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2 AViagem de Silva Porto de Luanda ao Planalto Central-Viye (1840)

SILVA PORTO, O SEU MEIO E A SUA ÉPOCA

O ENCONTRO COM O ESPAÇO DESCONHECIDO

II. 2 AViagem de Silva Porto de Luanda ao Planalto Central-Viye (1840)

Em 1839 Silva Porto parte de Luanda para o planalto central, após ter permanecido um ano na capital de Angola. A situação sócio-económica de Luanda, também não satisfazia as suas ambições, tendo em conta o seu projecto comercial. Tencionava acumular algum capital que permitisse seguir para o interior de Angola, concretamente, no Viye. É nesse contexto que, no mesmo ano de 1839, Silva Porto, integra a caravana comercial da família Conceição Mattos e segue viagem para Viye165. Procedente de Luanda, Silva Porto, começou por desencadear um percurso itinerante embrenhando-se pelo interior de Angola. Tomou a trajectória a partir da linha de penetração do rio Kwanza, ao longo das povoações de Ndondo, Kambambi, Mbaka, Mpungu a Ndongo, Kasanji, Andulu (Ndulu), Musende. Estacionou em Mbaka por algum tempo e em 6 de Janeiro de 1840 partiu de [Ambaca], (Mbaka), passou pelo rio Lukala, transitou por vários pontos dessa região de Mbaka, hospedou-se em casa do capitão Manoel dos Santos Cardoso, de alcunha Kinjinji, que se tornou seu grande amigo, assim como Rodrigues Graça e João José Afavia, que ali residiam. Em meados do mesmo ano, atingiu o planalto do Viye (anexo n.º 2).

Kasanji era uma área cuja origem remonta aos Mbangala, um grupo poderoso entre os séculos XVII e XIX166. Era o Posto Administrativo impeditivo da expansão comercial. Reinava em Kasanji a autoridade do “jaga” Mbumba, um poderoso chefe opositor dos portugueses167. No arquivo antigo da administração de Kasanji existe um ofício ou carta do mbangala D. Pedro (soberano de Mbaka, vassalo de Portugal) dirigido a José Valentim da Costa, então chefe e que “pereceu na desastrosa guerra” de Kasanji. Kasanji, nessa época, encontrava-se na confluência dos traficantes, sertanejos, entre os estabelecimentos coloniais, feiras, libatas dos viajantes, comerciantes, e o controlo do

165 Francisco José Coimbra, um dos primeiros sertanejos portugueses instalados no centro e sobretudo no leste de Angola.

166 MILLER, Joseph Calder - Way of Dalh: merchant capitalism and the Angolan slave trade. Madison: The University of Wisconsin Press, 1988.

167 Mbumba não se deixou avassalar pelos portugueses e conduziu a guerra de Kasanji, sem nunca ter sido capturado. A guerra de 1830-1840 obrigou Salles Ferreira a mobilizar um grande número de milícias angolanas, comerciantes, feirantes, degredados, sertanejos, para degolarem o Mbangala Mbumba de Kasanji, pensando que estivesse refugiado no Hiongo. O antigo chefe do presídio de Kasanji solicitava o apoio a Salles Ferreira para ir ao encontro de Mbumba, que poderia avançar com uma força militar. NEVES, Antonio Rodrigues - Memória da expedição a Cassange comandada pelo Major graduado Francisco de Salles Ferreira em 1850. Lisboa: Silvana, 1854. P. 9.

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comércio a longa distância corrompia-se e, como consequência, fragilizava-se. O chefe da feira de Kasanji não dispunha de meios para controlar os comerciantes o que levou a que cada um se auto-defendesse. Silva Porto ao dirigir-se para o planalto central em 1840 transita por Kasanji e recebe autorização de entrada no Viye como novo membro da classe de sertanejos, que integraria aos 33 anos de idade, pelo comandante Salles Ferreira para o Viye, para mais tarde, passar por Kakonda. Kasanji passou a fazer parte de uma rota retraçada durante o mandato de Sousa Coutinho para que os capitães-mor, juízes e padres, estruturassem esses novos centros secundários da sociedade e cultura portuguesas.

