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MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO

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Academic year: 2019

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PUC/SP

Pedro Paulo Barradas Barata

A Desconsideração da Personalidade Jurídica nas

Relações de Consumo

MESTRADO EM DIREITO

(2)

PUC/SP

Pedro Paulo Barradas Barata

A Desconsideração da Personalidade Jurídica nas

Relações de Consumo

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Gomes Sodré.

(3)

Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

(4)

RESUMO

A escolha do objeto deste estudo se deveu à grande controvérsia que o tema da desconsideração da personalidade jurídica desperta no âmbito das relações de consumo. A doutrina vem adotando posições antagônicas com relação ao tema, sendo que parte dos doutrinadores defende que o Código de Defesa do Consumidor teria revogado a autonomia patrimonial da pessoa jurídica nas relações de consumo. Sendo a técnica da separação patrimonial e a limitação de responsabilidade das sociedades empresárias dois princípios aparentemente fundamentais do sistema capitalista, é inegável a importância de que se reveste o tema. Este estudo pretende propor uma interpretação do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor que concilie tais princípios com a filosofia do Código, por meio de uma interpretação sistemática e histórica da norma. Para tanto, foi analisada a origem histórica da limitação de responsabilidade das pessoas jurídicas, sua evolução no Direito norte-americano e no Direito inglês. Ainda, analisou-se o tratamento que a desconsideração da personalidade jurídica recebe no Direito estrangeiro, sua origem histórica e disciplina atual no Direito Brasileiro.

(5)

ABSTRACT

This work comes in response to the great controversy revolving around the applicability of the disregard doctrine to consumer relations. Legal scholars have long wrangled over this issue, some of whom advocate that the Brazilian Consumer Protection Code ended up stripping legal entities of their right to separateness of assets when it comes to consumer relations. As asset separateness and the limitation on liability of business companies are held to be two of the major pillars of the capitalist system, the relevance of this issue is unquestionable. This study thus proposes an interpretation of article 28 of the Brazilian Consumer Protection Code which conciliates these principles and the philosophical tenets of said Code, by offering a systematic and historical interpretation of such rule. To that end, this work will deal with the historical origins of the limitation on liability of legal entities, and its evolution in the US and UK legal systems. Further, this work will analyze the treatment accorded to the disregard doctrine in foreign laws, its background and the current rules applying to this doctrine under Brazilian law.

(6)

1. INTRODUÇÃO ...7

2. BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O INSTITUTO DA PESSOA JURÍDICA ... 12

3. A EVOLUÇÃO DA FIGURA DO EMPRESÁRIO NA SOCIEDADE DE CONSUMO ... 22

4. A OPÇÃO PELA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE ... 32

5. ORIGEM HISTÓRICA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ... 50

6. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ... 56

6.1. Conceito ... 56

6.2. Desconsideração e vício dos atos jurídicos ... 63

6.3. A desconsideração no Direito estrangeiro ... 67

6.3.1. Bélgica ... 67

6.3.2. Estados Unidos da América ... 70

6.3.3. França ... 79

6.3.4. Holanda ... 81

6.3.5. Inglaterra ... 83

6.4. A desconsideração no Brasil ... 86

7. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO ... 99

7.1. Conceito de relação de consumo ... 99

7.2. O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor ... 107

7.2.1. Origem histórica do dispositivo ... 108

7.2.2. Hipóteses de efetiva desconsideração da personalidade jurídica – artigo 28, caput, do Código de Defesa do Consumidor ... 116

7.2.3. O veto presidencial ao § 1º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor ... 131

7.2.4. A polêmica suscitada pelo § 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor ... 134

7.2.5. Responsabilidade do grupo econômico ... 156

(7)

8. CONCLUSÃO ... 180

(8)

1. INTRODUÇÃO

O Direito como ferramenta de pacificação social sempre extraiu da

sociedade determinadas condutas e comportamentos para, após classificá-los

como prejudiciais ou favoráveis, regulamentar os seus reflexos jurídicos. Norberto

Bobbio trata das funções repressiva e promocional do Direito, assim referindo-se

àquelas condutas tidas como saudáveis pelo ordenamento jurídico e àquelas cuja

reiteração não interessa à sociedade.

Como é evidente, ao identificar determinado comportamento percebido

como saudável e benéfico ao corpo social, cabe ao Direito adotar posturas e

normas que estimulem tal comportamento, de modo a propiciar o crescimento e o

enriquecimento dos indivíduos que integram a comunidade. As condutas

identificadas como prejudiciais, por sua vez, devem ser objeto de repressão e

sanção, de forma a desestimular a sua reiteração e, com isso, obter a desejada

pacificação do tecido social. No desempenho dessas duas funções, o Direito

conta com uma série de ferramentas, mais ou menos explícitas. Ao estimular

determinada conduta, o Direito pode oferecer prêmios e recompensas àqueles

que a desempenham. Exemplos típicos são os assim denominados incentivos

fiscais, concedidos a pessoas que desempenhem determinada atividade vista

como importante pelo Estado, ou mesmo que o auxilie na consecução de seus

objetivos.

Outra forma de estimular atividades e condutas é a própria regulamentação

(9)

tornem atraentes para os indivíduos. A criação de ficções e instituições jurídicas

se mostra instrumento de grande valia no fomento de comportamentos desejados

pelo Direito. Nesse contexto, o instituto da personalidade jurídica é, sem dúvida,

um dos que mais contribuiu para o desenvolvimento da sociedade de consumo.

Por meio desse instituto, o Direito possibilita que indivíduos reúnam esforços e

recursos na execução de atividades que, de outra forma, não estariam ao seu

alcance, ou mesmo representariam um risco de ruína tão grande, que afastariam

qualquer investidor consciente.

Como é evidente e pode ser percebido nos mais diversos ramos de

atividade, existem determinados empreendimentos que, seja em virtude de seu

vulto econômico, seja em virtude de sua complexidade de implementação,

dificilmente seriam assumidos individualmente por qualquer sujeito. Como

exemplo, cite-se a construção de uma usina hidrelétrica, ou de uma linha de

metrô, empreendimentos milionários que demandam não apenas um grande

envolvimento de seu executor, mas também o dispêndio de enormes quantias em

dinheiro. Caso o Direito não admitisse a conjugação de esforços e recursos no

desempenho de tais atividades, dificilmente um único indivíduo disporia de

recursos para implementá-las.

Da mesma forma, atividades não necessariamente tão custosas, mas

possivelmente de maior prazo de execução, dificilmente seriam assumidas por

quem quer que seja. Imagine-se a hipótese de determinada atividade que,

estima-se, levaria cerca de oitenta anos para ser concluída. Dificilmente um único

indivíduo poderia assumir tal atividade e conduzi-la de forma satisfatória no

período de sua vida. E mesmo em casos mais banais, na hipótese de o Direito

(10)

atividades econômicas certamente seria mais rara e de difícil iniciativa.

