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B – Cirurgia Endócrina

No documento Manual de Cuidados Pós-Anestésicos II (páginas 37-42)

4- PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE SUBMETIDO

A CIRURGIA DA TIROIDE

Carolina Ribeiro, Daniela Chaló INTRODUÇÃO

A cirurgia da tiroide pode envolver procedimentos simples, como a remoção de um nódulo, mas também pode englobar cirurgias complexas com excisão de grandes massas com extensão retroesternal. A duração da cirurgia é depen- dente da sua extensão, durando em média 1 a 2 horas.1 É importante realçar que, embora a cirurgia da tiroide esteja associada a uma perda hemorrágica mínima (50-75ml), existe a possibilidade de hemorragia major devido à pro- ximidade com estruturas vasculares importantes e à grande vascularização da glândula tiróide.1-3

A dor após cirurgia da tiroide é considerada ligeira a moderada e de curta duração. Contudo, nas primeiras 24h a dor pós-operatória pode ser severa, com necessidades analgésicas superiores.4

CONTROLO DA DOR PÓS-OPERATÓRIA

O bloqueio bilateral do plexo cervical superficial no pré-operatório está as- sociado a redução da dor pós-operatória e da necessidade de suplementação analgésica com opióides.1,5-7 Por outro lado, a infiltração da ferida cirúrgica com anestésico local é uma técnica com resultados controversos relativamente ao benefício analgésico.1,4

Vários estudos têm demonstrado piores resultados no controlo da dor com a utilização de remifentanil no intra-operatório, comparativamente a outros opióides.8,9 Este fármaco têm sido largamente utilizado na cirurgia da tiroide por proporcionar analgesia intra-operatória, contribuir para a hipotensão necessária para um campo cirúrgico com menor hemorragia e por atenuar os reflexos laríngeos permitindo reduzir a dose de relaxante muscular.1,10 No entanto, este efeito negativo na dor no pós-operatório imediato pode estar relacionado com as características farmacocinéticas que tornam o remifentanil muito popular na anestesia: início de ação curto e tempo de semivida curto.8 Adicionalmente, a perfusão de remifentanil no intra-operatório também tem sido associada à hiperalgesia induzida por opióides (HIO) e a tolerância aguda a opióides, especialmente quando utilizado em doses elevadas.8,9 A etiopa- togenia da HIO e da tolerância aguda de opióides parece ter um mecanismo

comum que envolve os recetores NMDA, tendo sido sugerido o uso de infusões de remifentanil em associação com antagonistas dos recetores NMDA (por exemplo, ketamina) no controlo da dor pós-operatória.9

Com o bloqueio do plexo cervical superficial, a utilização de paracetamol e anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) no perioperatório são geralmente suficientes no controlo da dor pós-operatória, podendo ser necessário com- plementar com um opióide fraco como o tramadol.1,2,5,10,11 O uso de opióides deve ser minimizado pois, assim como a cirurgia da tiroide, são fatores de risco para náuseas e vómitos.2,4 É muito importante a medicação anti-emética nestes pacientes de alto risco, pois os vómitos podem aumentar o risco de hemorragia pós-operatória.4 Assim, recomenda-se a associação de pelo menos dois anti-eméticos, avaliando a existência de outros fatores de risco adicionais do paciente. Um dos fármacos utilizado poderá ser a dexametasona 4-8mg, pois tem a vantagem de reduzir o edema pós-operatório.1,2,5,10,11

COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS • Hemorragia

Apesar da meticulosa hemóstase realizada, a incidência de hematoma pós-ope- ratório pode ocorrer até 6.5% dos casos, sendo que 0.4% têm necessidade de descompressão no bloco operatório.1,12 Dentro das complicações que podem comprometer a via aérea, a formação de hematoma é a mais comum.12 “A obstrução respiratória pode ser causada pelo edema laríngeo ou faríngeo resultante da obstrução venosa e linfática pelo hematoma, mais do que por compressão direta da traqueia.1,11 É essencial estar atento a sinais de edema tenso no pescoço e dificuldade respiratória, devendo existir na proximidade do paciente material necessário para a remoção rápida dos pontos cirúrgicos. A re-intubação deve ser realizada o mais precocemente possível de modo a assegurar a via aérea do paciente e este deverá ser reencaminhado para o bloco operatório.1-3,5,10,11

A doença de Graves parece ser um indicador de risco aumentado de formação de hematoma após tiroidectomia, comparativamente a outras indicações para esta cirurgia.12

• Edema laríngeo

É uma causa rara de obstrução respiratória após cirurgia da tiroide, podendo resultar da lesão traumática por múltiplas tentativas de intubação perante uma via aérea difícil, da obstrução da drenagem venosa e linfática por um hemato- ma ou surgir após uma cirurgia complexa e prolongada. 1,2,5,10,11 O tratamento geralmente envolve corticoesteróides e oxigénio humidificado.5,10 Em casos graves, com presença de estridor, a intubação orotraqueal é mandatória.1,2

• Traqueomalácia

O colapso dos anéis da traqueia após cirurgia da tiroide, sobretudo tiroidecto- mia total, resulta da compressão prolongada da traqueia por uma glândula de dimensão aumentada, com consequente erosão e atrofia dos anéis traqueais cartilagíneos. Embora seja uma complicação rara, este colapso pode levar a obstrução respiratória aguda, com necessidade de re-intubação e suporte ventilatório até a força das paredes traqueais ser restabelecida, dado esta situação ser auto-limitada.1,2,5,10,11

Alguns anestesiologistas sugerem que um teste para confirmar a existência de fuga ao desinsuflar o cuff do tubo orotraqueal pode ser um bom indicador da dinâmica respiratória pós-extubação, mas este ainda não está bem esta- belecido na literatura.2,5

