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Origem histórica do dispositivo

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 109-117)

7. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NAS RELAÇÕES DE

7.2. O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor

7.2.1. Origem histórica do dispositivo

O Projeto de Lei do Senado nº 97, de 1989, formulado com base no anteprojeto de Código de Defesa do Consumidor elaborado pela comissão formada por Ada Pellegrini Grinover, José Geraldo Brito Filomeno, Daniel Roberto Fink, Kazuo Watanabe, Zelmo Denari, Nelson Nery Junior, Marcelo Gomes Sodré e Mariângela Sarrubbo Fragata, dentre outros, previa, em seu artigo 23, a responsabilidade dos sócios–gerentes e administradores da pessoa jurídica em casos de insolvência ou encerramento das atividades. Esse era o teor do dispositivo, localizado na Seção VIII, sob o título “De Extensão Subjetiva Da Responsabilidade”:

“Artigo 23. Os sócios-gerentes de administradores não respondem pessoalmente pelas obrigações imputadas à empresa, exceto, nos casos de culpa, insolvência ou encerramento das respectivas atividades, pelas indenizações previstas nas Seções II, III e IV deste Capítulo.”

Como se nota, portanto, a redação original do Projeto de Código de Defesa do Consumidor previa a possibilidade de responsabilização dos sócios e dos administradores da pessoa jurídica apenas nos casos em que atuassem com culpa (hipótese de responsabilidade civil ordinária, atualmente prevista no artigo 186 do Código Civil); e no caso de insolvência ou encerramento da sociedade. Nesse ponto, cumpre destacar que as Seções II, III e IV a que se refere o dispositivo, tratavam, respectivamente, da responsabilidade do fornecedor (i) por danos (atualmente fato do produto); (ii) por vício dos bens; e (iii) por vício dos serviços.

Assim é que, o dispositivo original do Projeto de Código de Defesa do Consumidor previa a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica apenas nos casos de danos decorrentes de fato ou vício do produto ou serviço, e apenas nas hipóteses de insolvência ou encerramento das atividades da sociedade. Se, de um lado, a norma era menos abrangente do que a redação final do texto aprovado, que inclui mais hipóteses justificadoras da desconsideração, conforme será demonstrado nesse trabalho, por outro, era mais rigorosa no que se tange à responsabilidade decorrente de insolvência da sociedade, uma vez que não exigia a má administração para justificar a desconsideração.

Colocado em discussão o Projeto no Senado Federal, o Senador Carlos De’Carli propôs, na Emenda nº 23 ao Projeto, a supressão do referido artigo 23, sob a seguinte justificativa:

“É da melhor tradição do nosso Direito a clara distinção entre a Pessoa Jurídica, e a pessoa de seus Sócios, neste sentido verifica-se que apenas em situações excepcionais é desconsiderada a personalidade jurídica (vide art. 10 da Lei das Sociedades por Cotas), assim acredita-se que o princípio da não incidência de responsabilidade dos sócios-gerentes deve ser encarada restritivamente nos termos da legislação pertinente.”

No Parecer nº 143, de 1989, relatado pelo Senador Dirceu Carneiro, no entanto, a Comissão Temporária do Código de Defesa do Consumidor rejeitou a aludida Emenda, com base nos argumentos do Senador Iram Saraiva, in ver bis:

“Ao contrário do que parece imaginar o autor da emenda, não é da tradição do nosso direito eximir, em qualquer hipótese, os sócios gerentes e os administradores das empresas de responsabilidade pelos danos advindos a terceiros. Quando age com dolo ou culpa respondem de forma ilimitada pelos prejuízos decorrentes.”