Assim é que, ciente da importância da geração de riquezas, produção e

distribuição de bens e serviços, o Direito criou o instituto da personalidade

jurídica, por meio do qual confere personalidade a determinados entes abstratos

que façam jus a tal condição. Desde cedo, a personalidade jurídica conferida a

sociedades empresárias tornou possível a diferenciação do patrimônio econômico

e jurídico dos indivíduos que integram sociedades do patrimônio das próprias

sociedades. Vale dizer, o instituto da personalidade jurídica permite a clara

separação entre os direitos e as obrigações de uma pessoa jurídica daqueles

direitos e obrigações das pessoas físicas que a compõem. Dessa forma, o Direito

sinaliza aos componentes do corpo social que há um estímulo jurídico à criação

de sociedades que se dediquem àquelas atividades percebidas como saudáveis e

relevantes para determinada comunidade.

O instituto da personalidade jurídica permite a separação da figura da

sociedade da de seus sócios e, mais, pode criar uma clara divisão entre os

patrimônios de cada qual. Naqueles casos em que a existência de personalidade

jurídica afasta a responsabilidade pessoal dos sócios pelas dívidas da sociedade,

o Direito confere segurança às pessoas físicas no sentido de que, respeitadas as

regras do jogo, seu patrimônio pessoal não seja sacrificado em caso de insucesso

dos negócios da sociedade da qual participem. Da mesma forma, ao separar os

patrimônios de sócios e sociedade, o instituto da personalidade jurídica permite a

reunião de esforços e recursos em torno de uma nova entidade, que não se

confunde com nenhum dos sócios. A essa nova entidade será dado o dever de

perseguir suas finalidades, os meios para fazê-lo e a responsabilidade por suas

(11)

Nesse cenário, o instituto da personalidade jurídica sempre recebeu

tratamento privilegiado do Direito, sendo reconhecido como uma ferramenta de

grande valia para o desenvolvimento econômico da sociedade. Dificilmente se

poderia imaginar a sociedade de consumo contemporânea, não fosse a existência

do referido instituto.

Não obstante, e como ocorre com qualquer ferramenta colocada à

disposição do homem, a personalidade jurídica pode ser utilizada de forma

diversa daquela para a qual foi concebida, servindo de meio para a prática de

atos não prestigiados pelo Direito. Com o tempo, o Direito passou a deparar com

circunstâncias nas quais a personalidade jurídica não mais representava um

estímulo à consecução de atividades proveitosas à sociedade, mas sim como

valioso instrumento legitimador do desrespeito aos direitos de terceiros. Nessas

circunstâncias, o Direito passou a admitir a desconsideração da personalidade

jurídica naqueles casos em que a sua utilização se mostrava contrária à finalidade

para a qual foi criada.

Atualmente, muito embora não se possa questionar a existência e prestígio

à personalidade jurídica, o ordenamento jurídico brasileiro prevê uma série de

circunstâncias em que o instituto pode ser afastado, de forma a autorizar a

confusão de direitos e obrigações das pessoas dos sócios com aqueles da

sociedade.

Especificamente no que se refere ao Código de Defesa do Consumidor, a

possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica recebeu tratamento

inovador e extremamente polêmico. Como se pretende demonstrar neste

(12)

que permite conclusões tanto no sentido de que o instituto da personalidade

jurídica foi prestigiado pela legislação consumerista, quanto no sentido de que o

Código de Defesa do Consumidor simplesmente colocou fim à autonomia

patrimonial da personalidade jurídica em sede de relações de consumo.

Este trabalho foi desenvolvido em duas partes diversas. A primeira delas,

de caráter notadamente descritivo, tem como objetivo estabelecer as premissas

básicas sobre as quais se assenta o ponto central da tese desenvolvida. Para

esse fim, do Capítulo 2 ao 6 apresentamos o conceito de pessoa jurídica, as

diferentes teorias que pretendem explicar a sua origem e natureza jurídica; a

evolução da figura do empresário, desde a sua origem até os caracteres que o

compõem na sociedade contemporânea; a opção pela limitação da

responsabilidade dos sócios das sociedades empresárias, sua origem e

fundamentação jurídica e econômica; e o nascimento e a evolução do próprio

instituto da desconsideração da personalidade jurídica, suas justificativas e a

forma como é tratado no Direito estrangeiro, em países de marcada experiência

na tutela dos direitos dos consumidores.

A segunda parte do trabalho, essa notadamente analítica, propõe-se a

examinar de forma detida os dispositivos legais que regulam a desconsideração

da personalidade jurídica nas relações de consumo, propondo uma interpretação

dessa norma que se mostre adequada à sua origem histórica e a uma

interpretação sistemática de seus diversos dispositivos, conciliando os diversos

(13)

2. BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O INSTITUTO DA PESSOA

JURÍDICA

Como é natural ao se tratar da desconsideração da personalidade jurídica,

é necessário traçar os contornos do próprio instituto da personalidade jurídica,

assim entendida como a capacidade de alguns entes de operar como sujeitos de

direitos. A doutrina civilista sempre discutiu com afinco a natureza jurídica da

pessoa jurídica, especialmente se tal instituto seria uma realidade de fato, apenas

refletida pelo Direito ou, pelo contrário, uma ficção absoluta, criada pelo Direito e

aceita pelos agentes sociais.

Conforme se extrai da doutrina, a expressão “pessoa jurídica” teria sido

utilizada originalmente por Savigny, o qual a conceituou de entidade a que a lei

empresta personalidade, de forma a permitir que contraia direitos e obrigações1.

Atente-se para a doutrina de Washington de Barros Monteiro com relação ao

conceito jurídico de “pessoa”:

“Na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral, suscetível de direitos e obrigações. Nesse sentido, pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito da relação jurídica. No direito moderno, todo ser humano é pessoa no sentido jurídico. Mas, além dos homens, são também dotadas de personalidade certas organizações ou coletividades, que tendem à consecução de fins comuns.”2

1FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de.

Desconsideração da personalidade jurídica:

análise à luz do Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 29.

2MONTEIRO, Washington de Barros.

Curso de direito civil. 41. ed. rev. e atual. São Paulo:

(14)

Desde o princípio, o uso da expressão “pessoa” para designar um grupo,

uma entidade abstrata que seria formada pela soma de indivíduos mas que não

se confundia com esses indivíduos, gerou certa perplexidade. A doutrina clássica

resistiu em identificar tal entidade ou organismo como uma “pessoa”, expressão

até então reservada pelo Direito aos seres humanos. A reação a esse

estranhamento foi o surgimento de uma série de teorias que tentavam explicar de

forma lógica e racional a opção do Direito de tratar como “pessoas” entidades

destituídas de vida natural ou vontade.

Não sendo o objetivo deste trabalho a análise aprofundada dessas teorias,

cumpre apenas destacar a existência de duas correntes principais de pensamento

que divergem quando à natureza da pessoa jurídica, podendo ser denominadas

genericamente “teoria da ficção” e “teoria da realidade”.