A situação sócio-política e económica de Kasanji, nesse período de Salles Ferreira, eram bastante polémicas. Numa passagem do seu relatório de 1840 proferia críticas a um certo autor que tivera descrito a situação de Kasanji de forma completamente errada: (...) A guerra de Kasanji, artigo relativo a Kasanji n.º 2878 da

Revolução de Setembro de 22 de Outubro de 1851, em que muito se desfigura a verdade, Marimba Ngombe do Songo, vassalo de Portugal e depois revoltou-se era independente não pertencia a ordem dos Sobas do Songo, segundo ele por motivos de conflitos entre os vários grupos Ambundu, se intitulavam vassalos de Portugal. (...) existe uma grande contradição entre os feirantes de Kasanji ao perderem um capital de 100 contos de réis, por isso o comandante decidiu ir ao encontro deles para conciliar a guerra com o Jaga e evitar a mesma com Kembo, onde parecia que o comandante Salles Ferreira tinha bastante influência (...). Salles Ferreira refuta estas afirmações e

adianta que Mbondo e Marimba-Ngombe ficavam a meio caminho de distância daquela feira e para se deslocar a esses dois lugares não precisava de passar nesta. Todos os povos do Kembo o conheciam, não porque tivesse grande influência perante os mesmos mas apenas por informações recebidas uma vez que era o comandante da área. Por estas paragens, Silva Porto incrementou algumas diligências incumbidas a seus pombeiros de confiança, os makota, de Mpungu-Andongo, Kasanji, Kembo168. Desde longa data os encarregava pelos serviços de organização, manutenção e transporte de mercadorias

168 Os Makota são figuras sociais Kimbundu, que merecem uma atenção particular neste trabalho. Por isso, optámos por analisar etimologicamente a origem da palavra e procedemos a um trabalho de investigação etnolinguística assim como a recolha da tradição oral em ambas as regiões onde o seu impacto, no século XIX, se tornou um facto bastante fluído quer na sociedade kimbundu quer umbundu.

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pelo interior, e nesta feira para captura e compra de escravos, sobretudo domésticos. Dadas as especificidades, as origens e funções das personagens makota, dedicaremos uma análise numa parte do nosso trabalho.

O comandante Salles Ferreira dirigia a circunscrição de Mpungu-Andongo, agregada ao Viye e os sertanejos do Viye tentavam a todo o custo forçá-lo a criar uma força militar para o Viye, que em 1840, eram cerca de 14 sertanejos com Guilherme José Gonçalves e Silva Porto, na liderança169. Eles pretendiam criar um quartel militar guarnecido de milícias para desapropriarem as entidades políticas do Mbalundu e de Viye. Mostravam-se preocupados em estabelecer um elo de ligação com a estrutura política colonial organizada para servir a sua rede comercial, no Viye. Mas era necessário a autorização da Metrópole para a constituição dessa força militar a partir de Kasanji. Nesta senda, Salles Ferreira, na qualidade de comandante dessa jurisdição, apresentou ao conselho ultramarino uma proposta a ser aplicada no Viyé, mostrando os bons resultados já conseguidos no Kasanji. Contudo, reconhecia que esta era uma forma de expulsar a antiga rivalidade “entre o Bihés e bailundos, que são rivais irreconciliáveis”170. Dividir as populações, foi desde sempre, a táctica utilizada pelos comerciantes, sertanejos, governantes, portugueses, para melhor reinarem, provocando convulsões internas nesses Estados.

Tal como Silva Porto menciona, o seu percurso A minha peregrinação por estas

paragens data de 1840, tendo partido da cidade de Luanda; porém em 1841 dirigindo- me para o interior de Angola, tomando as duas margens do grande rio, Muxima, Massangano, Dondo, a feira Kasanji, Pungu-Andongo, Mussende, Viye, Kwitu. No

mesmo ano, Silva Porto atinge finalmente o Viye. D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho (1764-1772) valorizou a determinante forma de realizar o comércio a longa distância, como meio de fortalecer o iluminismo nas relações com o sertão, com o estabelecimento e a aproximação entre os povos africanos, sertanejos europeus, ligados à religião, civilização e indústria. Permitiu o alargamento das autorizações e guias de

169 A situação sócio-política e económica de Kasanji nesse período de Salles Ferreira são bastante conturbadas. As milícias eram reduzidas e o recrutamento local interligava-se com os comerciantes de Ambaka e as populações locais. NEVES, Antonio Rodrigues - Memória da expedição a Cassange comandada pelo Major graduado Francisco de Salles Ferreira em 1850. Lisboa: Silvana, 1854. P. 9-81. 170 Arquivo Histórico Ultramarino, A-S 2, Cx. 2, doc. 122. Cartas sobre o interior da Província de Angola por Salles Ferreira.