Ainda que o argumento apresentado a justificar a rejeição da emenda proposta estivesse formalmente correto, parece claro que não endereçavam adequadamente as razões que justificaram a propositura de tal emenda. Isso porque, na justificativa da Comissão para rejeitar a emenda apenas foi abordada a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em razão de atos culposos ou dolosos, e não em virtude de simples insolvência ou encerramento das atividades, como estava previsto no artigo 23 original do Projeto de Código de Defesa do Consumidor. Se a própria legislação já previa a possibilidade de responsabilização dos sócios e administradores quando agiam com culpa ou dolo,

não seria necessário incluir um dispositivo no Código de Defesa do Consumidor que trouxesse essa mesma previsão. A única inovação representada pelo então artigo 23 do Projeto de Código de Defesa do Consumidor era a possibilidade de responsabilização de sócios e administradores em decorrência de simples insolvência ou encerramento das atividades, o que não necessariamente estava relacionado à atuação culposa ou dolosa dos indivíduos. Nesse aspecto, o Parecer que opinou pela rejeição da emenda que propunha a supressão do artigo 23 do Projeto de Código de Defesa do Consumidor não justificou qual o fundamento para que se admitisse o afastamento da personalidade jurídica em tais hipóteses.

Ainda assim, em 17.8.1989 o Senado Federal aprovou o Projeto de Código de Defesa do Consumidor com a redação original do seu artigo 23, rejeitando, portanto, a emenda que previa a sua supressão, em respeito ao princípio da autonomia da personalidade jurídica. Uma vez aprovado o Projeto, esse seguiu para a Câmara dos Deputados, onde a disciplina da desconsideração da personalidade jurídica recebeu novo tratamento, sendo transferida para o artigo 28 do Projeto, com a seguinte redação:

“Artigo 28. O juiz desconsiderará a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores societários e, nos caso de grupo societário, as sociedades que o integram.

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas

obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.”

Referido dispositivo recebeu três propostas de emenda parlamentar. A Emenda nº 82, que sugeria a supressão do dispositivo, a Emenda nº 83, que sugeria a restrição do seu âmbito de aplicação apenas às sociedades por quota de responsabilidade limitada e a supressão do § 2º do dispositivo, e a Emenda nº 84, que propunha a alteração da redação do dispositivo para prever que a desconsideração seria uma faculdade do Juízo, e não uma obrigação.

Quanto à Emenda nº 82, uma vez mais o Poder Legislativo entendeu que o Projeto abordava de maneira adequada a teoria da desconsideração, a qual era largamente aceita no Direito brasileiro, tanto na legislação esparsa quanto na jurisprudência. Atente-se para o teor do Parecer nº 45, de 1990, da Comissão Mista do Congresso Nacional destinada a elaborar Projeto de Código de Defesa do Consumidor:

“A desconsideração da pessoa jurídica é conquista do moderno direito comercial, que se aplica, também, no direito civil, administrativo, tributário e trabalhista, por exemplo. A jurisprudência, adotando alvitre preconizado pela doutrina mais autorizada, já vem aplicando a teoria da disregard doctrine nas mais variadas hipóteses que se lhe apresentam para julgamento. Em matéria legislativa, a desconsideração encontra-se adotada pelo art. 2º, da CLT; art. 10, do Decreto nº 3.708, de 10.1.1919 (Lei das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada); art. 135 do Código Tributário Nacional, entre outros.

O Projeto inova ao tratar do tema no direito do consumidor, mas não traz novidade quanto à essência da matéria, desde há muito aplicada e adotada pela doutrina, jurisprudência e pela lei brasileira.”

Uma vez mais, em que pese o fato de que as razões apresentadas no Parecer nº 45/90 pudessem estar formalmente corretas, elas não justificavam suficientemente a redação do Projeto, na medida em que este trazia sim grandes inovações para o tema da desconsideração da personalidade jurídica. Por exemplo, o Parecer não justificava a razão pela qual a desconsideração poderia decorrer da má administração da sociedade, se tal proposta se filiava ao entendimento de que a má administração corresponderia a uma forma de ato ilícito ou qual a motivação do legislador para incluí-la como autorizadora da desconsideração. Da mesma forma, não explicava como poderia ser desconsiderada a personalidade jurídica de um consórcio, o qual nem mesmo é dotado de tal personalidade, conforme previsto no artigo 278, § 1º, da Lei das Sociedades por Ações.

