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6. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

6.3. A desconsideração no Direito estrangeiro

6.3.1. Bélgica

Nos termos do artigo 2o do Código Societário da Bélgica, as sociedades de

responsabilidade limitada têm personalidade jurídica diversa da de seus proprietários. Nesse sentido, os artigos 210 e 438 desse mesmo Código preveem que os proprietários da sociedade não podem ser responsabilizados pelos débitos dessa sociedade além do valor de sua participação no capital social da sociedade. Da mesma forma, o artigo 61 do Código Societários determina que os diretores das pessoas jurídicas não são pessoalmente responsáveis pelas dívidas da sociedade.

A exemplo do que ocorre na maioria dos países, não há, na Bélgica, normas gerais que prevejam os requisitos para aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido, os casos mais recorrentes em que se discute a possibilidade de afastamento da personalidade jurídica se referem à extensão dos efeitos da falência de uma sociedade empresária. Segundo a jurisprudência belga, os efeitos da falência de uma pessoa jurídica podem ser estendidos ao seu proprietário, por meio da desconsideração da personalidade jurídica, quando a pessoa jurídica é controlada por esse proprietário, que a dirige de forma a satisfazer seus interesses particulares, não havendo autonomia ou independência da sociedade com relação ao seu proprietário. A jurisprudência belga tem concedido a desconsideração da personalidade jurídica nos casos em que se considera que a pessoa jurídica foi utilizada como um “espantalho”, que atuava apenas em benefício de seu

proprietário, como se tivesse apenas emprestado seu nome a esse proprietário para que desempenhasse atividades em seu exclusivo e particular interesse (“naamlening” ou “prête-nom”), No caso dos proprietários pessoas físicas, no entanto, os efeitos da falência apenas podem ser estendidos quando o proprietário for comerciante, uma vez que o artigo 2º da Lei de Falências da Bélgica prevê expressamente que, exceção feita aos comerciantes, pessoas físicas não estão sujeitas à decretação de falência.

Não apenas nos casos de falência, mas em qualquer hipótese em que se discuta a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, a jurisprudência belga entende que a desconsideração apenas é cabível nos casos em que ficar evidenciado um consistente abuso da personalidade jurídica. Para esse fim, considera-se que o abuso de personalidade fica caracterizado quando houver confusão entre os patrimônios e atividades da pessoa jurídica e de seus proprietários, de tal modo que a pessoa jurídica tenha sido utilizada para acobertar o fato de que quem está atuando, de fato, é o proprietário. Como extensão disso, os Tribunais têm entendido que os proprietários não podem se valer dos benefícios da separação patrimonial quando eles próprios não respeitam tal separação e autonomia da pessoa jurídica.49

A legislação belga prevê, ainda, hipóteses de responsabilização direta dos proprietários por atos formalmente atribuíveis à sociedade, a exemplo do que preveem o artigo 117 da Lei nº 6.404, de 15.12.1976 (“Lei das Sociedades por Ações”) e o artigo 1.080 do Código Civil na legislação brasileira, por exemplo.

Nos termos dos artigos 229, V, e 456, IV, do Código Societário da Bélgica,

os sócios fundadores de uma sociedade de responsabilidade limitada podem ser pessoalmente responsabilizados pelos débitos dessa sociedade caso essa tenha sua falência requerida dentro de três anos a contar de sua constituição e desde que o capital social fosse manifestamente insuficiente para atingir o fim a que a sociedade se propunha.

No que se refere especificamente às sociedades por ações, o artigo 646 do Código Societário estabelece que, na eventualidade de um único acionista deter todas as ações de uma sociedade e essa situação não for remediada dentro do período de um ano, esse acionista responde solidariamente pelos débitos da sociedade até que um novo acionista seja admitido na sociedade, ou até que essa sociedade seja convertida em uma sociedade limitada que não comercialize ações na bolsa de valores.

Com relação à responsabilidade dos administradores, os artigos 264 e 529 do Código Societário preveem a responsabilização solidária dos administradores caso fique comprovado que tais administradores obtiveram ganho financeiro injustificado com determinado negócio jurídico, em detrimento da própria sociedade. Ainda, o artigo 528 do Código Societário encampa a teoria ultra vires, ao responsabilizar o administrador por danos causados a terceiros quando atuado com excesso de poder ou em afronta ao contrato social. Os administradores também podem ser responsabilizados em caso de falência da sociedade caso fique evidenciado que agiram com culpa grave ou dolo, de modo a contribuir para a falência da sociedade empresária, em previsão que muito se assemelha ao conceito de “má administração” adotado no artigo 28, caput, do Código de Defesa do Consumidor brasileiro (artigos 265 e 530 do Código Societário da Bélgica). De acordo com a jurisprudência belga, a comprovação da culpa grave ou dolo

depende da produção de provas de que os atos praticados pelo administrador não teriam, sob qualquer circunstância, sido praticados por um administrador razoavelmente prudente.

Por fim, os artigos 332 e 633 do Código Societário belga determinam que a diretoria da sociedade convoque uma assembleia extraordinária de sócios caso o patrimônio da sociedade seja reduzido a menos de 50% do valor de seus ações e uma segunda assembleia extraordinária caso esse patrimônio seja reduzido a menos de 25% do valor de suas ações. Caso a diretoria não se desincumba de tais obrigações, os diretores podem ser pessoalmente responsabilizados por todas as novas obrigações contraídas pela sociedade a partir da data em que a assembleia extraordinária deveria ter sido convocada.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 68-71)