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viajem para o interior, para “brancos”, “mestiços”, “negros”, que deveriam ser controlados regularmente171. As feiras e presídios foram reactivados, procurando-se demarcar um limite de influência para que os seus actuantes pudessem usufruir dos benefícios comerciais e militares através das redes de comunicação entre o Kwanza- Kasanji-Kwangu, isto é, no vasto fluvial do Kwanza, delimitando as terras de Mbaka, uma região do Ndongo na qual o Mbangala kalanda tinha o seu kilombo. Segundo Adriano Parreira atravessa o rio Lukala, faz fronteira com Hary, nos povos de Keringa e Acila172. Foi um valioso mercado e entreposto de escravos.

Jill Dias no seu texto sobre os ambaquistas fornece-nos dados que elucidam melhor, ao elaborar um mapa da localização geográfica desses povos, em contacto com a materialidade das vidas, estatutos e etnicidades em movimento que se geraram no contexto das relações cristãs, essencialmente coloniais sobre a região173. Beatrix Heintze, num estudo aturado, caracteriza as diversas áreas abrangentes aos ambakistas do sertão174. A antiga povoação de Viye [Bié] foi promovida a capitania-mor, criada por D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho com o topónimo de Amarante, em 1769, com o propósito de ali reunir desertores, vagos sem lei (…)175. O decreto legislativo de 24 de Janeiro de 1891 institucionaliza a capitania-Mor e é elevada à categoria de vila com o mesmo nome de Amarante. A portaria de 15 de Janeiro de 1904 cria o concelho do [Bié] com sede em Amarante. A 31 de Agosto de 1925, é criado o distrito do [Bié] que passa a depender Moxiko e Kwandu-Kuvangu, e na mesma data a vila do [Bié] é elevada à categoria de cidade de 3ª classe, com sede em Silva Porto. O primeiro governador foi Góis Pinto Capitão. Nesse período, um dos projectos do governo colonial era afastar do litoral os degredados que atracavam a fortaleza de Luanda;

171 COUTINHO, Francisco Inocêncio de Sousa - Memórias do reino de Angola e suas conquistas, escritas em Lisboa nos anos de 1773 e 1775. Arquivos de Angola. Vol. 4, n.º 49 (1939) p. 173-209. SANTOS, Maria, Emília Madeira - Nos caminhos de África: serventia e posse. Lisboa: I.I.C.T., 1999. P. 436. 172 PARREIRA, Adriano - Dicionário glossográfico e toponímico da documentação sobre Angola (Séc. XV-XVIII). Lisboa: Estampa, 1990.

173 DIAS, Jill R. - Estereótipos e realidades sociais: quem eram os Ambaquistas? In Construindo o passado angolano: as fontes e a sua interpretacao. Actas do II seminario internacional sobre a história de Angola. [S.l.]: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000. P. 597-624.

174 HEINTZE, Beatrix - Pioneiros africanos: caravanas de carregadores na África Centro-Ocidental (entre 1850 e 1890). Lisboa: Caminho, 2004.

175 Portugal. Agência Geral das Colónias; FELNER, Alfredo de Albuquerque (ed. lit.) - Angola: apontamentos sobre a colonização dos planaltos e litoral do sul de Angola. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1940.

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Ocupar o Moxiko, desde o Alto Kwanza até as nascentes do Zambeze e depois as do Kabombo descendo daí a Barotse-lândia até aos rápidos de Katima176. A circunscrição de Viye será privilegiada ao acolhimento da emigração Luso-brasileira como centro de expansão comercial para Lunda, Katanga, Luvale (Kazombo), no Leste; Kasanji, Mpungu a Ndongo e Dondo (centro); Kakonda, Katumbela e S. Filipe de Bengela para Oeste. Entre 1838-1840 esta cidade encontrava-se ainda bastante despovoada, havia 100 moradores, comerciantes registados apenas como residentes no Viye. Na década de

1840, eram seis brancos, os restantes, mestiços e negros que constituíam a maioria, eram originários do conselho colonial a norte do rio Kwanza; Mpungu-Andongo (Malanje), Mbaka, Ngulungu, Viyena177.

Esta “clã” foi fundada por um dos mais antigos e proeminente sertanejo do planalto central, Francisco José Coimbra, com quem Silva Porto se manteve ligado, não só pela sua condição de autarca, mas pela relação conciliatória com o poder local. Silva Porto encontrou neste, uma forte protecção e apoio que precisou para a sua recepção no Viye. Pouco depois, Francisco José Coimbra assume outra postura. O seu enraizamento na sociedade umbundu permitia-lhe cometer atrocidades de vária ordem178. O posicionamento de Coimbra desagradava à comunidade de sertanejos que começaram a dispersar-se em função das denúncias de Coimbra contra os seus companheiros às autoridades tradicionais. Mas Silva Porto não desiste do seu projecto inicial e permaneceu aliado à família Mattos.

