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II 3 A Ombala ya Vihele Centro da Gestão Interinstitucional

ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO DO PLANALTO CENTRAL E A SOCIEDADE UMBUNDU

AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS AFRICANAS NA SOCIEDADE UMBUNDU

III. II 3 A Ombala ya Vihele Centro da Gestão Interinstitucional

As formações políticas umbundu emergiram no contexto da sua evolução sócio- económica, política e jurídica. Entre o Estado de Viye e o Estado de Mbalundu, desencadeou-se uma relação estreita, definida no quadro do nosso trabalho por uma gestão interinstitucional, que servia para a interligação entre os referidos Estados. Essa relação era gerida através da ombala ya Vihele, aldeia que se localiza actualmente na província do Viye, no município do Cingwali, na comuna do Kutatu, na zona que delimita o Estado de Mbalundu e Wambu, e o Estado do Ndulu (Andulu) no Viye297. Esta localização é delimitada pelo rio Kutatu do Ngoya.

Os detentores da tradição oral afirmam que a ombala ya Vihele era um antigo Elombe do Estado do Mbalundu, para fins especiais, mas com autonomia política298.

Numa entrevista concedida pelo pastor da missão protestante Evangélica Congregacional em Angola (I.E.C.A.) de Cilume, no Wambu/Mbalundu, Afonso Júnior

297 Nesta área do Cingwãli, a actividade da estética, ornamentação e beleza feminina era uma especialidade exclusiva. A indumentária e adornos eram peculiares na área do Dondi, topónimo que foi designado para o tipo de tranças das mulheres do Planalto Central. Nessa altura, as mulheres solicitaram ao Soma Ngwãli autorização para erguer uma missão a fim de se compatibilizarem com os novos missionários recém-chegados, que imploravam a autorização desde o tempo de Sandres, como já mencionado neste trabalho. Esta é a origem da famosa missão do Dondi, a mãe de todas as missões protestantes no planalto. Entrevista concedida pelo Senhor Katalayo, 70 anos de idade, natural de Ndulu. 298 Possivelmente o Estado do Wambu partilhava esta gestão, uma vez que fazia parte das mesmas ascendências e partilhas sociais, mas as fontes da tradição oral não nos esclareceram sobre o assunto.

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Dumbo, afirmou que Ekwikwi II sempre orientou a ombala ya Vihele e que esta tinha uma função muito importante para a vida dos cidadãos ovimbundu. Tendo em conta o estatuto especial da ombala Vihele, a livre circulação de pessoas e bens só era autorizada quando estas reunissem os requisitos exigidos pela legislação dos dois Estados. Esses requisitos asseguravam a prevenção do tráfico ilícito de todo tipo de produtos locais e externos, assim como o uso da terra para os fins agrícolas e travessia dos rios. Essa situação justifica o duplo estatuto da localidade de Vihele: Vihele como ombala e Vihele como instituição política, financeira e jurídica.

Como instituição política, ombala ya Vihele marca a sua fundação com o Mbalundu de Ciliva; Katyavala I Nahulu e Ndalu, tendo sido consolidada cerca de 1650-60, com a fundação do Viye ya Kahanda; Civava e Ndalu, conforme rezam as fontes da tradição oral e a literatura etnográfica do século XIX, evidenciadas anteriormente. Nesse período anterior ao século XIX, esta área onde hoje se encontra localizada a ombala ya Vihele, designava-se Kalasola, toponímia atribuída pela população devido à existência de uma extensa nyala que predominava na área. Era liderada por um Soberano com o título político de Ndumba ya Mukwangu. É uma dinastia que se perpetua até à fase actual, com o Ndumba ya Kutatu. A evolução dos tempos marcou a organização social, que levou os dignitários dessas formações à necessidade de conciliarem ideias políticas, para estabelecerem uma harmonia social entre os grupos unidos por laços consanguíneos, conservando a sociedade secreta dos Cilulu e preservarem os ritos de Onjingongolo no Kutatu; organizarem as actividades comunitárias, da colecta, da caça, pesca e aperfeiçoarem as suas técnicas e a própria família que se ia alargando em clãs de linhagem conforme as origens demostram. Tudo se centrava em torno duma mesma área geopolítica.

A ombala ya Vihele tem um mito que sustenta a sua origem. Mereceu a nossa atenção o relato de um ancião da ombala Cihundo na área do actual município do Kacihungo/Wambu, no Cingwali. Transmitiu-nos que em tempos muito recuados da história do planalto central (...) um homem vinha de uma aldeia da área de Kangoti,

com os seus bois para pastar nas margens do rio Kutatu. Passou a ombala do kacinge, no Citembo, fez atravessar o gado, e não bateu a porta de entrada do elombe Vihele, continuou a sua caminhada, sempre em direcção a Kutatu, de repente encontrou uma

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enorme lagoa na sua frente, pensou que fosse o rio Kutatu, mais adiante outra lagoa; então entrou em pânico, tentou dar mais um passo e encontrou uma rocha enorme; deparado com a situação, à medida que tentasse dar um passo surgiam-lhe mais obstáculos. Então decidiu parar, e mesmo assim deparou-se com uma jibóia (omoma) que o conduziu pela boca até ao elombe de Vihele, onde foi colocado no Ekumbi e aí acabou por falecer após ter permanecido alguns dias (...). O ancião concluiu o relato

dizendo que a intenção do homem não foi só de pastar os bois, mas também de roubar o gado na aldeia de Atatu, para juntar ao seu.

Neste caso a narrativa apresenta uma versão mítica que nos remeteu para uma questão analítica tendo em consideração os dados constantes neste mito e a analogia estabelecida com as informações recolhidas no terreno. Parte-se do princípio que existia um memorandum de entendimento entre as aldeias, para o estabelecimento das relações de boa vizinhança entre os Estados, na realização das actividades agro-pastoris, da caça, da pesca e da colecta praticadas em comum e que se cingiam em acordos do

memorandum cuja circulação anuía de prévios avisos. O respeito das normas de

circulação consistia em solicitar autorização ao soberano para o pasto, ao se dirigir à aldeia Kutatu ou na travessia do rio. Ao analisarmos o mito de origem de oMbala ya Vihele, acima narrado, podemos afirmar o seguinte: Se o homem proveniente da aldeia vizinha do Kacinge, da mesma área na altura, transgrediu as normas do memorandum, teve uma repreensão dada pelo espírito maligno que actuou sobre ele. A serpente mística arrancou-o com as suas mandíbulas pelo pescoço e com a sua ira, levou-o para o Ekumbi de Vihele. Acredita-se aqui na existência do espírito maligno representado por omoma, jiboia (cilulu ya cingongolo ou ya ngolo) pela forma agressiva da actuação desse espírito mau que vitimou o homem da aldeia de Kacinge. Salientamos que essa grande área era composta pelas localidades das aldeias e olombala da área de Vihele, que se localizavam no território do Cingwali, onde, mais tarde, se instala a Vila administrativa de [Chinguar], Cingwali. A área possibilitava uma atracção das populações pelas suas potencialidades naturais. Foi a passagem obrigatória entre os Estados que a caracterizou, nos anos de 1800, como uma localidade de extrema importância do centro da gestão interinstitucional dos Estados do planalto central de Angola.

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