Quanto à Emenda nº 83, o Parecer nº 45/90 propôs a sua rejeição, com base na seguinte justificação:

“A emenda visa aplicar a desconsideração da pessoa jurídica apenas às sociedades por quotas de responsabilidade limitada. O Projeto, mais amplamente, abrange todas as categorias de sociedades, notadamente as anônimas, fornecendo mais proteção para a garantia das indenizações. A supressão do § 2º deixa sem responsabilização as sociedades que integram os grupos societários. Estes, evidentemente, não podem ser responsabilizados por não possuírem patrimônio próprio, diferentemente do que ocorre com as sociedades que os integram.”

Nesse caso, portanto, o Parecer foi bastante claro em determinar a rejeição da Emenda com a intenção de garantir que os consumidores fossem indenizados no maior número de circunstâncias em que se verificassem as hipóteses previstas no caput do dispositivo, a saber, a disfunção da pessoa jurídica ou a insolvência

causada por má administração.

Por fim, o Parecer propôs a aprovação da Emenda nº 84 de modo a flexibilizar a desconsideração, na medida em que essa deixaria de ser uma obrigação do Juiz, para se tornar uma faculdade:

“A emenda transforma a natureza da norma de cogente (“desconsiderará”) para facultativa ope judicis (o juiz poderá desconsiderar). Com isso, dá-se maior flexibilidade ao juiz para verificar se é ou não caso de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, o que será avaliado diante de cada caso concreto.”

Quer nos parecer, no entanto, que a justificativa para aprovação dessa Emenda não se sustenta, haja vista que, ainda que o dispositivo mantivesse sua redação original, de caráter cogente, a desconsideração apenas poderia ocorrer após a verificação, pelo Juízo, da presença dos requisitos previstos na norma, em uma análise caso a caso. Conforme será demonstrado a seguir, entendemos que a alteração do dispositivo, ainda que aprovada no texto final da norma, não alterou o fato de que a desconsideração é obrigatória sempre que verificados os requisitos legalmente previstos.

Após a aprovação do Parecer nº 45/90, no entanto, houve novas propostas de Emenda ao Projeto, dentre elas a Emenda nº 86, com a seguinte redação:

“Acrescente-se, onde couber, artigo com a seguinte redação: ‘Art. Desconsiderar-se-á a pessoa jurídica sempre que os efeitos de sua personalidade forem, de alguma forma, obstáculos para o ressarcimento dos prejuízos causados pela sociedade’. “

Na justificação da Emenda, seus autores, os Deputados Gastone Righi e Jofran Frejat, enunciaram que “os prejuízos causados devem ser sempre ressarcidos e a lei deve zelar para que nada entrave esse ressarcimento.” Em que pese à referida Emenda tenha sido aprovada no texto final do Código de Defesa do Consumidor, tendo sido incluída com alterações no seu texto, fato é que a intenção dos seus autores não foi de todo acolhida. Isso porque, diferentemente do sugerido na Emenda, o dispositivo proposto não foi incluído como um artigo independente do Código, mas sim como § 5º do artigo 28, estando sujeito, portanto, às consequências hermenêuticas daí advindas. Isto é, por não se tratar de um dispositivo autônomo, a norma sugerida na Emenda ficou submetida ao que já dispunha o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, especialmente em seu caput. Ainda porque, caso a finalidade almejada pelos autores da Emenda tivesse sido acolhida pelos demais parlamentares, de que todo prejuízo aos consumidores fosse sempre indenizado, ainda que mediante o sacrifício do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, quer nos parecer que o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor teria sido suprimido do texto final do Código, sendo substituído pela Emenda proposta pelos Deputados Gastone Righi e Jofran Frejat. Não tendo sido essa a opção do Congresso Nacional, que não apenas manteve o artigo 28, mas ainda incluiu o texto da Emenda proposta como um de seus parágrafos, submetido e hierarquicamente inferior ao caput, conclui-se que a finalidade dos Deputados de estender de forma ampla e irrestrita a desconsideração da personalidade jurídica a qualquer hipótese de dano ao consumidor não foi acolhida pelo legislador.

7.2.2. Hipóteses de efetiva desconsideração da personalidade jurídica –

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 109-117)