Acoitado no seio desta abastada família Mattos, no Viye, alguns meses depois, Silva Porto, irá descer para a zona do atlântico sul, para Bengela na mesma caravana Mattos, pela rota do Viye-Bengela, passando pelo caminho do Mbalundu, Wambu,

Kilenge Kakonda, Katumbela, Bengela. Sob a orientação deste, tomaram este percurso

176 PÉLISSIER, René - História das campanhas de Angola: resistência e revoltas 1845-1941. Lisboa: Estampa, 1986.

177 SANTOS, Maria, Emília Madeira - Nos caminhos de África: serventia e posse. Lisboa: I.I.C.T., 1999. 178 Coimbra passou a ser um homem de má conduta social. Nesta época reinava na região uma onda de resistências africanas contra a invasão dos portugueses imigrantes do Brasil e degredados das prisões de Portugal. O Viye e Mbalundu transformaram-se em Estados de conversão de população esclavagista numa época em que as medidas contra o tráfico se iniciavam. Apesar dos apelos feitos a Bengela a situação mantinha-se. Os sertanejos encontravam-se desprovidos de qualquer força militar e os descendentes de portugueses encontravam-se diluídos entre o poder matrilocal e europeu, foram vendidos também como escravos. A má conduta de Coimbra levou à sua substituição de capitão-mor do Viye major e chefe.

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de Viye até Bengela a fim de integrar Silva Porto no sistema oficial da autarquia colonial portuguesa, cuja autoridade governamental tinha a sede distrital em Bengela. Nesta fase foi crescendo em Silva Porto a vontade irresistível de viajar, como descreve em certa altura no seu Diário voar, voar... queria ter asas para chegar a Bengela e ver

as cargas na Katumbela com os mbalundu179. Ao atingir a zona da Katumbela, Silva Porto descreve, com ansiedade, a situação climatérica do litoral Sul, Bengela, Aqui,

nestas paragens do littoral, o clima é desfavoravel aos europeus, já no interior não... é fresco, ameno, bomm...180. Depois de se ter organizado oficialmente na sede do distrito,

Bengela, conheceu outros comerciantes imigrantes do Brasil e de Portugal. Atentamente inicia-se na preparação para a vida de comerciante, com vários treinos nesta cidade, entre convívio com os seus confrades, alguns deles sertanejos aventureiros, adquire algumas remessas na casa comercial Bensaúde, com as parcas economias que fez da remuneração pelo trabalho na caravana Mattos.

A situação económica e social de Bengela, nesse período, era de grande movimento comercial. Com o desembarque em vários portos da costa ocidental de Angola, e Bengela de vários grupos de imigrantes oriundos de Portugal e Brasil, as autoridades coloniais aproveitaram incluírem-nos nos batalhões das companhias militares para ocuparem as colónias penais, localizadas a partir do noroeste até oriente de África Central e Austral. É nesse âmbito que, quer degredados quer aventureiros, são enviados para esses pontos estratégicos do interior. Em 1841, Silva Porto, acabado de chegar à cidade de S. Fillipe de Bengela, será integrado na mesma estratégia colonial da vaga de degredados e aventureiros. A sua missão seria agregar-se ao grupo de sertanejos do planalto e defender os interesses portugueses na região. O governador tinha por missão ceder mantimentos, uniformes e armas e orientações para dizimar as entidades e súbditos afins que pusessem obstáculos. Mas Silva Porto utilizou a estratégia de silenciar-se, submeter-se, e aliar-se com as chefias tradicionais.

179 PORTO, António Francisco Ferreira da Silva - Viagens e apontamentos de um portuense em África: diário [Manuscrito]. Vol. X.

180 Francisco José Coimbra foi um dos primeiros sertanejos portugueses instalados no centro e sobretudo no leste de Angola. Também podemos referir a hipótese de que Silva Porto teria sido atraído e integrado na caravana da família Conceição Mattos, seguindo viagem até ao Viye.

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Bengela é uma designação toponímica181. Ela provém, como tantas outras, de um quadro mais universal que é a história da expansão marítima portuguesa do século XV, o dito “século dos descobrimentos”. C’est précisement dans ce XVe siécle que le

petit Portugal – à cette époque moins de 2 millions d’habitants – se lance dans une aventure à laquelle sera comparée à l’explotatation sptiale de notre temps, les arabes sont les guides des portugais (...)182. É importante destacar a presença destes árabes no contexto da dinâmica histórico-social do século XIX. Depois de serem utilizados pelos navegadores portugueses, foram os aventureiros, comerciantes sertanejos e outros exploradores europeus em África que continuaram a utilizá-los como intérpretes, intermediários, guias e negociantes. A aparição deles em Bengela foi a partir da aventura na costa ocidental que vem confirmar o inquérito do padre Bontinck: Le

Portugal se risque dans la mer inconnue – la mer ténébreuse, et progressivement ses hardis navigateurs descendent les côtes de l’Afrique occidentale183. Referindo-se aos arabizados, nesta travessia, já incluía um mouro184. Em Bengela existia um grande número de arabizados da costa oriental, o caso de Tipo tipp, trazidos pelos portugueses, do Katanga e Ben Abib da Zâmbia. Um deles Ben Chombo virá a servir Silva Porto, mais tarde como seu encarregado de negócios para a costa oriental.