• Lesão do nervo laríngeo recorrente (NLR)

Estima-se que esta lesão ocorre até 14% dos pacientes submetidos a tiroidec- tomia.3 Pode ser causada por tração, transecção, compressão ou isquemia, e pode ser temporária ou permanente.1,2,5,10 A paralisia unilateral do NLR, a mais comum, inclui sintomas como dispneia, rouquidão e dificuldade na fonação. A paralisia bilateral do NLR pode provocar estridor severo, com necessidade de intubação orotraqueal ou mesmo traqueostomia.1-3,5,10

A monitorização eletrofisiológica dos nervos laríngeos recorrentes tem mostrado utilidade na avaliação da lesão durante a cirurgia.10 No entanto, a identificação e exposição do NLR edos seus ramos por um cirurgião expe- riente parece ser a técnica mais confiável atualmente para evitar esta lesão.3,10

• Lesão do nervo laríngeo superior (NLS)

Pode ocorrer esta complicação em 3 a 5 % dos pacientes submetidos a tiroidecto- mias, sendo mais comum a lesão do ramo externo, o que causa alteração na fona- ção. Embora mais rara, também pode ocorrer lesão do ramo interno, responsável pela enervação sensitiva da mucosa da região supraglótica da laringe e face supe- rior das cordas vocais, com disfagia devido à disfunção do reflexo de deglutição.2

• Hipocalcemia

Após tiroidectomia por bócio multinodular, 20% dos pacientes desenvolvem hipocalcemia temporária durante as primeiras 36 horas pós-operatórias.1,10,11 Esta complicação resulta do trauma ou remoção não intencional das glândulas paratiroides, sendo a hipocalcemia permanente uma situação rara.5,10 O grau de hipocalcemia correlaciona-se com a severidade dos sintomas, podendo estes incluir dor abdominal, parestesias perioral e das extremidades, tetania, laringospasmo, alterações do estado mental, convulsões, prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma, arritmias e até mesmo paragem cardíaca.

Existem dois sinais clínicos característicos da hipocalcemia: o sinal de Trou- sseau (contração generalizada dos músculos do antebraço e flexão do punho causada após aplicação do esfigmomanómetro cerca de 20mmHg acima da presão sistólica durante 3 minutos) e o sinal de Chvostek (percussão do ner- vo facial anteriormente ao pavilhão auricular causa espasmo dos músculos periorais ipsilaterais).1-3, 5,10

A hipocalcemia pode ser tratada com suplementos orais se o valor do cálcio ionizado for superior a 2mmol/L, mas caso este valor seja inferior é necessá- rio suplementação intravenosa com gluconato de cálcio ou cloreto de cálcio (10ml de solução a 10%), seguida por uma perfusão contínua (1-2mg/kg/h) até normalizarem os níveis de cálcio.3

A principal causa de readmissão hospitalar e uma das principais causas de ida à urgência após tiroidectomia e paratiroidectomia é a hipocalcemia sintomática pós-operatória. Estas situações implicam aumento dos custos hospitalares e morbilidade dos pacientes, logo é necessário estabelecer uma vigilância eficaz no pós-operatório, requisitar estudo analítico com níveis de cálcio ionizado de modo a detetar precocemente esta complicação, elucidar o paciente para sinais de alerta no domicílio e orientá-lo para um assistente apropriado caso ele experiencie esses sintomas.13

• Tempestade tiroideia

Qualquer paciente submetido a tiroidectomia tem risco de tempestade tiroideia durante o perioperatório, mesmo que esteja eutiroideu. O stress fisiológico é a principal causa desta complicação.3 Embora seja um evento raro, a má preparação pré-operatória de um paciente hipertiroideu torna esta situação ameaçadora de vida mais frequente.11 Sinais como taquicardia, hipertermia e arritmias inexplicáveis podem levantar esta hipótese diagnóstica. No entanto, como os sinais clássicos de dor abdominal, diarreia, nervosismo e inquietação não são visíveis sob anestesia geral, esta pode ser confundida com hipertermia maligna.2,3

O tratamento envolve suporte hemodinâmico, controlo da taquicardia com beta-bloqueadores, fármacos anti-tiroideus, arrefecimento corporal e hidra- tação. Já foi utilizado dantroleno 1mg/kg com sucesso na resolução desta complicação.5,11

• Pneumotórax

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tiroidectomia é o procedimento cirúrgico endócrino mais frequentemente realizado em todo o mundo.2

A realização pré-operatória do bloqueio do plexo cervical superficial complementada com a administração de paracetamol e AINEs no pós-ope- ratório parecem ser suficientes no controlo da dor pós-operatória. 1,2,5,10,11

Embora a perda hemorrágica associada a cirurgia de tiroide seja mínima, existe um potencial para hemorragia major pela proximidade de grandes estruturas vasculares.1-3

As complicações mais preocupantes associadas a cirurgia de tiroide estão relacionadas com o compromisso da via aérea (hematoma, edema laríngeo, traqueomalácia, bloqueio bilateral do NLR), assim como possíveis desafios hemodinâmicos por alterações no estado eutiroideu.1,2,5,10,11

REFERÊNCIAS

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12. Quimby AE, Wells ST, Hearn M, Javidnia H, Johnson-Obaseki S. Is there a group of patients at greater risk for hematoma following thyroidectomy? A systematic review and meta-analysis. Laryngoscope. 2016 [Epub ahead of print].

13. FitzGerald RA, Sehgal AR, Nichols JA, McHenry CR. Factors predictive of emergency department visits and hospitalization following thyroidectomy and parathyroidec- tomy. Ann Surg Oncol. 2015; 22:707-13.

C – Neurocirurgia

No documento Manual de Cuidados Pós-Anestésicos II (páginas 37-42)