Segundo a teoria da ficção, a pessoa jurídica não tem existência real, no

plano dos fatos, sendo uma mera suposição, uma criação apreensível apenas na

inteligência. Essa teoria nasceu no Direito Canônico e teve como um de seus

maiores defensores o próprio Savigny. De acordo com essa teoria, apenas o

homem é sujeito de direitos no mundo fenomênico. Desse modo a pessoa jurídica

seria uma abstração, produto artificial criado pelo Direito para fomentar certas

atividades. Assim como o Direito pode subtrair a qualidade de sujeito de direitos

do próprio homem (como ocorreu durante a escravidão), também pode outorgar

direitos e a qualidade de sujeito de direitos a entes que não o homem, como é o

caso das pessoas jurídicas.

Conforme anota Washington de Barros Monteiro3, essa teoria encerra uma

(15)

contradição, uma vez que não explica a origem do próprio Estado. Se o Estado é

uma pessoa jurídica, e o Direito emana do Estado, tal teoria conduziria ao

paradoxo de que o Direito é produto de uma ficção criada pelo próprio Direito.

Ainda assim, como bem observa Marçal Justen Filho, essa teoria era coerente

com a filosofia de pensamento da época em que elaborada, orientada pelo

voluntarismo:

“Vale dizer, se o núcleo do direito subjetivo (e, por decorrência, do direito objetivo) residia na vontade, o único resultado cabível seria o de a pessoa jurídica não ser realmente um sujeito de direitos. E isso pela impossibilidade de localizar vontade senão no ser humano. Atribuir a condição de pessoa (na acepção de titular de direitos) a quem não possa ter vontade, como seria o caso das pessoas jurídicas, significaria um falseamento da realidade. A teoria da ficção é uma resposta coerente para o problema da pessoa jurídica, desde que uma das balizas do raciocínio seja uma filosofia voluntarista.”4

A teoria da realidade, por sua vez, defende que a pessoa jurídica existe no

mundo fático, pode ser percebida pelo homem no mundo fenomênico, e tal

existência é apenas reconhecida e regulamentada pelo Direito. Segundo essa

teoria, o ser humano não é a única “pessoa” que protagoniza atos no mundo

jurídico, sendo a pessoa jurídica, assim entendida como agrupamento de pessoas

e patrimônios dotado de uma vontade coletiva, diversa da de seus componentes,

uma realidade social.

Assim é que as manifestações desses agrupamentos poderiam ser

facilmente identificadas no mundo dos fatos, competindo ao Direito apenas e tão

somente reconhecer essa existência e regulamentar o exercício da personalidade,

assim como faz com os seres humanos. Naturalmente, a principal crítica feita a

4JUSTEN FILHO, Marçal.

Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. 1. ed.

(16)

essa teoria reside no fato de que os grupos criados pela soma de indivíduos não

têm vida própria, não têm existência física que possa ser sentida e reconhecida

no mundo fenomênico, e, como tal, não são dotados de “personalidade”,

característica própria dos seres humanos.

Para os críticos da teoria da realidade, essa teoria se equivoca no ponto

em que pretende equiparar de tal forma a pessoa jurídica à pessoa física, que

atribui vontade própria à pessoa jurídica, ainda que a vontade seja uma

característica inerente e exclusiva dos seres humanos.

Conforme será demonstrado neste trabalho, a evolução da figura do

empresário permite afirmar que, atualmente, há de fato a possibilidade de a

pessoa jurídica ser dotada de vontade própria, que difira da soma de vontades ou

da vontade individual de todos os seus sócios. Com a evolução do conceito de

empresário e a dissociação entre as figuras do administrador da sociedade

empresária e do capitalista, é possível falar-se em uma vontade da sociedade

empresária, diferente daquela dos seres humanos que a compõem.

De qualquer forma, o objetivo deste trabalho não é apontar qual seria a

melhor ou a mais completa teoria quanto à natureza da pessoa jurídica. Até

porque, segundo entendemos, tal questão representa pouca importância no que

concerne à desconsideração da personalidade jurídica, na medida em que os

pressupostos e consequências da desconsideração serão os mesmos,

independentemente de qual teoria se adote quanto à natureza da pessoa jurídica.

Não há teoria quanto à natureza da pessoa jurídica que afaste a possibilidade de

desconsideração da personalidade jurídica, assim como não há teoria que a

(17)

Seja qual for a teoria que se adote, fato é que a pessoa jurídica é uma

realidade em grande parte dos ordenamentos jurídicos ocidentais.

Especificamente no Direito brasileiro, pode-se dizer que o ordenamento jurídico

reconhece a existência de sujeitos de direito corpóreos, como as pessoas físicas

e o nascituro, e incorpóreos, como as pessoas jurídicas, a massa falida e o

espólio, por exemplo.

Como define Maria Helena Diniz, “a pessoa jurídica é a unidade de

pessoas naturais ou de patrimônios que visa à obtenção de certas finalidades,

reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações.”5

Nesse sentido, o artigo 45 do Código Civil é claro em reconhecer a

existência da pessoa jurídica, assim como o momento de seu “nascimento”:

“Artigo 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.”

Referido dispositivo permite afirmar que as pessoas jurídicas têm vida própria,

sua personalidade nasce com a inscrição do ato constitutivo da sociedade no

respectivo registro e deixa de existir com a sua extinção, seja voluntária, seja em

decorrência de sua falência. Da mesma forma, o artigo 46 do Código Civil prevê os

elementos indispensáveis às pessoas jurídicas de Direito Privado, quais sejam:

5DINIZ, Maria Helena.

(18)

“Artigo 46. O registro declarará:

I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;

II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;

III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;

IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;

V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;

VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.”

Ou seja, assim como as pessoas físicas, as pessoas jurídicas são

identificadas por um nome próprio, um domicílio, uma nacionalidade e um

número, que as identifica como contribuintes do Estado. Quando do registro, já

constam obrigatoriamente sua denominação, suas finalidades e sua sede, o

tempo de duração e o fundo social (quando aplicável), além da forma de

administração, a extensão da responsabilidade de seus membros e as condições

de extinção da pessoa jurídica. Cite-se a doutrina de Maria Helena Diniz a esse

respeito:

“A personalidade jurídica da sociedade data da inscrição de seus atos constitutivos no registro próprio.

Deveras, do assento dos atos constitutivos da sociedade simples, no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, e da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, surge a personificação societária e com ela advêm os efeitos jurídicos.”6

6DINIZ, Maria Helena.

Curso de direito civil brasileiro: direito de empresa. São Paulo: Saraiva,

(19)

A despeito de reconhecer que a Lei é expressa em prever que o

nascimento da pessoa jurídica ocorre com o seu registro na Junta Comercial,

assim como os méritos associados a essa concepção, Fábio Ulhoa Coelho tece

críticas à opção do legislador brasileiro nesse ponto, as quais não podem deixar

de ser mencionadas:

“Costuma-se afirmar que o início da personalização da sociedade empresária opera-se com o seu registro na Junta Comercial (cf., por todos, Ferreira, 1961, 3:196). Aliás, a própria legislação civil estabelece a formalidade como o ato responsável pela constituição da pessoa jurídica (CC, arts. 45 e 985). Em termos de segurança jurídica, não há de se negar que a sistemática é adequada, porque o registro torna pública a formação do novo sujeito de direito, possibilitando o controle dos demais agentes econômicos e do próprio estado quanto à existência e extensão das obrigações que o envolvem. Mas, deve-se registrar uma certa impropriedade conceitual e lógica nessa sistemática. A rigor, desde o momento em que os sócios passam a atuar em conjunto, na exploração da atividade econômica, isto é, desde o contrato,

ainda que verbal, de formação de sociedade, já de pode considerar existente a pessoa jurídica.”7

Conforme aponta Fábio Konder Comparato, a pessoa jurídica é constituída

de dois elementos essenciais, a finalidade e os meios para atingi-la. Este é o

entendimento do doutrinador quanto ao tratamento da pessoa jurídica no

ordenamento jurídico brasileiro:

“No mundo jurídico, enquanto o homem pode ser considerado apenas estaticamente – pois ele vale para o Direito pelo que é, em si e por si (o seu ser já é valer) – as chamadas pessoas jurídicas só podem ser consideradas dinamicamente, ou seja, pela função que exercem.”8

7COELHO, Fábio Ulhoa.

