• Nenhum resultado encontrado

Monitoramento eletrônico como alternativa penal: fundamento e finalidades

5.3 As finalidades da pena e o monitoramento eletrônico

5.3.1 Monitoramento eletrônico como alternativa penal: fundamento e finalidades

A busca por alternativas à pena privativa de liberdade é antiga e decorre diretamente do modelo de Estado adotado pela Constituição, bem como das finalidades preventivas atribuídas à sanção penal.

A Constituição Federal de 1988 constituiu no caput do art. 1º o Estado Democrático de Direito, consagrando nesse conceito os princípios do Estado social e do Estado liberal.587 O mesmo dispositivo constitucional estabelece os fundamentos do Estado

586 VALLOTTON, André. Surveillance électronique, expérimentation et evaluation. In: FROMENT, Jean-

Charles; KALUSZYNSKI, Martine (Coord.). Justice et technologies: Surveillance électronique en Europe. Grenoble: Presses universitaires de Grenoble, 2006, p. 160-161.

587 Segundo Alberto Silva Franco: “Em resumo, o Estado Social e Democrático de Direito é aquela

concepção sintética que reúne, em relação dialética, a idéia de Estado de Direito, isto é, de um Estado regido

pelo Direito que provém da vontade geral expressa pelo povo e de um Estado social que interfere, direta e imediatamente no jogo social; é a fusão entre o Estado-guardião do cidadão e do Estado intervencionista das relações sociais, a que se acresce a idéia da democracia, isto é, do Estado que exclui a prepotência e é, por sua formação e por seu conteúdo organizacional, democraticamente, legitimado”. Cf. FRANCO, Alberto

Democrático de Direito, ou seja, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Entre os fundamentos mencionados, interessa aqui a dignidade da pessoa humana e suas implicações para o sistema de penas e para o próprio direito penal.

Na ciência jurídica, a dignidade humana é considerada um valor

fundamental (supremo ou superior)588 ou fundamento jurídico de inúmeras normas que legitimam o próprio Estado ao impor limites aos seus poderes em face da pessoa. Além disso, a dignidade humana também é norma jurídica com característica de princípio de força normativa concreta.589

Assim, a dignidade humana prevista no art. 1º, III da Constituição como

fundamento da república brasileira (valor fundamental ou superior), revela uma decisão

política fundamental em relação à posição da pessoa humana no centro do Estado e da sociedade, expressando-se juridicamente através dos direitos fundamentais.590 A dignidade humana, portanto, legitima o próprio Estado e seu ius puniendi (direito penal), Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. Op. cit., p. 34. Da mesma forma, Santiago Mir Puig analisa dispositivo semelhante na Constituição espanhola e afirma que através da fórmula Estado Democrático de Direito, “a Constituição emprega uma terminologia consagrada que aponta a uma concepção sintética de Estado, produto da união dos princípios próprios do Estado Liberal e do Estado Social. Como toda síntese, a imagem resultante do Estado supõe uma superação de seus componentes básicos isoladamente considerados, o que permite inferir uma terceira característica da fórmula constitucional: a democracia. A importância respectiva que se atribua a cada uma das três componentes examinadas dependerá de forma notável da concreta visão política de que se parta. Aqui, porém, somente importa destacar o ponto de acordo em que devem convergir as possíveis interpretações do «Estado social e democrático de Direito»: é este um modelo de Estado que pretende juntar, superando-os, os modelos de Estado liberal e Estado social” (MIR PUIG, Santiago. El derecho penal en el Estado social y democrático de

derecho. Op. cit., p. 31 - tradução nossa).

588 Ressalte-se que a expressão “valores supremos” da sociedade está contida no preâmbulo da Constituição

de 1988, referindo-se aos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça. Em Espanha, a Constituição de 1978 menciona a liberdade, a justiça, a igualdade e o pluralismo político como “valores superiores” da ordem jurídica no art. 1 do Título Preliminar. Em Portugal, a Constituição de 1976 estabelece em seu art. 1º que a República portuguesa está baseada (fundada) na dignidade da pessoa humana. Ressalte-se, porém, que a doutrina constitucionalista discute a validade jurídica do preâmbulo da Constituição (cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 74-78).

