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COMPLICAÇÕES GERAIS

No documento Manual de Cuidados Pós-Anestésicos II (páginas 31-35)

3 – PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE SUBMETIDO A CIRURGIA PANCREÁTICA

4. COMPLICAÇÕES GERAIS

Neste tópico apresentar-se-ão de modo genérico, as principais complicações médicas e cirúrgicas pós-operatórias associadas à cirurgia pancreática.

4.1. COMPLICAÇÕES MÉDICAS NO PÓS-OPERATÓRIO:

Quanto às complicações médicas, a literatura carece de incidências específicas para cada procedimento cirúrgico. No entanto, devemos ter em consideração a possibilidade de ocorrência das complicações apresentadas de seguida.

Hipotermia: devido à duração prolongada e grande exposição cirúrgica,

aumentando a incidência de infeção, complicações cardíacas, hemorragia e necessidade transfusional. Monitorizar a temperatura do doente e manter sistemas de aquecimento corporal e de fluidos.

Hipovolemia: por exsudação para o 3º espaço ou perdas hemáticas signifi-

cativas. Ponderar necessidade de controlo analítico e posterior intensificação da fluidoterapia ou transfusão de concentrado eritrocitário (de acordo com os valores iniciais de hemoglobina e perdas hemáticas totais intra/pós-operató- rio). A monitorização perioperatória do volume de ejeção (por exemplo por ecocardiograma transesofágico) orienta a fluidoterapia no sentido da optimi- zação do débito cardíaco, melhorando os resultados.19 As soluções cristalóides balanceadas devem ser preferidas ao cloreto de sódio 0,9%.20

Instabilidade hemodinâmica: ponderar necessidade de suporte farmacológico

com drogas vasoativas.

Hipocalcémia: por libertação de lipase pancreática e consequente saponifi-

Hipocaliémia: secundária a diarreia aquosa associada a gastrinoma ou VI-

Poma. Estados de hipocaliémia refratários ao aporte de potássio endovenoso poderão decorrer de depleção concomitante de magnésio.

Hipercaliémia: secundária a lesão renal aguda associada a pancreatite aguda

ou depleção de volume.

Insuficiência pancreática endócrina: pode verificar-se hiperglicemia por

insuficiência pancreática. Em casos de pancreatectomia distal, a incidência relatada de diabetes mellitus insulinodependente foi de cerca de 8%. Parale- lamente, em pacientes com pancreatite crónica, o mesmo risco poderá variar de 12% a 46%.21

Assim, nas resseções pancreáticas parciais poderão verificar-se estados de hiperglicemia de severidade variável. Por sua vez, a pancreatectomia total está associada a “diabetes pancreatogénica”: deficiência de insulina, glucagon e polipéptido pancreático; resistência hepática à insulina; suprarregulação periférica dos recetores de insulina. Esta condição é responsável por uma resposta atipicamente sensível à administração de insulina exógena, levando a um controlo lábil dos valores de glicémia (com episódios frequentes de hipo e hiperglicemia).11

Aplicar esquema de insulinoterapia de acordo com valores de glicémia capilar, evitando estados de hipoglicemia. A analgesia adequada, moderando a resposta fisiológica ao stress, também contribui para a manutenção da normoglicemia.6

Insuficiência pancreática exócrina: a resseção pancreática despoletará

invariavelmente algum grau de insuficiência pancreática (dispepsia, má absorção, esteatorreia). Doentes submetidos a duodenopancreatectomia apresentam um risco de 10-20% de desenvolver insuficiência pancreática exócrina sintomática.21

Hipoglicemia: podem ocorrer estados de hipoglicemia no pós-operatório

imediato por libertação de insulina durante a manipulação cirúrgica (particu- larmente grave em caso de insulinoma). Avaliar a necessidade de fluidoterapia transitória com aporte de glicose. Doentes submetidos a pancreatectomia total desenvolvem uma resposta hiperglicémica intensa após a administração de glucagon (a deficiência de glucagon endógeno aumenta a sensibilidade ao glucagon exógeno).7

Complicações pulmonares22 (ocorrem em cerca de 25% dos doentes submetidos

a resseção pancreática):

• Atelectasia pulmonar: a disfunção diafragmática (dada a sua proximidade com a área cirúrgica) e a atelectasia nas porções dependentes de ambos os campos pulmonares predispõem a fenómenos de shunt, com hipoxemia e posterior infeção.

• Pneumonia:23desigualdades ventilação-perfusão secundárias à atelectasia pulmonar, micro-aspirações e disfunção mucociliar favorecem o desenvol- vimento de pneumonia.

• Derrame pleural: pela proximidade da área cirúrgica, poderá verificar-se excesso de líquido na cavidade pleural, diagnosticado pelo exame físico e RX tórax, podendo requerer intervenção percutânea.

• Pneumotórax: pode ocorrer lesão acidental da pleura durante a cirurgia. Caracterizado por dispneia, hipoxemia, diminuição do murmúrio vesicular e dor torácica tipo pleurítica, podendo evoluir para instabilidade hemodinâmi- ca. Perante suspeita clínica sugere-se estudo imagiológico com radiografia de tórax e eventual drenagem.