Curso de direito comercial: direito de empresa. 10. ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, p. 16-17.

8COMPARATO, Fábio Konder.

O poder de controle na sociedade anônima. 3. ed. Rio de Janeiro:

(20)

Da mesma forma, a desconsideração da personalidade jurídica apenas

poderia estar relacionada ao aspecto dinâmico da pessoa jurídica, e não à sua

constituição. A desconsideração, como será demonstrado ao longo deste

trabalho, não tem como consequência a extinção, o desfazimento da pessoa

jurídica. Não se preocupa com seus aspectos e requisitos estruturais, existenciais,

mas sim com o uso que é feito da pessoa jurídica. A pertinência entre sua

atuação e sua finalidade. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica

tem a finalidade única de transferir o centro de imputação das obrigações, da

pessoa jurídica para a pessoa de seus sócios ou diretores. De fazer com que,

afastado o véu da personalidade jurídica, permita-se aos credores da sociedade

buscar no patrimônio de seus proprietários e administradores a satisfação de seu

crédito.

E isso porque, assim como qualquer sujeito de direito, a pessoa jurídica

também tem seu patrimônio particular, o qual é objeto de defesa e

regulamentação pelo ordenamento jurídico. No momento de constituição da

sociedade, de nascimento da pessoa jurídica, os sócios que a compõem devem

subscrever parte do capital social, integralizando a compra das quotas

respectivas. Essa contribuição inicial constitui o capital social da pessoa jurídica e

é o ponto de partida para a formação de seu patrimônio. Assim como ocorre com

as pessoas físicas, o patrimônio das pessoas jurídicas não se limita aos seus

ativos, ou ao valor investido na pessoa jurídica, abrangendo também seus passivos,

suas dívidas e obrigações contraídas perante os sócios ou terceiros. Também como

ocorre com as pessoas físicas, são os ativos das pessoas jurídicas que respondem

por suas obrigações, que garantem a seus credores que aquela pessoa jurídica

(21)

Esse patrimônio, de propriedade exclusiva da pessoa jurídica, ainda que

tenha se originado do patrimônio individual de cada um de seus proprietários, já

não mais pertence à esfera de direitos desses proprietários. Isto é, mesmo que

parte do ativo da pessoa jurídica ainda seja decorrente daquela contribuição

inicial, realizada pelo proprietário quando do nascimento da pessoa jurídica, e não

proveniente dos lucros obtidos com sua atividade, essa parte não mais pertence

ao proprietário contribuinte. Ao efetuar o investimento na empresa, o proprietário

consente que aquela parte do seu patrimônio deixou definitivamente sua esfera

jurídica; foi substituída pelas quotas representativas da propriedade da pessoa

jurídica que nasceu. Confiram-se os comentários de Fábio Ulhoa Coelho a esse

respeito:

“O capital social representa, grosso modo, o montante de recursos

que os sócios disponibilizam para a constituição da sociedade. De fato, para existir e dar início às suas atividades, a pessoa jurídica necessita de dinheiro ou bens, que são providenciados pelos que a constituem. Não se confunde o capital social com o patrimônio social. Este último é o conjunto de bens e direitos de titularidade da sociedade (ou seja, tudo que é de sua propriedade). Note-se que, no exato momento da sua constituição, a sociedade tem em seu patrimônio apenas os recursos inicialmente fornecidos pelos sócios, mas, se o negócio que ela explora revelar-se frutífero, ocorrerá a ampliação desses recursos iniciais; caso contrário, a sociedade acabará perdendo uma parte ou a totalidade de tais recursos, e seu patrimônio será menor que o capital social – podendo vir a ocorrer, inclusive, a falência.

Em contrapartida à contribuição que o sócio dá ao capital social, é-lhe atribuída uma participação societária. Se a sociedade é limitada, essa participação se chama ‘quota’ (ou ‘cota’); se anônima, ‘ação’ (motivo pelo qual o sócio da S/A é chamado também acionista). A participação societária é bem integrante do

patrimônio de cada sócio, que pode aliená-la ou onerá-la, se atendidas determinadas condições. A quota ou ação não

pertencem à sociedade. Se o sócio possui uma dívida, o credor poderá, salvo em alguns casos específicos, executá-la sobre a participação societária que ele titulariza; já o credor da sociedade tem como garantia o patrimônio social, e nunca as partes representativas do capital social.”9

9COELHO, Fábio Ulhoa.

(22)

Uma vez regularmente constituída a pessoa jurídica, dotada de

personalidade jurídica e de patrimônio, os bens utilizados para formação desse

patrimônio já não mais pertencem aos sócios da pessoa jurídica, mas sim à

própria pessoa jurídica, independente e autônoma. Confira-se, uma vez mais, a

lição de Fábio Ulhoa Coelho:

“A companhia, para dar início à sua atividade econômica, necessita evidentemente de recursos, isto é, de máquinas, tecnologia, serviços, trabalho e outros meios indispensáveis à organização da empresa abrangida no objeto social. Cabe aos sócios prover tais recursos. Fazem-no transferindo, do seu patrimônio ao da pessoa jurídica, a propriedade de dinheiro, bens ou crédito, e recebendo, em troca, ações emitidas pela sociedade, em valor correspondente. Uma vez iniciada a atividade, pode ocorrer de a sociedade necessitar de mais recursos, e os acionistas, pela maioria com direito de voto dos reunidos em assembléia geral, entenderem que é o caso de ampliar a contribuição deles para o desenvolvimento da empresa. Mais dinheiro, bens ou créditos são, então, transferidos do patrimônio dos sócios para o da sociedade, em contrapartida ao recebimento de novas ações. Essas aportes são apropriados, na contabilidade da companhia, como capital social.”10

Como decorrência lógica, os credores da pessoa jurídica têm a garantia de

que o patrimônio da pessoa jurídica servirá para garantir o pagamento de suas

dívidas e o adimplemento de suas obrigações. Sabem também que, em regra, o

patrimônio dos sócios que a compõem não será destinado ao pagamento das

dívidas e obrigações da pessoa jurídica, não poderão ser perseguidos como

forma de satisfação das dívidas daquela pessoa jurídica.

10COELHO, Fábio Ulhoa.