589 Jorge Miranda afirma que a dignidade humana é um “princípio axiológico fundamental e limite

transcendente do poder constituinte, dir-se-ia mesmo um metaprincípio”. Cf. MIRANDA, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa do sistema de direitos fundamentais. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (Coord.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 170. Helena Regina Lobo da Costa afirma que, enquanto norma jurídica, a questão a ser respondida é: trata-se de princípio ou regra? A autora cita Alexy (é norma de dupla estrutura, ou seja, regra e princípio) e Canotilho (é princípio jurídico fundamental), mas adota a concepção de Humberto Ávila e afirma que a dignidade humana gera não apenas normas principiológicas, mas também postulados normativos, ou seja, metanormas que estruturam a maneira pela qual outras normas devem ser aplicadas, situando-se em um plano diverso daquele das regras e princípios (COSTA, Helena Regina Lobo da. A dignidade humana: teorias de prevenção geral positiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 35-36).

590 COSTA, Helena Regina Lobo da. A dignidade humana: teorias de prevenção geral positiva. Op. cit., p.

caracterizando-se como limite e fim, inclusive na definição das características do fato ligado a uma sanção penal.

Além disso, a dignidade humana enquanto princípio (metanorma ou

metaprincípio) dá origem a dois outros princípios, ou seja, o princípio da culpabilidade e o

princípio da humanidade das penas. O princípio da humanidade das penas, que impede o Estado de aplicar penas cruéis e desumanas, está expresso na Carta Magna, porém, não de forma única e sintetizada, mas sim em diversos dispositivos constitucionais.

Com efeito, o art. 5°, III da Constituição Federal estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.591 Além disso, o princípio da humanidade encontra-se expresso em outros dispositivos constitucionais, mormente entre os incisos do art. 5°, os quais estabelecem: “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis” (art. 5°, XLVII); “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (art. 5°, XLIX); “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (art. 5°, L).

Ademais, é através da forma de punir que se verifica o estágio humanitário em que se encontra uma sociedade, não se admitindo, nos tempos atuais, qualquer castigo que fira a dignidade e a própria condição de pessoa humana, sujeito de direitos fundamentais invioláveis. A lição de Jescheck sobre a humanidade da pena merece ser transcrita, inclusive porque é mencionada pela maioria dos autores nacionais quando analisam o princípio em questão:

O Direito Penal não pode se identificar com o direito relativo a assistência social. Serve em primeiro lugar a Justiça distributiva, e deve por em relevo a responsabilidade do delinquente por haver violentado o direito, fazendo com que receba a resposta merecida da Comunidade. E isso não pode ser atingido sem dano e sem dor principalmente nas penas privativas de liberdade, a não ser que se pretenda subverter a hierarquia dos valores morais, e fazer do crime uma ocasião de prêmio, o que nos conduziria ao reino da utopia. Dentro destas fronteiras, impostas pela

591 Com redação semelhante, dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos que “ninguém será

submetido à tortura nem a tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes” (art. V). Da mesma forma, a Constituição italiana de 1948 dispõe que “as penas não podem consistir em tratamentos contrários ao sentimento de humanidade e devem visar a reeducação do condenado” e veda a pena de morte, salvo em caso de guerra (art. 27), enquanto a Carta de Portugal (1976) estabelece: “A vida humana é inviolável. Em caso algum haverá pena de morte” (art. 24º, 1 e 2). Cf. GOUVEIA, Jorge Barcelar. As Constituições dos

natureza de sua missão, todas as relações humanas disciplinadas pelo Direito Penal devem estar presididas pelo princípio da humanidade.592

A própria pena privativa de liberdade representou, em um determinado momento histórico,593 um avanço humanitário em relação à pena de morte, então a forma mais comum de punição.594 Na segunda metade do século XVIII, quando a pena capital não mais conseguia conter o aumento da criminalidade e as tensões sociais, a pena privativa de liberdade consistiu no novo grande invento social, substituindo a pena de morte como um método melhor e mais eficaz.595 Não por coincidência, é a partir do século XVIII que o conceito de dignidade humana, antes entendido como atributo da aristocracia, vincula-se ao conceito de liberdade e passa a ser entendido como atributo da pessoa, generalizando-se (todo homem é um ser livre e, portanto, digno – jusnaturalismo

moderno).596

Nos tempos atuais, a dignidade humana e o princípio da humanidade da pena exigem uma constante avaliação da pena privativa de liberdade, mormente em relação à sua forma de cumprimento, que ocorre muitas vezes em condições materiais desumanas. Além disso, os efeitos criminógenos da prisão e a frustração de parte das expectativas preventivas (ressocialização) nela depositadas geram uma necessidade constante de

