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I 1 A Origem Social e Cultural de Silva Porto

SILVA PORTO, O SEU MEIO E A SUA ÉPOCA

A GEO-CULTURA DO ITINERÁRIO DE SILVA PORTO

II. I 1 A Origem Social e Cultural de Silva Porto

António Francisco Ferreira da Silva, que se apelidou de “Silva Porto”, nasceu no seio de uma família modesta, no Norte de Portugal, na cidade do Porto a 24 de Agosto de 1817, na freguesia de S. Martinho de Cedoffeita. …A terra do meu berço, que nunca

olvidei…” como refere no seu Diário. Filho de Francisco Ferreira da Silva, natural da

freguesia de S. Cristóvão de Nogueira, Concelho de Cinfães, militar do exército “…meu

pai natural de cima do Douro, soldado que fez parte do regimento 18 de infantaria e condecorado com a medalha peninsular”130. Sua mãe, Ana da Costa, natural da freguesia de Soalhães, Concelho do Marco de Canaveses, prestava serviços de criada na rua da Banharia, na cidade do Porto. Esta cidade, no primeiro quartel do século XIX, apresentava-se com espaço e ambiente de grande ruralidade. A literatura topográfica da época confirma a existência de vastos espaços verdes dentro de um perímetro urbano. Nessa época havia uma contígua urbanização, assinalada por J. Oliveira, citado por Gaspar Pereira, que começou a alargar-se com espaços ocupados por quintais, campos, casais, matas e quintas131.

Entre 1817-1829, período em que António Francisco Ferreira da Silva “Silva Porto” habitou na freguesia de Cedofeita, existiam pelo menos 11 quintas: A do Pinheiro, a da Baronesa de Sanhome, a de Santo Ovídio, a do Visconde da Beira a mais importante da cidade, seguida da do Visconde de Vieiros nas Águas Férreas, a de Ribeiro Braga na Praça Coronel Pacheco, a do Priorado, a Amarela no Carvalhido e a dos Tortulhos132. António Francisco Ferreira da Silva, na sua infância, frequentava essas

130 PORTO, António Francisco Ferreira da Silva - Viagens e apontamentos de um portuense em África: diário [Manuscrito]. Vol. VI, p. 48. António Francisco Ferreira da Silva, que mais tarde veio a acrescentar o cognome “Porto”, transcrevia para o seu Diário documentação oficial, familiar, correspondência, inseria fotos, decalcava quadros, listagens, e por vezes alterava alguns textos: “Vi a luz do dia no dia 24 de Agosto de 1817, baptizado na collegiada de S. Martinho de Cedoffeita”. Transcrevemos alguns dados biográficos da família de António da Silva, que nos confirmam a fidelidade, conforme constam no seu assento de nascimento solicitado por nós na cidade do Porto, actual freguesia de Cedofeita, cujo pároco do seu baptismo foi Manuel Francisco.

131 PEREIRA, Gaspar Martins - A questão urbana do Porto no século XIX. Porto: Afrontamento, 1986. 132 Idem, p. 254. PEREIRA, Gaspar Martins - A população da Cedofeita em meados do século XIX. Revista da Faculdade de Letras: História. II série, vol. 5 (1988) p. 253-298. O texto constitui um dos

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quintas onde se desenvolviam muitas actividades agrícolas ligadas às populações da periferia, da qual faziam parte os seus familiares. António Francisco Ferreira da Silva, desde muito cedo, iniciou-se nestas actividades, sobretudo nos pequenos trabalhos da lavoura e da colheita da fruta, nas vindimas, agregado ao seu meio social.

Para além destas actividades agrícolas no meio urbano, a cidade do Porto, no século XIX, registava um intenso movimento comercial, avaliado pelo volume de lojas comerciais, estalagens e casas de pasto. Entre vários grupos sociais existiam diferenças assinaláveis, no contexto urbano da grande zona de Cedofeita e da zona da Boavista, zonas preferidas pela aristocracia mercantil e pelo alto funcionalismo. Apesar de existir um número de criados, empregadas domésticas a residirem nos confins dos sobrados desta área nobre do Porto, as outras áreas, assinaladas por Gaspar Martins Pereira, no século XIX, eram ocupadas por elementos das camadas mais pobres. A população de Cedofeita estava adstrita ao Porto, que era uma cidade amuralhada concentrada entre a actual Praça de D. Pedro e o Rio Douro.