(23)

3. A EVOLUÇÃO DA FIGURA DO EMPRESÁRIO NA SOCIEDADE

DE CONSUMO

A expressão “sociedade de consumo” não é, de qualquer forma, unívoca,

podendo ser abordada sob os mais diversos prismas e perspectivas. Para os fins

deste trabalho, no entanto, adotaremos a expressão como manifestação das

principais características do consumismo contemporâneo, como bem destaca

Marcelo Gomes Sodré:

“(...) Respondendo muito genericamente, e sem a precisão necessária, chamamos de sociedade de consumo aquela na qual, tendo fundamento em relações econômicas capitalistas, estão presentes, pelo menos, cinco externalidades: (i) produção em série de produtos, (ii) distribuição em massa de produtos e serviços, (iii) publicidade em grande escala no fornecimento dos mesmos, (iv) contratação de produtos e serviços via contrato de adesão e (v) oferecimento generalizado de crédito ao consumidor. Com certeza é somente após a Segunda Guerra Mundial que estes elementos estão plenamente presentes no Brasil.”11

Em que pese o fato de os autores divergirem quanto à origem histórica da

sociedade de consumo12, é do senso comum que as relações entre consumidores

e fornecedores sempre existiram nas sociedades humanas.

Foi a partir da Revolução Industrial, no entanto, que a sociedade começou

a caminhar rumo ao consumo de massa que hoje identificamos, com o

desenvolvimento da atividade econômica nos setores industrial, de transportes e

11SODRÉ, Marcelo Gomes.

Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. São Paulo:

Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 25.

12Para McKendrick, a sociedade de consumo teria surgido ainda no século XVIII, para Williams no

século XIX e para Mukerji no século XV (conf. MCCRAKEN, Grant. A produção do consumo moderno. In: ______. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e

(24)

financeiro. Atente-se para a doutrina de Nelson Melo de Moraes Rêgo:

“Consabido que com a Revolução Industrial, apoiada em relevantes invenções técnicas, deu ensejo à produção em série, à mecanização do processo produtivo e ao aumento considerável dos níveis de vida. Por sua vez, a Revolução Comercial, sedimentada em novos métodos de venda, na publicidade, no crédito e no recurso a intermediários propiciou que ao progresso da técnica se associasse o engenho dos distribuidores para o escoamento desses produtos. Ambas geraram a sociedade dita de consumo, caracterizada pela abundância de bens, a qual veio a desenvolver mecanismos a incrementar o consumo dos bens que produz ou dos mais variados serviços que foram sendo introduzidos ante às necessidades da modernidade. E não é só; vimos o crescimento da empresas, à massificação do consumo (até a ponto da ONU ter editado Resolução sobre o consumo sustentável, como forma de conscientização das nações e dos cidadãos, de adotar um consumo que seja sustentável e sem danos ambientais), à proliferação dos contratos standard, ao

surgimento de uma imensurável gama de produtos de complexidade técnica cada vez mais elevada, ao desenvolvimento das técnicas de marketing e de métodos agressivos de vendas a

‘invadir’ os lares por diversos meios publicitários como internet, telefonia móvel com tecnologia WAP (a permitir a navegação na internet e envio de SMS).”13

No século XIX, período no qual a Revolução Industrial expandiu-se pelo

mundo, as manifestações da vida econômica se assentavam principalmente em

dois institutos jurídicos, o da propriedade privada e o da liberdade de contratar.

Nesse contexto, é natural que sobressaísse a figura do empresário. De um lado,

era o detentor da propriedade dos meios de produção. De outro, aquele com

quem os demais indivíduos desejavam contratar, seja na qualidade de parceiros

comerciais (i.e., distribuidores de bens manufaturados), empregados seja na

qualidade de consumidores.

É dessa concepção clássica que decorre o conceito tradicional de empresa

como uma atividade que nada mais é do que parte do patrimônio do empresário.

13RÊGO, Nelson Melo de Moraes.

Da boa-fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do

(25)

Por essa perspectiva, a ideia de empresa se confunde com a de propriedade. A

empresa seria apenas mais um dos bens titularizados pelo empresário, apenas

mais uma parte de seu patrimônio:

“Before business enterprises were granted the right to acquire independent legal personality, it was the business’s owner who carried on the business and who was exposed to all risks resulting from the business.”14

Foi com o aprimoramento das técnicas e meios de produção verificado na

Revolução Industrial que as sociedades puderam gerar a produção em massa

que caracteriza a sociedade de consumo contemporânea. Ao mesmo tempo em

que as fábricas passavam a produzir em larga escala, para um público cada vez

maior, era também necessário o desenvolvimento de mecanismos para

escoamento dessa produção, meios de transporte que permitissem que os bens

produzidos nas plantas fabris chegassem aos consumidores das mais diversas

localidades. Para tanto, era necessária a criação e a expansão de linhas férreas,

até então o meio mais eficaz de distribuição da produção, atividade que exigia um

grande volume de capital, que não poderia ser injetado por um único indivíduo ou

por um grupo de indivíduos movidos pela confiança mútua.

Naquele momento, os Estados optaram pela consagração do instituto da

pessoa jurídica de fins econômicos, por meio do qual permitiam aos particulares

que reunissem esforços e capitais em uma pessoa jurídica empresária, de

personalidade jurídica e patrimônio autônomos com relação aos sócios que a

compunham. Ao fazê-lo, os Estados reconheciam a importância do fenômeno

14“Antes que as empresas recebessem o direito de adquirir personalidade jurídica independente,

era o dono da empresa que conduzia os seus negócios e que ficava exposto a todos os riscos resultantes desses negócios.” (tradução livre, VANDEKERCKHOVE, Karen. Piercing the

(26)

associativo também para o desenvolvimento econômico, na medida em que as

sociedades empresariais não apenas investiam e desenvolviam setores nos quais

o Estado não podia ou não queria atuar, como também geravam empregos,

arrecadação e progresso que o Estado não era capaz de gerar:

“É que o fenômeno associativo produz resultados que nem o próprio Estado poderia atingir, por si só. O desenvolvimento da atividade econômica, especificamente, sob a forma associativa, permite a multiplicação da riqueza privada e pública, com repercussão sobre terceiros (empregados, comunidade etc.). A associação é meio de obtenção de benefícios não só para seus integrantes como para a generalidade do grupo humano. (...) O progresso cultural e econômico propiciado pela união e pela soma de esforços humanos interessa não apenas aos particulares, mas ao próprio Estado.”15

Desde sua origem, portanto, a opção pela personificação societária teve

uma finalidade muito clara, qual seja, a de estimular o investimento privado na

atividade econômica, reconhecido como benéfico ao progresso econômico e

cultural das diferentes comunidades. Não por outro motivo, Ripert já advertia para

a importância da figura das sociedades empresariais no capitalismo:

“Desde um século, não são mais os homens que detêm as grandes posições do comércio e da indústria, foram eliminados pelas sociedades por ações. Nenhum fato é mais importante do que este para a compreensão do regime capitalista.”16

Como anota Phillip Blumberg, no Século XVII as sociedades empresariais

apresentavam duas dimensões muito claras, seus propósitos públicos e feição

15JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 49. 16RIPERT, George.

Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

(27)

monopolista17. Como exemplo disso, cite-se o extensivo controle que o Reino

Unido deteve sobre a Índia ao longo de vários séculos, em razão da atuação da

Companhia das Índias Ocidentais, uma corporação criada ainda em 1600.

Durante o Século XVIII, os propósitos das sociedades empresariais ainda

eram vistos como incluindo a realização de alguma finalidade pública. Nesse

sentido, as primeiras sociedades norte-americanas assumiam funções públicas,

como a construção de pontes, canais, rodovias e fornecimento de água. A

primeira sociedade de manufatura dos EUA só veio a ser organizada no final

daquele século, em 1786. Com o tempo, no entanto, o papel das sociedades

mudou de seus propósitos públicos para a acumulação de riquezas. Naquele

momento, a limitação de responsabilidade não desempenhava um papel

relevante, foi um tema de menor preocupação até meados do Século XVIII.

Essas transformações econômicas e sociais também levaram a uma

modificação no próprio conceito de sociedade empresarial, conduzindo à

gradativa dissociação entre a figura da sociedade e do capitalista, especialmente

com o advento das sociedades anônimas. Da necessidade de captação cada vez

maior de recursos, as grandes companhias e grupos econômicos passaram a se

valer da poupança popular para capitalizar seus negócios. Para isso, vendiam

parte do negócio, da propriedade sobre a sociedade, a terceiros anônimos, em

troca do aporte de capital desses terceiros.

A partir de então, a ideia de que aquele que comanda a sociedade, que

gere seus negócios, seria aquele mesmo que detém a sua propriedade, não mais

encontra aderência na realidade. É a partir desse momento que há a separação entre

17BLUMBERG, Phillip I.

The multinational challenge to corporation law: the search for a new

(28)

a figura do empresário e do capitalista (business owner), da pessoa jurídica daquele

que é proprietário dessa pessoa jurídica. O poder de controlar a pessoa jurídica, esse

ente inanimado que não fala nem age por si só, passa daquele que tinha a empresa

como sua propriedade para aquele que dirige a sociedade empresária, que gere seus

negócios, a mando e em benefício de seus inúmeros proprietários.

Nesse contexto, a verdadeira força das sociedades está em seu poder de

investimento, de criar, produzir e vender produtos e serviços. E o poder de

investimento é exercido e criado pela direção, pelos administradores da

sociedade, e não por seus proprietários. Na prática, a separação entre as figuras

do capitalista e do empresário faz com que o interesse da sociedade não mais

emane do capitalista. O interesse da sociedade é aquele determinado pelos seus

administradores, os quais serão responsáveis pela gestão dos negócios enquanto

sua atuação atingir a finalidade geral da empresa, qual seja, a preservação do

capital nela investido e a remuneração desse investimento. Ao fazê-lo, o

administrador não apenas atende aos desejos dos proprietários da pessoa

jurídica, mas também aumenta seu poder de investimento, na medida em que

transmite ao mercado a ideia de que o investimento realizado naquela empresa

tem um retorno economicamente atrativo. Conforme observa Fábio Konder

Comparato, ao final desse processo, a empresa deixa de ser bem, patrimônio de

um sujeito de direitos, e passa, ela própria, a ser um novo sujeito de direitos,

cujos interesses e planos não se confundem com os de seus proprietários:

“O reconhecimento claro e conseqüente de que controle empresarial não é propriedade implica uma verdadeira revolução copernicana nos estatutos da empresa, que passa de objeto a sujeito de direito.”18

18COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa.

Revista de Direito Mercantil, Industrial,

(29)

Nesse ponto, cumpre destacar a lição de Fábio Ulhoa Coelho, que chama a

atenção para o fato de que, do ponto de vista técnico, o termo “empresa” não

pode ser considerado nem objeto, nem sujeito de direitos, representando, na

verdade, uma atividade:

“Empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa).”19

Como destacado pelo próprio doutrinador, tal confusão se deve à distinção

entre o uso técnico e o uso lato dessas expressões:

“Por outro lado, em razão dessa opção – considerar ainda a pessoa física o núcleo conceitual das normas que edita sobre a atividade empresarial -, a lei acaba dando ensejo a confusões entre o empresário pessoa jurídica e os sócios desta. A confusão aumenta, inclusive, pela distância existente entre os conceitos técnicos do direito e a linguagem natural. A pessoa jurídica empresária é cotidianamente denominada ‘empresa’, e os seus sócios são chamados ‘empresários’. Em termos técnicos, contudo, empresa é a atividade, e não a pessoa que a explora; e empresário não é o sócio da sociedade empresarial, mas a própria sociedade. É necessário, assim, acentuar, de modo enfático, que o integrante de uma sociedade empresária (o sócio) não é empresário; não está, por conseguinte, sujeito às normas que definem os direitos e deveres do empresário. Claro que o direito também disciplina a situação do sócio, garantindo-lhe direitos e imputando-lhe responsabilidades em razão da exploração da atividade empresarial pela sociedade de que faz parte. Mas não são os direitos e as responsabilidades do empresário, que cabem à pessoa jurídica; são outros, reservados pela lei para os que se encontram na condição de sócio.”20

19COELHO, Fábio Ulhoa.

Curso de direito comercial. cit., v. 1, p. 19. 20Id.

(30)

Essa também é a advertência feita por Maria Helena Diniz:

“A empresa é, portanto, a atividade econômica organizada desenvolvida pelo empresário; logo, não é sujeito de direito, não tendo personalidade jurídica. Sujeito de direito é o empresário individual ou coletivo, titular da empresa.”21

Acolhida a crítica, quer nos parecer que essa não invalida a conclusão de

que, na atual sociedade de consumo, a sociedade empresarial (sujeito) não mais

se confunde com uma coisa, com um bem integrante do patrimônio de seus

sócios, passando ela mesma a ser uma pessoa de direito independente e

autônoma. De qualquer forma, e até mesmo em atenção à lição acima transcrita,

neste trabalho o termo “empresário” foi adotado como sinônimo de pessoa jurídica

que desenvolve atividade empresarial, e não para designar os proprietários ou

sócios da pessoa jurídica.

A alteração na concepção de empresário foi acompanhada do crescente

reconhecimento, pelo Estado, da relevância da sociedade empresarial e da

importância que a sua conservação representa para a sociedade. Prova disso são

as inúmeras legislações criadas, desde há muito, com a finalidade de preservar a

sociedade empresarial e de recuperá-la de situações difíceis.

Nos EUA, por exemplo, a primeira norma que reconhece a importância da

conservação da sociedade empresarial é o Chandler Act, de 1938, o qual prevê o

processo de reorganização societária em benefício do interesse público,

especialmente da economia. No Direito argentino, a Lei nº 19.551/72 prevê

expressamente a continuidade dos negócios da sociedade em caso de falência de

21DINIZ, Maria Helena.