592 JESCHECK, Hans-Heinrich apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas penas alternativas. São Paulo:

Saraiva, 1999, p. 39; LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 35; GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999 (Coleção temas atuais de direito criminal; v. 1), p. 67.

593 Denominado por grande parte da doutrina como período humanitário da pena (cf. BITENCOURT, Cezar

Roberto. Manual de direito penal: parte geral: volume 1. 6. ed. rev. e atual. pelas leis 9.099/95, 9.268/96, 9.271/96, 9.455/97 e 9.714/98, do livro Lições de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 31).

594 Conforme mencionado anteriormente, seria ingenuidade acreditar que a pena de prisão surgiu por motivos

exclusivamente humanitários e apenas como uma forma de substituir a pena capital. Na verdade, o desenvolvimento do capitalismo como regime econômico, além de outras causas, contribuiu para a implantação da prisão como principal forma de punição (cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da

pena de prisão: causas e alternativas. Op. cit., p. 27-31).

595 HENTIG, Hans von. La Pena: las formas modernas de aparición: volumen II. Op. cit., p. 186.

596 Nesse sentido, Helena Regina Lobo da Costa aponta o art. 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão (revolução francesa), que estabeleceu: “todos os cidadãos, sendo iguais a seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, vagas e empregos públicos segundo sua capacidade”. Além disso, a autora informa que no final do século XVIII, Kant apresentou seu conceito de dignidade humana na obra

Fundamentação da metafísica dos costumes: a dignidade da pessoa é produto da autonomia decorrente da

razão e liberdade humanas (funda a dignidade no homem e a estende a todos os seres racionais – conceito universal). Segundo Kant, portanto, os seres irracionais têm valor relativo, pois podem ser substituídos e por isso chamam-se coisas; seres racionais denominam-se pessoas porque são fins em si mesmos e não podem ser empregados como meios (valor absoluto). Depois de esquecida durante o século XIX e início do século XX, a dignidade humana ressurgiu com o final da segunda guerra mundial (retomada do direito natural) e a positivação do conceito em textos constitucionais (Constituição Italiana de 1947 e Lei Fundamental Alemã de 1949). A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 também estabeleceu a “fé das Nações Unidas na dignidade e no valor da pessoa humana” (preâmbulo) e que os “seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (art. 1º) (COSTA, Helena Regina Lobo da. A dignidade humana: teorias de prevenção geral positiva. Op. cit., p. 22/28).

aperfeiçoamento, bem como de reforma ou substituição em determinados casos. As alternativas penais, portanto, surgiram e se generalizaram diante dos problemas apresentados pela prisão e, principalmente, pela maior possibilidade de realização da finalidade da pena de reinserção social ou de ressocialização (prevenção especial).

Nesse sentido, as chamadas Regras de Tóquio sobre medidas alternativas à pena privativa de liberdade estabelecem como regras específicas relacionadas à execução das penas e medidas alternativas a vigilância, o tratamento e a assistência. Segundo este documento internacional, o objetivo da vigilância ou supervisão é “readaptar o condenado e evitar a reincidência”, escolhendo-se sempre “o tipo mais adequado de vigilância ou tratamento, que podem ser revistos e reajustados periodicamente”. Quando necessário, “deve ser prestada aos delinquentes assistência psicológica, social e material, e oferecidas oportunidades para fortalecer os vínculos com a comunidade e facilitar sua reintegração social”.597

Neste contexto, o monitoramento eletrônico surge como alternativa interessante inclusive para substituir a forma de cumprimento da pena privativa de liberdade, ou seja, a substituição dos muros físicos da prisão pelas barreiras eletrônicas ou tecnológicas.598 O monitoramento eletrônico pode representar, assim, um modo mais humano de se aplicar e executar a privação da liberdade ou, ainda, um instrumento de eficácia para as alternativas penais, abrindo um enorme leque de possibilidades para a desejada reabilitação social do delinquente e a redução das chances de reincidência criminal (prevenção especial).