A mãe de António Francisco Ferreira da Silva, como referido, prestava serviços de criada na rua da Banharia, cujo traçado urbano subsiste hoje na cidade do Porto. Nas primeiras décadas do século XIX, António Francisco Ferreira da Silva em idade pré- escolar, acompanhava sua mãe nos serviços domésticos. No século XIX, surgiu uma dinastia de violeiros e ferreiros onde, provavelmente, alguns familiares de António Francisco Ferreira da Silva estiveram empregados. Esta tradição viria a terminar muitos anos depois. Em 1937 ainda sobrevivia o último António Ferreira, discípulo do último Sanhudo, que fornecia os barraqueiros das feiras e romarias. Esta zona é mencionada pelo infantil, quando se refere ao caminho percorrido diariamente para a escola, na residência do Senhor Joaquim na rua Chã. Passava obrigatoriamente pela casa dos violeiros, que muito admirava. A relação familiar de António Francisco Ferreira da Silva viria a desestabilizar-se quando atingiu os 8 anos de idade. Como sequela de uma divergência conjugal, os seus pais separaram-se numa etapa em que a criança frequentava o ensino primário. Não concluiu o ensino primário, dizia no seu Diário:

capítulos da dissertação de Mestrado em História Moderna e Contemporânea intitulada: Estruturas familiares na cidade do Porto em meados do século XIX – a freguesia de Cedofeita, apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

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…Nós não passamos das primeiras letras…133. A partir dessa época, fica sob a tutela do seu progenitor na sequência de uma decisão judicial, passando a viver com o pai. Uma tia paterna de António Francisco Ferreira da Silva tentou auxiliar a família, sem incorrer em grandes riscos na sua actividade, empregando o sobrinho como caixeiro do seu estabelecimento comercial na mesma Rua Chã, onde este se manteve a trabalhar até aos 12 anos de idade134.

António Francisco Ferreira da Silva, na sua infância, percorria a zona da Ribeira e da Foz do Douro, para além da Boavista, que era a sua área de transição. Este trajecto passou a ser um acto de distracção para o adolescente, apreciava o movimento dos veleiros, o embarque dos passageiros atados às suas bagagens (uma maleta de ferro), as cargas e descargas de mercadorias provenientes de vários pontos da Europa e de África. Retendo tudo quanto via e apreciava, evoluiu no seu consciente a ideia de viajar e começou a planificar a sua infiltração nesse grande movimento e emigrar para o Brasil.

O processo de emigração portuguesa tendeu a impor-se e a dar origem a valores e regras de comportamento relacionadas com a visão metropolitana do sistema colonial, que uma parte ou a totalidade da sociedade portuguesa procura ainda conservar e transmitir.Essa transmissão é feita através de uma ideologia própria, pela relação que a sociedade portuguesa ainda mantém com as múltiplas vivências e, acima de tudo, com a visão social do “Outro” em relação à sua identidade de origem135. Uma comunidade de

133 A 15 de Janeiro de 1885, Silva Porto teve necessidade de viajar para Portugal para uma segunda intervenção cirúrgica oftalmológica. Após a cirurgia planeou visitar o Porto, sua terra natal. Como prova da sua origem portuguesa, portuense cita: “Vou ver o Porto! Tomei a resolução de escrever a minha família que cedo teria o prazer de os abraçar, de visitar a terra onde nasci, e visitar os meus compatriotas. Oh! Vou ver o Porto a terra dos bravos!! A terra querida dos meus sonhos de infância!!!” Mas o seu estado convalescente frágil e delicado não lhe possibilitou realizar esse desejo. Limitou-se a endereçar correspondência à família justificando a sua ausência e prometendo cumprir a promessa em outra oportunidade, não muito distante daquela data.

134 Silva Porto é recolhido por uma tia, de perfil dócil, detentora de um capital aceitável na época. Foi ela quem iniciou o sobrinho na actividade de comércio de manufacturas. No seu Diário António Francisco Ferreira da Silva não menciona o nome da tia, simplesmente diz ser irmã de seu pai. Contrariamente ao carácter de sua mãe Ana Maria, que descreve como pessoa muito ríspida, acaba por se responsabilizar por Emília Amália de Azevedo, irmã a seguir a António Francisco Ferreira da Silva, a única mencionada no seu Diário.

135 VALENTIM, Alexandre; DIAS, Jill (Coord.). - O império africano: 1825 -1890. Vol. 9. MARQUES, A. H. de Oliveira e Joel SERRÃO (Dir.) - Nova história da Expansão Portuguesa. Lisboa: Estampa, 1998. P. 30. O autor refere-se ao período final da monarquia. Apesar desta análise não se reportar ao período em que Silva Porto emigrou para Angola, torna-se pertinente por ser do período da última fase da sua vida em Angola, 1890, altura da viragem republicana, adaptada à antiga política de governação entre as colónias e a Mãe-Pátria, como Oliveira Marques e Joel Serrão intitulam. A escassez de trabalhos

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emigrantes portuenses, no caso de Silva Porto, vai-se empolgando entre a adversidade da sociedade brasileira e a expectativa de uma nova sociedade africana a enfrentar.