(31)

seus proprietários, assim como prescreve que os contratos de trabalho não são

extintos em razão da falência. Essa orientação protecionista da empresa também

é identificada no Direito francês, seja na Lei nº 67.563/67, seja na Lei Falimentar

nº 98/85, que tem por finalidade garantir a preservação das sociedades

financeiramente viáveis, em benefício de seus trabalhadores, credores e do

próprio Estado.

Também no Brasil, a Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências

(Lei nº 11.101, de 9.2.2005) reconhece expressamente a importância do

empresário para toda sociedade, sendo uma de suas finalidades a preservação

da empresa. Este é o teor do artigo 47 da aludida Lei:

“Artigo 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Confiram-se os comentários de Maria Helena Diniz quanto à finalidade da

Lei nº 11.101/2005, a qual evidencia a relevância que o Direito atribui à figura do

empresário:

“A empresa, como atividade econômica organizada, deve ser preservada por gerar lucro, emprego e tributos. O art. 47 da Lei n. 11.101/2005 acolhe o princípio da preservação da empresa e o da função social ao dispor: ‘A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica’.”22

22DINIZ, Maria Helena.

(32)

Essa crescente preocupação dos Estados com a manutenção da

sociedade empresarial revela a importância de que se reveste o instituto em

muitos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Mesmo tendo se afastado da

concepção original de desenvolvimento de atividades e empreendimentos de

interesse eminentemente público, a figura da sociedade empresarial continua

sendo vista como fundamental pelo Direito, seja em razão de sua importância

para a economia, seja em função de sua capacidade de financiar atividades e

(33)

4. A OPÇÃO PELA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Atualmente, a limitação da responsabilidade dos sócios da pessoa jurídica

é uma realidade tão corriqueira e presente, que muitos autores a tratam como

uma decorrência natural da própria autonomia da pessoa jurídica. Soa natural

que, reconhecendo-se personalidade à pessoa jurídica e lhe outorgando

autonomia quanto à pessoa de seus sócios, essa autonomia também seja

estendida ao aspecto patrimonial, garantindo-se a limitação de responsabilidade

de seus sócios. Como anota Fábio Ulhoa Coelho, atualmente a limitação da

responsabilidade é uma decorrência natural da personalização da sociedade

empresária:

“A personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não podem se imputar ao outro. Desse modo, a regra é a irresponsabilidade dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometem, no contrato social (CC, art. 1.052). É esse o limite de sua responsabilidade.”23

Todavia, historicamente, a limitação de responsabilidade não surgiu

atrelada ao instituto da personalidade jurídica, havendo um grande período

durante o qual a responsabilidade dos sócios de uma pessoa jurídica não era

limitada. Segundo Karen Vandekerckhove, enquanto o reconhecimento de

personalidade jurídica às entidades empresárias remontaria ao Século XVII, a

limitação de responsabilidade dos seus proprietários teria sido adotada pelos

23COELHO, Fábio Ulhoa.

(34)

diversos países apenas a partir do Século XIX, como exigência da crescente

necessidade de investimento privado na atividade econômica:

“The need for limited liability arose out of the growth of enterprises in the nineteenth century, needing increasing investment and capital accumulation. In order to encourage such growth, it proved necessary to protect investors, limiting their potential liability to the amount of their capital investment. In continental Europe, limited liability has been consecrated following its adoption in Napoleon’s Commercial Code in 1807. In Belgium, for instance, it became generally available in 1873. In the United States, limited liability became firmly established as the general rule by 1830. The determination of the period when limited liability emerged in the United Kingdom is the subject of debate. On the legislative front, it was only in 1855 and 1856 that the English Parliament enacted the first Limited Liability Act and the Joint Stock Companies Act.”24

Nesse sentido, Pontes de Miranda já enunciava que a separação

patrimonial entre a pessoa jurídica e as pessoas dos sócios é uma criação do

Direito Positivo25. Tanto é que, atualmente, ainda há formas societárias segundo

as quais a personalidade jurídica não é acompanhada da limitação de

responsabilidade de seus sócios, como é o caso, por exemplo, das sociedades

em nome coletivo no Direito brasileiro:

“Há direitos, como o do Reino Unido (Farrar-Hannigan, 1985:79/81), que associam a personalização da sociedade à limitação da responsabilidade dos sócios. Para tais sistemas, as sociedades em que os sócios respondem integralmente pelas obrigações sociais são despersonalizadas. Em outras ordens jurídicas, inclusive a brasileira, não existe necessária correlação

24“A necessidade de limitação de responsabilidade surgiu com o crescimento das empresas no

século XIX, necessitando de crescentes investimentos e acúmulo de capital. De forma a encorajar esse crescimento, provou-se necessário proteger os investidores, limitando sua potencial contingência ao valor do capital por eles investido. Na Europa continental, a limitação de responsabilidade foi consagrada após sua adoção no Código Comercial de Napoleão em 1807. Na Bélgica, por exemplo, ela se tornou regra corrente em 1873. Nos EUA, a limitação de responsabilidade se estabeleceu como regra geral por volta de 1830. A determinação de quando a limitação de responsabilidade emergiu no Reino Unido é objeto de debate. Na frente legislativa, foi apenas em 1855 e 1856 que o Parlamento Inglês promulgou a primeira Lei de Responsabilidade Limitada e a Lei de Sociedades por Ações” (tradução livre, VANDEKERCKHOVE, Karen. op. cit., p. 4).

25MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de.

Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro:

(35)

entre esses dois temas societários. A personalização da sociedade não está ligada sempre à limitação da responsabilidade dos seus integrantes. Quer dizer, há no Brasil sociedades personalizadas em que sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais (p.ex., a sociedade empresária em nome coletivo), assim como há uma hipótese de articulação de esforços despersonalizada, em que os participantes podem responder dentro de um limite (os sócios participantes da conta de participação, se assim previsto em contrato).”26

Como bem anota Marçal Justen Filho, a limitação de responsabilidade

inicialmente era reservada pelo Direito às sociedades que desenvolviam

atividades de caráter publicístico, como era o caso das companhias ultramarinas,

que ampliavam o poder, a influência e a riqueza das nações:

“A sociedade anônima do século XIX filiava-se às companhias ultramarinas, que nasceram com extremado cunho publicístico. A sociedade anônima era visualizada como um corpo que não se identificava com os interesses e a pessoa dos sócios, ao contrário das sociedades ditas contratuais (de pessoas).”27

Também Fábio Konder Comparato chama a atenção para o fato de que a

personalidade jurídica é apenas mais uma das ferramentas adotadas pelo Direito

para promover a blindagem patrimonial, existindo outras formas de limitação de

responsabilidade que não estão de qualquer forma vinculadas à autonomia

patrimonial da pessoa jurídica:

“O que não se pode perder de vista é o fato de ser a personalização uma técnica jurídica utilizada para se atingirem determinados objetivos práticos – autonomia patrimonial, limitação ou supressão de responsabilidades individuais – não recobrindo toda a esfera da subjetividade, em direito. Nem todo sujeito de direito é uma pessoa. Assim, a lei reconhece a certos agregados patrimoniais, como espólio ou a massa falida, sem personalizá-los. E o direito comercial tem, nesse particular, importantes

26COELHO, Fábio Ulhoa.