Alguns autores, porém, questionam a validade do discurso das penas alternativas por sua suposta compatibilidade com uma ideologia crescente de repressão penal. Com efeito, a idéia das penas não privativas de liberdade encobriria a necessidade de descriminalização, mormente em relação aos fatos de pequena repercussão social,

597 A Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução 45/110, de 14 de dezembro de 1990,

estabeleceu regras mínimas para a adoção de medidas alternativas à pena privativa de liberdade, documento este que ficou conhecido como Regras de Tóquio. Trata-se de documento internacional de importância fundamental para o direito penal, motivo pelo qual foi denominado por Luiz Flávio Gomes de “Constituição Mundial" das penas e medidas alternativas à prisão (GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à

prisão. Op. cit., p. 27). Os objetivos fundamentais das Regras de Tóquio encontram-se expressos na primeira

parte do documento (I – Princípios Gerais, 1. Objetivos fundamentais), e podem ser assim resumidos: promover o emprego de medidas não-privativas de liberdade; garantir direitos mínimos dos que se submetem às medidas alternativas; promover uma maior participação da comunidade na administração da justiça penal e na ressocialização (“tratamento”) do delinquente; estimular entre os delinquentes o senso de responsabilidade em relação à sociedade.

598 GUDÍN RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino. Sistema penitenciario y revolución telemática: ¿el fin

sustentando a concepção de um direito penal máximo.599 As penas alternativas, porém, revelam-se compatíveis com a dignidade humana e adequadas à realização da finalidade preventiva da pena (ressocialização), possibilitando o cumprimento da pena na comunidade e, além disso, evitando eventuais punições desproporcionais. O abandono das penas alternativas, ou mesmo a ineficácia destas, antes de produzir a reclamada descriminalização, pode reafirmar a legitimidade da prisão como única resposta estatal para todas as espécies de infração penal, mesmo aquelas de menor potencial ofensivo.

Segundo outra parte da doutrina, a alternativa do monitoramento eletrônico pode ser encarada como reflexo de uma possível mudança no paradigma da ressocialização enquanto fundamento das penas alternativas. Nesse sentido, Elena Larrauri600 afirma que a discussão sobre o fundamento justificador das penas alternativas deixou de ser fundada na idéia predominante da ressocialização e passou a ser mais cheia de nuances.

De acordo com a autora, como primeira novidade podem ser apontadas as posições retribucionistas liberais contemporâneas (Wasik-von Hirsch) que sustentaram as penas alternativas também por motivos de proporcionalidade. Nesta perspectiva, as penas alternativas passaram a ser defendidas não necessariamente por seu potencial ressocializador, mas porque representam uma resposta mais adequada (em termos de proporcionalidade) à pequena gravidade do delito praticado ou simplesmente uma solução

apropriada aos casos jurídico-penais como resultado da proporcionalidade.601 Além disso, alguns autores (Zimring-Hawkins) passaram a sustentar as penas alternativas por sua capacidade para cumprir com fins de incapacitação e outros por sua capacidade de atendimento aos interesses da vítima.

A mudança na fundamentação das penas alternativas causou, segundo a autora mencionada, certa alteração no tipo de penas que se promovem e nas finalidades predominantes que se espera que elas cumpram. Destarte, a nova geração de penas alternativas reflete a perda de confiança na capacidade de alterar as convicções do infrator e uma aposta pragmática em seu controle físico para impedir a prática de um novo delito, sem a privação total da liberdade. Como exemplo dessa mudança, dois grupos de penas alternativas podem ser citados: aquelas que pretendem restringir movimentos sem recorrer à prisão (prisão domiciliar, vigilância permanente, toque de recolher para determinadas

599 ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Direito Penal: Curso Completo. Parte Geral. Op. cit., p. 36-37. 600 LARRAURI PIJOAN, Elena. Nuevas tendencias em las penas alternativas. Revista Brasileira de Ciências

Criminais, São Paulo, n. 53, mar./abr. 2005, p. 72.

