelo Estado através de “uma abrangente vigilância de todos os cidadãos”, o que reduziria a criminalidade e, consequentemente, a intervenção penal.

Segundo o autor alemão, em países democráticos com uma estrutura social menos individualista que a ocidental (ex. Japão), o indivíduo está submetido a um controle social através da família, dos vizinhos e de uma polícia de imagem social, o que dificulta o comportamento desviante.487 Por outro lado, cidades com intenso policiamento (ex. Munique) são as mais seguras em termos de criminalidade e obtêm maior eficácia preventiva. O autor, assim, justifica o aumento do controle social (formal) pelo Estado, concluindo que esse controle intensivo pode reduzir a necessidade e a severidade da intervenção penal. Esse controle seria realizado através dos instrumentos tecnológicos disponíveis na atualidade, como as escutas telefônicas, a gravação secreta da palavra falada mesmo em ambientes privados, a vigilância através de câmeras de vídeo, o armazenamento de dados e seu intercâmbio global, métodos eletrônicos de rastreamento e medidas afins. Tais meios, já utilizados por diversos países democráticos, poderiam impedir vários delitos, como também identificar seu autor em caso de cometimento do delito, além de gerar um efeito de intimidação que tornaria supérflua a necessidade da pena.488

Claus Roxin489 ressalva a importância da proteção à privacidade e à intimidade, concluindo que não se pode proceder a uma vigilância acústica e ótica de ambientes privados, sob pena de lesão ao núcleo da personalidade do suspeito.490 Por outro

486 ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Op. cit., p. 05.

487 Ibid, p. 05-06. Ao que parece, Roxin está se referindo ao tipo de controle social denominado informal, ou

seja, aquele integrado pela instância da família, escola, profissão, opinião pública, grupos de pressão, clubes de serviço, etc. Por outro lado, o controle social formal é aquele realizado pelo aparelho político do Estado, ou seja, através da Polícia, Justiça, Exército, Administração Penitenciária e outras instâncias (cf. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. Op. cit., p. 60).

488 ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Op. cit., p. 06-07. 489 Ibid, p. 08.

490 Claus Roxin informa que em 1998 o legislador alemão aprovou a vigilância acústica da moradia privada,

que foi chamado de o “grande ataque da escuta”. O Tribunal Constitucional alemão, porém, declarou a inconstitucionalidade de grande parte do dispositivo legal que autorizava a medida (ROXIN, Claus. Estudos

de direito penal. Op. cit., p. 07-08). No Brasil, a interceptação ambiental de conversa alheia não foi prevista

pela Lei nº 9.296/1996, que regulamenta apenas a interceptação de conversa através de telefone. Guilherme de Souza Nucci, analisando a licitude da gravação feita para ser usada em processo, afirma que a captação ambiental de conversa alheia mantida em local público não caracteriza prova ilícita, enquanto a captação ambiental de conversa em local privado (ex. domicílio) constitui prova ilícita pela invasão de privacidade, em

lado, parece-lhe justificada uma incessante vigilância através de câmeras ou da presença policial em instalações públicas, ruas e praças, além de rondas policiais para proteção de residências privadas. Nesse caso, os direitos da personalidade não seriam seriamente restringidos, “pois qualquer um que apareça em público se submete à observação por outras pessoas”. Além disso, sugere que a criminalidade econômica e a organizada poderiam ser enfrentadas de forma mais eficiente com a possibilidade de suspensão do sigilo fiscal das agências financeiras e com a obrigação dos bancos de informar regularmente ao fisco as operações financeiras efetivadas em suas contas, o que não seria problema diante do atual desenvolvimento da tecnologia de comunicações de dados.491

Pilar Otero González,492 por outro lado, afirma que a vigilância eletrônica será sempre excessiva quando utilizada na prevenção de delitos. Como exemplo de excesso, a autora lembra que o Ministério do Interior britânico decidiu combater o vandalismo e a delinquência juvenil colocando dispositivos eletrônicos em jovens considerados problemáticos. No mesmo Reino Unido, em 2002, depois do sequestro e assassinato de duas crianças, alguns pais tentaram implantar dispositivos transmissores intracutâneos em seus filhos menores de idade para localizá-los. Além disso, o Ministério de Assuntos Exteriores de Israel introduziu, em janeiro de 2000, um sistema de pulseiras transmissoras para evitar a subtração de recém nascidos dos hospitais. Nos Estados Unidos, desde o final de 2006, verifica-se a implantação de bracelete eletrônico em testemunhas na cidade de Chicago.

