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Teorias mistas ou unificadoras

5.2 O fundamento da pena: justificação ou legitimação da punição

5.2.3 Teorias mistas ou unificadoras

Da combinação entre os diferentes aspectos das correntes acima mencionadas surgiram teorias ecléticas denominadas mistas ou unificadoras. A teoria eclética foi iniciada na Alemanha por Merkel e constitui opinião dominante neste país, bem como na Espanha. A retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial seriam aspectos distintos de um fenômeno complexo como a pena.569

Com efeito, Gudín Rodríguez-Magariños570 cita Muñoz Conde e descreve as diferentes finalidades da pena de acordo com as suas respectivas fases (cominação, aplicação e execução). Segundo o autor, portanto, a prevenção geral é decisiva no momento da ameaça penal (cominação), porém, se uma infração penal é cometida a despeito da ameaça, a pena deve ser aplicada no momento judicial com caráter predominante de retribuição, executando-se a pena em seguida com finalidade de prevenção especial. Da mesma forma, Enrique Bacigalupo571 reconhece na teoria da prevenção geral positiva uma função social utilitária, consistente na comunicação de uma mensagem destinada a fortalecer a confiança na vigência da norma violada, possibilitando a articulação com as teorias absolutas (retribuição), na forma própria das teorias da união.

568 DIAS, Jorge de Figueiredo. Breves considerações sobre o fundamento, o sentido e aplicação das penas em

direito penal econômico. In: PODVAL, Roberto (Org.). Temas de direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 130-131.

569 MIR PUIG, Santiago. Direito Penal: fundamentos e teoria do delito. Op. cit., p. 71.

570 GUDÍN RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino. Cárcel Electrónica: Bases para la creación del sistema

penitenciario del siglo XXI. Op. cit., p. 140.

Em geral, as teorias ecléticas atribuem ao direito penal a função de proteção da sociedade. Entretanto dividem-se em duas grandes correntes: por um lado, aqueles que fundamentam a pena na retribuição justa, deixando à prevenção um papel complementar dentro do marco da retribuição na determinação da pena; por outro lado, aqueles que colocam a defesa da sociedade como fundamento da pena (proteção de bens jurídicos), deixando a retribuição, ainda que chamada de outra forma (culpabilidade), como limite máximo das exigências de prevenção, impedindo que estas conduzam a uma pena superior àquela merecida pelo fato.572

Claus Roxin573 critica as teorias meramente unificadoras ou aditivas sob o argumento de que representam, no mais das vezes, pura justaposição das diversas teorias destruindo a lógica imanente a cada concepção, como também aumentando o âmbito de aplicação da pena, convertendo a reação penal estatal em meio utilizável para sanar qualquer infração à norma. Esta concepção unificadora quebraria a idéia de que o direito penal deve ser utilizado de forma subsidiária, como ultima ratio. Argumenta, ainda, contra a teoria unificadora, a impossibilidade de se misturar teorias que negam fins à pena (retributivas) com outras que atribuem fins a ela (preventivas).

Nesse sentido, Claus Roxin574 formula sua teoria dialética unificadora que centraliza a questão nas três fases essenciais da pena: cominação legal, aplicação judicial e execução da condenação. No primeiro momento (cominação legal), as cominações penais se justificam por motivos de prevenção geral, ou seja, quando necessário para proteção subsidiária de prestações públicas e bens jurídicos. Entretanto, o autor não limita a prevenção geral ao seu aspecto negativo, afirmando que a cominação da pena também deve informar o âmbito do proibido a quem não necessita de intimidação.575 No segundo momento (aplicação judicial), a pena deve ser aplicada com função de

572 MIR PUIG, Santiago. Direito Penal: fundamentos e teoria do delito. Op. cit., p. 71. Jorge de Figueiredo

Dias divide as teorias mistas ou unificadoras da seguinte forma: 1. teorias em que reentra a idéia da retribuição ou doutrinas diacrônicas dos fins da pena, que se identificam com aquelas chamadas de

unificadoras aditivas por Roxin; 2. teorias da prevenção integral. Segundo o autor português, as primeiras

justificam na retribuição a aplicação da pena e na prevenção a cominação (geral) e a execução (especial). Por outro lado, as segundas produzem uma unificação entre os fins preventivos (geral e especial) para justificar a pena e excluem a idéia de retribuição como fundamento da pena, inclusive algumas (von Liszt, Hassemer, Jakobs) recusando o princípio da culpabilidade como limite da punição e substituindo este conceito pela

perigosidade ou pela proporcionalidade e outras (Roxin) mantendo a culpabilidade como limite da pena

(DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. Op. cit., p. 109-111).