horas ou locais) e aquelas fundadas em uma vigilância intensiva. O desenvolvimento tecnológico tem facilitado o surgimento de tais penas alternativas (ex. monitoramento eletrônico), tendo em vista que o pressuposto destas é o seu próprio controle.602

Essas modalidades de penas alternativas certamente não são novas, porém alguns países as têm utilizado de forma inédita, ou seja, como penas principais que podem ser impostas única e autonomamente, não dependendo de outras medidas como a

probation ou o sursis. Além disso, essas novas penas alternativas apresentam um maior

grau de exigência ao infrator, pois podem ser cumuladas com outras restrições (restrições de movimento com vigilância eletrônica ou não, multa, reparação da vítima, etc), e o descumprimento acarreta o recolhimento à prisão tradicional.

A autora aponta a influência sobre as penas alternativas de um clima político de “populismo punitivo” em alguns países (Inglaterra, Alemanha, Holanda, Finlândia, Estados Unidos e Austrália) nas últimas décadas do século XX, que exigiu penas não só capazes de reabilitar, mas também de incapacitar, ou seja, de estabelecer um controle ou uma vigilância sobre o comportamento para impedir ou detectar o risco de futuras condutas delitivas.603

Pierre Landreville604 também identifica essa mudança de fundamento na aplicação do monitoramento eletrônico como alternativa penal. Segundo o autor, a idéia da substituição da prisão foi corroída particularmente na América do Norte por uma política penal mais severa que defende sanções intermediárias realmente punitivas, situadas entre a

probation tradicional e o encarceramento. Para alguns, o público reclama penas mais

justas, merecidas, confiáveis e intermediárias, como é o caso da probation acompanhada de vigilância eletrônica. Assim, a vigilância eletrônica não seria uma alternativa ao encarceramento, mas uma medida punitiva e de controle que pode conferir mais eficácia a sanções como a probation, a prisão domiciliar ou a liberdade provisória sob fiança. Nessa

602 LARRAURI PIJOAN, Elena. Nuevas tendencias em las penas alternativas. Revista Brasileira de Ciências

Criminais. Op. cit., p. 72-73.

603 Ibid, p. 70-71. Um dos indicativos dessa influência apontado pela autora é o abandono da expressão

“alternativas à prisão” e sua substituição por outras como “castigos comunitários”, “sanções intermediárias” ou “penas não privativas de liberdade”. Tais expressões destacam a idéia de “castigo” (não de desencarceramento) para atrair apoio popular e se definem de forma positiva (não negativa, como aquelas “não privativas de liberdade”), ou seja, comportam alguma restrição de liberdade, em residência (arresto domiciliar) ou mesmo em estabelecimento penitenciário (arresto de fim de semana). A autora também afirma que nas décadas de sessenta e setenta (1960-1970) as medidas destinadas a encurtar o tempo de prisão ou a atenuar o regime de cumprimento da prisão (ex. liberdade condicional e semiliberdade) não eram consideradas penas alternativas, mas passaram a ser incluídas no conceito de alternativas à pena privativa de liberdade.

604 LANDREVILLE, Pierre. La surveillance électronique des délinquants: un marché en expansion. Déviance

perspectiva, inclusive, a questão da inflação penal ou da escalada do controle penal (net-

widening) seria um falso problema.

Elena Larrauri,605 porém, ressalta algumas experiências (ex. Canadá) e alguns estudos que revelam o ressurgimento do interesse por programas de reabilitação social, bem como para a eficácia destes tratamentos. De qualquer forma, a autora indica que as mudanças de fundamento e as influências mencionadas produziram um sistema mais punitivo no âmbito das penas alternativas e questiona se o aumento do caráter aflitivo e da credibilidade das penas alternativas é necessário para diminuir o número de pessoas condenadas à prisão. Em resposta, a autora sustenta que as penas alternativas devem ter credibilidade, porém não podem conter a mesma carga aflitiva que a prisão porque não se destinam ao mesmo tipo de delito ou à mesma espécie de infrator.

De fato, as penas alternativas não devem conter a mesma carga aflitiva que a prisão, sob pena de perder seu próprio fundamento justificador. Entretanto, conforme