Segundo a autora, portanto, essa estratégia de combate à criminalidade através das novas tecnologias está “levando a extremos que desequilibram a proporcionalidade necessária entre os bens jurídicos em conflito” e, no caso da prevenção do terrorismo internacional, lesa garantias elementares dos cidadãos.

Com efeito, a filosofia de segurança global, fundamentalmente desde os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, gerou um projeto de defesa que dilui o princípio da legalidade processual, convertendo-se o Estado em um controlador interessado na vigilância do sistema, que reforça a observação dos cidadãos fundamentalmente a partir do controle telamático. Supõe a utilização do desenvolvimento tecnológico como fator de poder que, sob a égide da segurança coletiva, restringe a

face da inviolabilidade constitucional do domicílio (art. 5º, XI da CF) (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis

penais e processuais penais comentadas. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.

648).

491 ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Op. cit., p. 08.

492 OTERO GONZÁLEZ, Pilar. Control telemático de penados: análisis jurídico, económico y social. Op.

intimidade individual de massas incalculáveis de pessoas em espaços muito reduzidos.493

De fato, esta estratégia de vigilância e controle foi intensificada no Reino Unido após o atentado de julho de 2005 em Londres. Segundo estudos apresentados em 2006 por um grupo de acadêmicos denominado Surveillance Studies Network, os britânicos possuíam 4,2 milhões de câmeras de televisão de circuito fechado, ou uma para cada quatorze habitantes, gerando uma média diária de captação de um britânico por 300 câmeras. Além disso, são monitorados e registrados os níveis de produção dos britânicos, seus hábitos de compra e movimentos de viagem, e, em muitos casos, são compartilhados com as empresas de vigilância e controle os dados dos sistemas de informação dos cartões de crédito, telefones celulares e cartões de instituições.494

Pilar Otero González495 informa, ainda, que a legislação de proteção à informação pessoal e à privacidade do Reino Unido é uma das mais fracas da Europa e que os britânicos possuem o maior banco de DNA do mundo, com 3,6 milhões de indivíduos em 2008, muitos dos quais simples suspeitos que demonstraram sua inocência, mas continuam cadastrados.

Da mesma forma, a Itália passou a utilizar o sistema de vigilância por câmeras de vídeo e outras tecnologias na prevenção do terrorismo internacional após o atentado de 11 de setembro de 2001. A legislação italiana também autoriza a obtenção de material genético (DNA) da cavidade bucal do suspeito, inclusive contra sua vontade, caso em que a coleta deve ser feita pela polícia judicial.496

Em França, uma lei posterior a setembro de 2001 estendeu o controle estatal sobre as comunicações e, em março de 2003, outra lei autorizou a instalação de câmeras de segurança em escolas, nos transportes públicos, nas estações de trem, ônibus e metrô, autorizando também os formulários genéticos de condenados e suspeitos. Esta lei possibilita que a polícia judicial tenha acesso aos dados de órgãos públicos e entidades privadas através de sistemas de informática, bem como que possam exigir exame médico ou amostra de sangue a qualquer pessoa sobre a qual existam sérios indícios de ter

493 OTERO GONZÁLEZ, Pilar. Control telemático de penados: análisis jurídico, económico y social. Op.

cit., p. 96-97 (tradução nossa).

494 O estudo prevê, ainda, que em 2016 os britânicos estarão sendo digitalizados cada vez que ingressarem em

uma loja de departamentos; as escolas incluirão cartões magnéticos que possibilitem aos pais conhecer o que seus filhos fazem, comem e como avançam nos estudos; e os empregadores pedirão aos candidatos ao posto de trabalho que detalhem suas atividades e seu estado de saúde em cartões de nova tecnologia (Ibid, p. 99).

495 Ibid, p. 99-100. 496 Ibid, p. 100.

cometido uma agressão sexual, com o fim de comprovar a possibilidade de transmissão de enfermidade sexual. Além disso, criou-se um fichário nacional de características genéticas sobre condenados por delitos sexuais, contra a humanidade, contra a vida, ameaças de atentados, contra liberdade, tráfico de pessoas, proxenetismo, exploração da mendicância, extorsões, atos de terrorismo, depósito de armas ou munição de guerra, e outros.497

Em 2006 foi aprovada uma nova lei de combate ao terrorismo que autoriza o uso generalizado da vigilância eletrônica, com a instalação de câmeras em aeroportos, estações de transportes públicos e em lugares de culto religioso e de comércio. Além disso, a lei possibilita que em locais de trânsito sejam instalados sistemas de vigilância fotográfica de veículos, inclusive para fotografar os ocupantes e manter suas imagens por oito dias, sem autorização judicial.498

Nos Estados Unidos, a Lei Patriótica de outubro de 2001 e outras leis posteriores possibilitam que as forças de segurança controlem, sem ordem judicial, telefones e contas de internet ligadas a suspeitos de terrorismo. Nas comunicações pela rede mundial de computadores, utilizam programas software para interceptação massiva de mensagens através de correio eletrônico (programa de software denominado ECHELON).

Há que se ressaltar, porém, que a vigilância eletrônica foi utilizada na prevenção da criminalidade pela maioria dos países europeus bem antes dos atentados terroristas de 2001 nos Estados Unidos. Com efeito, a Espanha possui previsão legal para vigilância de lugares públicos desde 1997 (sendo vedada a captação de imagens e sons em domicílios) e o Reino Unido conta com centenas de redes de vigilância por circuito fechado de televisão desde 1998, além de um sistema de reconhecimento de veículos (sistema Talon da empresa Racal) que foi apresentado em 1994.499

De qualquer forma, Pilar Otero González apresenta a seguinte conclusão sobre o uso da vigilância eletrônica como instrumento de combate à criminalidade:

Pode ser comprovado, pois, que a ferramenta principal que está sendo utilizada na prevenção da criminalidade é a vigilância eletrônica (fundamentalmente através de câmeras de vídeo combinadas com excessivas possibilidades que representa a já inquebrantável união entre a informática e a genética). Esta limita a intimidade e, em consequência,

497 OTERO GONZÁLEZ, Pilar. Control telemático de penados: análisis jurídico, económico y social. Op.

cit., p. 101-102.

498 GUDÍN RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino. Cárcel Electrónica: Bases para la creación del sistema

penitenciario del siglo XXI. Op. cit., p. 116-117; OTERO GONZÁLEZ, Pilar. Control telemático de

penados: análisis jurídico, económico y social. Op. cit., p. 102.

499 OTERO GONZÁLEZ, Pilar. Control telemático de penados: análisis jurídico, económico y social. Op.

a esfera de liberdade do indivíduo, o que supõe uma nova tentação “orwelliana” do Estado onipresente cujo controle telemático para atingir a segurança chega a comprometer a própria dignidade da pessoa, o que gera um novo desequilíbrio entre ambos os bens jurídicos objetos de proteção. Desequilíbrio que se aproxima perigoso, na medida em que este tipo de legislação, nascida com marcante caráter excepcional, tendem a se perpetuar no tempo.500

Diante das considerações de Claus Roxin, bem como das ponderações e ressalvas de Pilar Otero González, há que se reconhecer a possibilidade e os riscos do uso do monitoramento eletrônico na prevenção de delitos. O uso da tecnologia da vigilância eletrônica na prevenção de delitos, mormente em determinados lugares públicos, parece ser uma tendência sem retorno e pode colaborar com a redução da criminalidade; entretanto, esse uso não pode ser generalizado a ponto de representar um controle absoluto do espaço público pelo Estado. Além disso, não há justificativa para a vigilância prévia e constante de pessoas (jovens ou adultos) consideradas “problemáticas” ou infratores potenciais, sob pena de lesão aos direitos constitucionais da intimidade e privacidade, bem como da afronta ao princípio da presunção de inocência. Vale, aqui, a observação de María Poza Cisneros,501 resumida e repetida com insistência por Faustino Gudín Rodríguez-Magariños: “as tecnologias não são boas nem más, maus ou bons são os homens que a utilizam”.502

500 OTERO GONZÁLEZ, Pilar. Control telemático de penados: análisis jurídico, económico y social. Op.

cit., p. 106 (tradução nossa).

501 POZA CISNEROS, María. Las nuevas tecnologías en el ámbito penal. Revista del Poder Judicial. Op.

cit., p. 133.

502 GUDÍN RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino. Sistema penitenciario y revolución telemática: ¿el fin

de los muros en las prisiones?: Un análisis desde la perspectiva del Derecho comparado. Op. cit., p. 12

5 JUSTIFICATIVAS E OBJETIVOS: AS FINALIDADES DA PENA