Nas primeiras décadas oitocentistas, Bengela185 tornou-se o segundo maior depósito de degredados e emigrantes foragidos. Nessa altura a capital de Angola,

181 São Fillipe de Bengela é a designação do século XVII-XIX, São Fillipe refere-se às ordens cristãs. Santo é um título honorífico derivado do latim Saint (são, límpido), é um nome de notáveis, por exemplo, Santo António do Zaire (Nzadi), São Paulo de Loanda, todos os reinos passariam a ter estas designações cristãs, desde o baptismo do primeiro rei do Kongo Nzinga Nkuwu, que recebeu o nome de Dom João I. Este baptismo consistia em colocar a mungwa, kudia, imposição do sal sobre a língua, considerado um rito capital. Apesar das estatísticas desta época merecerem algumas reservas, os dados dizem que metade da população recebeu o baptismo. Os santos canonizados tiveram grande influência sobre os “pagãos” africanos. As cidades que tiveram essas designações foram as mais evangelizadas, e estavam bem localizadas nos três estuários mais importantes da economia transatlântica do século XIX. BONTINCK, François - Derrota de Benguella para o sertão: critique d'authenticité. Bruxelles: Académie Royale des sciences d'outre-mer, [1977]. P. [279]-302. Extrait du Bulletin des séances. Vol. 23, n.º 3 (1977) 277-302. 182 BONTINCK, François - Un mausolée pour les Jaga. Cahiers d’Études Africaines. Vol. 20 (3), n.º 79 (1980), p. 387-389.

183 Idem.

184 Desde a conquista de Ceuta em 1415 e da vila de Ceuta no estreito de Gibraltar, os portugueses conheceram a existência dos povos e reinos africanos, além Saara, através dos contactos que mantiveram com os árabes dessa época. Segundo as ordens régias, desde a primeira evangelização em África ocidental em Mbanza-Kongo, no noroeste de Angola, no século XV.

185 No século XIX, Bengela foi a segunda capital de Angola em África ocidental. Ostentava uma economia transatlântica, pelo seu porto natural de Olopito, estuário de grande afluência dos vapores ou os “mpopolo” (corruptela de língua kimbundu sobre o toponímico vapor, e que se expandiu para outras áreas

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Loanda, a proeminente cidade abastecida pela zona periférica de Bengu e Kwanza, os seus estuários serviam de meio de suporte comercial para fortalecerem o tráfico transatlântico nos séculos XVII e XVIII, logo após a decadência do Kongo em 1598186. Nesta época, em diminuta escala, houve o afluxo de vapores europeus nos seus portos ao longo da costa, noroeste e oeste (Mbrize, Bengu, Ilha das Cabras, Ilha da N.ª Sr.ª do Cabo, Kakwaku, Cabo Lombo, Cabo Ledo, Mosul). No segundo quartel do século XIX, a rota começa a desviar-se com maior fluidez de vapores para Bengela que se tornou o segundo maior porto e a capital económica de Angola dessa época. Nesse período manteve uma forte ligação política e económica com o Brasil.

O tráfico transatlântico desencadeou-se em função de várias vagas de emigrantes luso-brasileiros que vão integrar o sistema mercantil entre Bengela e Rio de Janeiro. Nesse contexto, o surto de emigração individual à margem do governo português de camadas pobres ocorrerá nessa época em que Portugal atravessava uma crise económica e social, e se desmoronava o império luso-brasileiro. Foi também o momento em que Luanda preparava condições políticas para despachar todos os degredados depositados nos seus fortes, para o interior da África ocidental, nas áreas mais ou menos controladas de jurisdição portuguesa. Nesse contingente estará integrado Silva Porto, como pudemos constatar no ponto acima referido deste trabalho. Silva Porto familiarizou-se, progressivamente, com o meio Bengelense, e logo umbundu. No fim das negociações, e de lhe ser incumbida a missão referida no Viye, e com a sua legalização como agente português, passou a estar incluído nas estatísticas do plano de fomento da década 40 do