(36)

exemplos históricos, com a parceria marítima, as sociedades ditas irregulares ou a sociedade em conta de participação.

No curso da História, são numerosos os exemplos de técnicas jurídicas de gestão de um patrimônio, em benefício coletivo, sem a criação de uma pessoa coletiva. No direito romano, o patrimônio dos collegia e das solidates pertencia a um só dos membros. A corporation sole, do velho direito inglês, compreendia a Coroa e

os ofícios eclesiásticos, tais como o do bispo e o do vigário. O

trust alcança o objetivo da separação patrimonial sem

personalização, assim como a propriedade em mão comum do direito germânico.”28

Como destaca Phillip Blumberg, a adoção universal da responsabilidade

limitada como regra por muitos ordenamentos jurídicos do mundo ocidental

resulta de legislações relativamente recentes, que revelam antes uma opção

político-econômica, e não uma decorrência natural e necessária da própria

natureza da pessoa jurídica29. Na Inglaterra, até o final do Século XVI, os

Tribunais não tratavam da limitação de responsabilidade dos sócios das

sociedades de capital fechado, até porque tais sociedades normalmente

contavam com o caráter publicístico e a proteção do Estado, acima relatados. A

partir desse momento, no entanto, algumas sociedades passaram a prever tal

limitação em seus respectivos contratos sociais. Gradativamente, até o fim do

Século XVIII, o Direito Inglês passou a entender que, na ausência de disposição

expressa no contrato social, a responsabilidade limitada dos sócios deveria

prevalecer. No que se refere às sociedades por ações livremente negociadas, por

sua vez, desde o início o Direito inglês entendeu pela responsabilidade ilimitada

dos sócios. Nessa forma de sociedade, não havendo qualquer caráter publicístico,

a priori, ou proteção governamental, desde logo se aceitou que aqueles que se aventurassem nos negócios da sociedade deveriam estar preparados para arcar

28COMPARATO, Fábio Konder.

O poder de controle na sociedade anônima, cit.,p. 290-291.

(37)

com suas dívidas, caso o capital social fosse insuficiente para tanto. A primeira

manifestação da limitação de responsabilidade nessa forma de sociedade se deu

por meio dos contratos sociais, nos quais as sociedades passaram cada vez mais

a prever a inexistência de responsabilidade dos sócios da pessoa jurídica. Tais

disposições, em que pese o fato de serem válidas para a relação mantida entre a

sociedade e seus respectivos sócios, e entre esses, não podiam ser opostas aos

terceiros os quais a sociedade contratava, com o que, perante esses, a

responsabilidade dos sócios permanecia sendo ilimitada.

A fim de tentar mitigar essa situação, até meados do século XVIII a maior

parte das sociedades procurava incluir nos contratos celebrados com terceiros a

previsão de limitação da responsabilidade dos seus sócios, o que também era

visto com reservas, uma vez que, entendia-se, tais sociedades procuravam obter

os benefícios das sociedades de capital fechado sem incorrer nos custos e

burocracias enfrentadas por essas sociedades (que incluíam, entre outras, a

obtenção de autorização estatal para sua constituição). Independentemente

dessa questão em aberto, as sociedades de ações livremente negociadas se

expandiram, uma vez que as sociedades de capital fechado continuavam sendo

custosas, além de ser difícil obter autorização estatal para sua constituição.

A crescente necessidade de capital para possibilitar os altos

investimentos exigidos pela industrialização logo tornou o tema da limitação da

responsabilidade uma questão política relevante. Se, de um lado, os empresários

exigiam a adoção da limitação, como ferramenta para estimular os investimentos

necessários à capitalização das sociedades, de outro, a cultura agrária da

população estimulava um comportamento de hostilidade com relação às

(38)

injustificável. Se as famílias que desempenhavam atividades agrícolas e

pecuárias há séculos sempre responderam de forma ilimitada pelo insucesso de

seus negócios, não havia justificativas para que a nova classe de empresários

capitalistas fosse poupada desse risco. Propostas legislativas de limitação de

responsabilidade na Inglaterra geraram muitas manifestações contrárias, sendo

duramente criticadas. Além da preocupação econômica, uma vez que a limitação

era vista como estímulo ao investimento especulativo e à irresponsabilidade,

havia um forte apelo moral dos que temiam as consequências que uma norma

que suprimisse responsabilidades poderia causar no seio da comunidade.

Após muitos debates, a primeira norma a tratar do tema, a Lei de

Registro, Incorporação e Regulação das Sociedades de Capital Aberto, de 1844,

continha a previsão de que os sócios eram solidariamente responsáveis pelas

obrigações da sociedade que não fossem satisfeitas com seu próprio patrimônio.

Contudo, tal Lei permaneceu em vigor por pouco mais de uma década. Entre os

fatores que levaram à sua revogação, destaca-se sua ineficácia, uma vez que não

impedia a transferência de ações como meio de evitar a responsabilização do

sócio; assim como o desestímulo que causou aos investimentos por parte das

camadas mais ricas da população, conquanto a previsão de responsabilidade

solidária dos sócios fez com que os indivíduos de maior patrimônio temessem

que, inadimplida uma obrigação societária, os credores tenderiam a exigi-la

daquele que demonstrasse maior possibilidade de arcar com o seu pagamento.

Ainda, fatores de ordem prática reduziram a resistência popular à ideia de

limitação de responsabilidade, como, por exemplo, a necessidade de instituição

da responsabilidade limitada decorrente das atividades relacionadas à construção

(39)

Finalmente, a Lei de Responsabilidade Limitada, de 1855, e a Lei das

Sociedades por Ações, de 1856, fizeram com o que o Direito Inglês passasse a

adotar a limitação de responsabilidade como regra, o que prevalece desde

então30.

No entanto, é interessante notar que a adoção da responsabilidade

limitada no Direito inglês só veio a ocorrer séculos após o reconhecimento das

sociedades como pessoas jurídicas de personalidade autônoma com relação à de

seus sócios, um século após a Revolução Industrial e décadas depois de sua

adoção nos EUA e na Europa continental. Portanto, a experiência inglesa

demonstra de forma inquestionável que a opção pela limitação de

responsabilidade decorre de propósitos políticos e econômicos, e não da própria

natureza da pessoa jurídica ou como decorrência necessária de autonomia de

sua personalidade jurídica com relação à de seus sócios.

A experiência norte-americana, por sua vez, coloca em dúvida a

concepção geral de que a limitação de responsabilidade corresponderia a uma

ampliação nos investimentos particulares na atividade econômica. No início do

Século XIX, a limitação de responsabilidade não era um tema central no cenário

político ou jurídico norte-americano. Também nos EUA, no entanto, as sociedades

de capital fechado, de caráter publicístico e dependentes de autorização estatal,

normalmente gozavam do benefício da limitação de responsabilidade. Em que

pese aos EUA terem, de início, ratificado a legislação inglesa no que diz respeito

às sociedade empresariais, as legislações de cada Estado não eram claras

quanto à existência ou não de limitação de responsabilidade com relação às

30Para uma descrição detalhada da evolução da legislação inglesa sobre a limitação de

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