Náuseas e vómitos pós-operatório (NVPO): deverá ser aplicada uma estra-

tégia multifarmacológica de acordo com os fatores de risco para NVPO e os fármacos profiláticos administrados no intra-operatório. Perante a ocorrência de NVPO seguir as recomendações portuguesas para a profilaxia e tratamento das náuseas e vómitos em cirurgia ambulatória24.

Enfarte esplénico:21 após resseção pancreática ou necrosectomia. Em sequência

da isquémia pode ocorrer hipertrofia esplénica ou formação de abcessos es- plénicos. O seu quadro clínico caracteriza-se por dor abdominal e febre, sendo a tomografia computorizada (TC) esclarecedora do diagnóstico. A abordagem destes doentes poderá passar por drenagem do abcesso ou esplenectomia.

Tromboembolismo venoso:25 os tumores, e em especial o cancro do pâncreas,

expressam proteínas pró-coagulantes e citocinas inflamatórias que contribuem para estados de hipercoagulabilidade. Paralelamente, a duração e a agressi- vidade da cirurgia pancreática, bem como o período pós-cirúrgico de menor mobilidade favorecem estes eventos.

Trombose venosa profunda (TVP):26 apresenta-se como dor, edema, eritema,

cianose, dilatação do sistema venoso superficial, aumento de temperatura local e empastamento muscular do membro inferior e febre ligeira. A dosagem de D-dímeros apresenta alta sensibilidade, mas baixa especificidade para o diagnóstico da TVP pelo que deve ser utilizada apenas em pacientes de baixa probabilidade clínica para a doença. O eco-doppler dos membros inferiores é o método de diagnóstico mais utilizado. O tratamento envolve repouso e anticoagulação: HBPM (1mg/kg 12/12h ou 1,5mg/kg 24/24h). Na população idosa, extremos de peso e insuficiência renal é necessário ajustar a dose.

Tromboembolismo pulmonar (TEP):27 manifesta-se com sinais e sintomas pou-

co específicos: dispneia, dor torácica tipo pleurítica (tipicamente na presença de pequenos êmbolos periféricos subpleurais), tosse, hemoptise, síncope ou pré-síncope ou dor no membro inferior. À observação: taquipneia, taquicar- dia, sinais de TVP, hipotensão, febre, cianose, fervores crepitantes ou sopro cardíaco de novo. Choque, disfunção do ventrículo direito e marcadores de necrose do miocárdio positivos são considerados fatores de mau prognóstico.

A presença de D-dímeros negativos exclui o diagnóstico de TEP. A angio-TC é o exame imagiológico de eleição (cintigrafia pulmonar na presença de contra-indicação para angio-TC).

A terapêutica destes doentes envolve oxigenoterapia, vigilância da estabilidade hemodinâmica e anticoagulação. Em doentes sob ventilação mecânica deve ser aplicado um volume corrente baixo (6 mL/Kg) e a pressão positiva no fim da expiração (PEEP) deve ser aplicada com precaução, mantendo pressão de

plateau inspiratória < 30 cm H2O (o aumento da pressão intratorácica reduz

o retorno venoso e agrava a disfunção do ventrículo direito). Em doentes com TEP e disfunção do ventrículo direito, recomenda-se suporte com drogas va- soativas. O fluid challenge apenas apresenta vantagem em doentes com débito cardíaco diminuído e normotensos (volumes pequenos: 500 mL).

Trombose do sistema venoso portal:28 é uma complicação rara após cirurgia

pancreática. Clinicamente, caracteriza-se por ascite, hemorragia gastrointes- tinal e hiperesplenismo. O diagnóstico é confirmado por TC com contraste. Uma vez que as técnicas de intervenção radiológica disponíveis apresentam risco elevado, a anticoagulação permanece a opção terapêutica recomendada.

4.2. COMPLICAÇÕES CIRÚRGICAS NO PÓS-OPERATÓRIO:

Drenagem / fístula pancreática: corresponde à principal causa de morbilidade no pós-operatório, com uma taxa de mortalidade > 40%. Definida como drena- gem persistente de fluído com amilase ≥ 3 vezes superior ao valor da amilase sérica, a partir do terceiro dia do pós-operatório.29 Clinicamente caracterizada por dor abdominal, ileus, estase gástrica, febre e leucocitose. Na ausência de peritonite, sépsis, hemorragia ou falência orgânica, recomenda-se o tratamento conservador: antibioterapia, suporte nutricional adequado, monitorização do conteúdo drenado e estudo imagiológico para exclusão de abcesso intra-abdo- minal. Na presença destas premissas, o tratamento cirúrgico será necessário.30 Infeção / abcesso intra-abdominal:30 perante suspeita clínica de abcesso intra- -abdominal deve realizar-se TC abdominal com contraste. Em situações em que a drenagem percutânea guiada radiologicamente se revele insuficiente, o tratamento cirúrgico é necessário.

Hemorragia:30 a hemorragia nas primeiras 24 horas do pós-operatório geral- mente relaciona-se com hemostase inadequada, hemorragia retroperitoneal (secundária a coagulopatia) ou úlcera de stress. A re-intervenção cirúrgica habitualmente é necessária.

No documento Manual de Cuidados Pós-Anestésicos II (páginas 31-35)