573 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Op. cit., p. 26 e 44. 574 Ibid, p. 31-40.

575 Paulo de Souza Queiroz aponta características de prevenção geral positiva na teoria de Roxin quando este

menciona o necessário “fortalecimento da consciência jurídica da comunidade” (QUEIROZ, Paulo de Souza.

proteção subsidiária e preventiva (geral576 e especial) de bens jurídicos e de prestações estatais, limitada pela medida da culpa (culpabilidade). A culpabilidade, porém, é entendida como limite e não como fundamento único da pena, afastando-se o princípio da culpabilidade da teoria da retribuição.577 No terceiro momento (execução), a pena deve ser executada com finalidade de prevenção especial, mormente a ressocialização.

A teoria preventiva descrita (dialética unificadora) decorre da postura funcionalista adotada por Roxin (funcionalismo teleológico ou moderado). Assim, o autor supera o dogma liszteano (von Liszt) segundo o qual o direito penal é a fronteira intransponível da política criminal. A política criminal não é apenas um conceito “instrumental”, ou seja, aquele segundo o qual a política criminal é o conjunto de medidas eficazes para obtenção de quaisquer fins (que não se importa com a legitimidade das medidas e dos fins). Este conceito de política criminal é substituído por outro cheio de conteúdo, capaz de integrar tanto o interesse na evitação e persecução do crime como a preservação das liberdades e garantias individuais (direitos humanos e princípios do Estado de direito e do Estado social integram-se nas valorações político-criminais). Com efeito, as valorações político-criminais não são relativas, mas advém diretamente da ordem constitucional do Estado democrático de direito que respeita e promove a dignidade humana e os direitos fundamentais.578

576 Assim como na cominação da pena, o autor não limita a prevenção geral na aplicação ao seu aspecto

negativo, afirmando que o conceito deve significar a salvaguarda da ordem jurídica na consciência da comunidade (ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Op. cit., p. 33).

577 Segundo Roxin, os conceitos de dignidade humana e de autonomia da pessoa pressupõem a concepção do

homem como um ser capaz de culpa e responsabilidade. Assim, independentemente do reconhecimento de um livre arbítrio, deve ser reconhecido “o princípio da culpa na esfera normativa das regulamentações ordenadoras da sociedade, como uma disposição da comunidade jurídica que protege o particular da superioridade de um poder estatal que viole a personalidade daquele”. A culpabilidade do delinquente, portanto, justifica a aplicação da pena porque, “como membro da comunidade, tem de responder por seus atos na medida da sua culpa, para a salvaguarda da ordem dessa comunidade”, e não porque aquele tenha que suportar um mal devido a um imperativo categórico (retribuição). Em nota posterior, o autor reconhece que a culpabilidade, enquanto limite da pena, é uma condição necessária desta e, portanto, também a fundamenta. Esclarece, porém, que a culpabilidade não é suficiente para, por si só, fundamentar a pena, ou seja, uma conduta culpável só justifica a aplicação da pena se esta for necessária por motivos preventivos (ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Op. cit., p. 35-38). Jorge de Figueiredo Dias, porém, afirma que a teoria unificadora de Roxin fundamenta a pena exclusivamente na prevenção (geral e especial), sem afastar o princípio da culpabilidade como pressuposto e limite de sua medida, mas admite a idéia da retribuição, ainda que de maneira “encoberta”, ao sustentar que a medida da pena deve ser obtida dentro de uma moldura de culpabilidade (DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal

revisitadas. Op. cit., p. 112). Santiago Mir Puig aponta que a limitação da pena pela culpabilidade é o único

aspecto da teoria retributiva admitido por Roxin, que rejeita a outra exigência do retribucionismo, qual seja, a de que a pena não pode ser inferior ao que impõe a culpabilidade. Além disso, Mir Puig acrescenta que em trabalhos mais recentes o autor alemão acentuou a importância da prevenção especial na determinação da pena (MIR PUIG, Santiago. Direito Penal: fundamentos e teoria do delito. Op. cit., p. 75).

578 GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais.