• Nenhum resultado encontrado

Banditismo no sertão

No documento Historia Do Rio Grande Do Norte (páginas 177-181)

CAPÍTULO I – DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA À REPÚBLICA OLIGÁRQUICA

3. Banditismo no sertão

A hegemonia das oligarquias políticas e o alijamento dos militares de tendência anti- oligárquica, permitiu que se desenvolvesse uma política abertamente favorável aos acordos de cúpula, elemento que caracteriza a cultura política das elites brasileiras (PENNA, 1999, p. 87).

O Brasil, da Primeira República, podia ser dividido em dois territórios: o Brasil urbano e o Brasil rural. Nos dois existia uma grande variação entre os extremos da população e nos dois crescia  – e cresce – uma imensa massa de marginalizados. Talvez um dos problemas mais signicativos

“dentre os que evidenciaram a dicotomia existente na sociedade brasileira foi o do Messianismo”, típico fenômeno “do Brasil rústico, interiorano e atrasado” (LOPEZ, 1991, p. 29).12De meados para

o m do século XIX e primeiras décadas do século XX, essas variações sociais originaram diversas formas de revoltas e resistências da população: Guerras de Canudos e Contestado, Revoltas da Vacina e da Chibata, Revolta Caldeirão, Revolta do Juazeiro, etc. Esses movimentos de contestação mostram uma faceta mais radical no Nordeste, região que experimentou uma decadência econômica acentuada naquele período: crise da agroindústria do açúcar e declínio da pecuária. Some-se a esse quadro as constantes secas, como a de 1877, que estimulavam o êxodo dos sertanejos, que buscavam uma possibilidade de melhores condições de vida no centro-sul e no norte do país. A crise econômica e a onda de migrações do Nordeste para outras regiões afetou a estrutura de poder, pois diminuiu a massa de sertanejos manobrada pelos coronéis, mas ao mesmo tempo impulsionou os movimentos fanáticos e o banditismo rural (com a participação de cangaceiros e jagunços), freqüentemente vistos como formas de luta da população sertaneja contra os poderosos locais.

 Ao fracasso em implementar “a República teórica, que não fora exeqüível” segue-se “a República que podemos ter” (CALMON, apud FACÓ, 1991, p. 81). Rui Facó (1991, p. 81) acrescenta que a implantação da República tal como ocorreu era um compromisso entre a aristocracia agrária e a burguesia ascendente, “com evidente predominância dos latifundiários, depois de Floriano Peixoto  – a última tentativa séria e malograda para levar avante as mais radicais aspirações burguesas”

(FACÓ, 1991, p. 81). O mesmo Facó lembra que esse

fracasso custaria caro ao povo. Sobre as massas camponesas iria recair o peso principal das diculdades. Eram aquelas massas a grande força produtora. E uma vez que até bem pouco a produção agropecuária em algumas regiões (naquelas onde predominava antes o trabalho escravo) estava completamente desorganizada, muitas fazendas em ruínas, culturas abandonadas, carregavam os camponeses pobres o fardo mais pesado da atração dos negócios para as grandes cidades e a subseqüente débâcle, resultante da fraqueza da burguesia brasileira.

 As fazendas do Nordeste se despovoavam. Escasseavam os cereais, em que os Estados nordestinos tinham baseada sua frágil economia, além do açúcar (FACÓ, 1991, p. 81-82).

 A historiadora Denise Monteiro expõe com precisão que, de fato, o êxodo não era a única forma de fugir da miséria, pois o banditismo rural serviu como válvula de escape.

 As quadrilhas do século XIX permaneceram, originando o que cou conhecido como “cangaço”. Nos anos de 1920, no Rio Grande do Norte, a repressão ao cangaço tornou-se uma grande preocupação do governo estadual, quando soldados foram enviados para as divisas do estado com a Paraíba e o Ceará.

Em muitos momentos o banditismo e o fanatismo religioso (principalmente o primeiro) puniram não somente os poderosos, mas a população pobre das áreas atingidas por esses fenômenos sociais. Os cangaceiros atacavam e saqueavam cidades, vilas, povoados e fazendas, matavam, soltavam os presos, estupravam, seqüestravam com o objetivo de cobrar resgate. E faziam tudo isso indiscriminadamente, atingindo tanto os poderosos locais como a população carente. Muitas vezes, os bandos de cangaceiros cumpriam determinações dos coronéis que lhes davam proteção. Para Facó (1991, p. 45), tanto o cangaceiro como o fanático “eram os pobres do campo que saíam de uma apatia generalizada para as lutas que começavam a adquirir caráter  social, lutas, portanto, que deveriam decidir, mais cedo ou mais tarde, de seu próprio destino. Não era ainda uma luta diretamente pela terra, mas era uma luta em função da terra – uma luta contra o domínio do latifúndio semifeudal”.

Nascido em Patu, em 1844 e morto num tiroteio em 1879, Jesuí no Brilhante foi sem dúvida o maior e mais famoso cangaceiro nascido no Rio Grande do Norte. Câmara Cascudo (IN: NONATO, 1998, p. 86) descreve romanticamente Jesuíno Brilhante:

Jesuíno Alves de Melo Calado foi o cangaceiro-gentil-homem, o boiadeiro romântico, espécie matuto de Robin Hood, adorado pela população pobre, defensor dos fracos, dos velhos oprimidos, das moças ultrajadas, das crianças agredidas.

Sua fama ainda resiste, indelével, num clima de simpatia irresistível. Certas injustiças acontecem por que Jesuíno não existe mais.

Uma justicação do prestígio natural de Jesuíno Brilhante para os sertanejos seria o horror ao ladrão. Não roubava e o seu bando era rigorosamente vigiado para respeitar o décimo Mandamento. Recebia o que lhe davam e às vezes pedia. Era auxiliado pela multidão dos admiradores, nada lhe faltando e mesmo possuía recursos de lavoura e gado.

Os motivos que levam Jesuíno Brilhante, segundo Câmara Cascudo, a ingressar no cangaço são sobejamente conhecidos e vão repetir-se, em linhas gerais, com alguns que também zeram fama, como Lampião, Corisco, Antônio Silvino, etc.:

 A 25 de dezembro de 1871, Jesuíno fez a primeira morte. Matou a punhal o negro Honorato Limão, na Rua do Patu. A história era simples. Desaparecera uma cabra amarrada no pátio da casa do Tuiuiú e Jesuíno rastejando descobriu o animal morto dentro de uma panela na casa dos Limões, família temida pelo número e agressividade dos seus membros. Os Limões juraram vingar-se e agrediram Lucas, irmão de Jesuíno, que fora visitar a namorada no Patu.

Jesuíno galopou até a rua, ouviu Honorato deblaterar, gabando-se da surra que dera no “amarelo de Tuiuiú, convidando o povo a “beber a saúde do defunto”. Jesuíno apunhalou-o ajudado pelo primo Manuel Monteiro (apud NONATO, 1998, p. 87-88).

Como exposto acima, Jesuíno Brilhante era, de acordo com Câmara Cascudo, adorado pela população pobre, uma espécie de Robin Hood . Caiu na marginalidade após matar Honorato Limão, quando de uma discussão motivada por questões familiares. Outras mortes se sucederam, e Jesuíno Brilhante caiu denitivamente no cangaço, tendo sua gura cado envolta em lendas e “causos” lembrados pela imaginação popular, como, por exemplo, a participação em diversas batalhas sem que tivesse levado um tiro, pois tinha o corpo fechado. Libertou presos de delegacias, assaltou caravanas que carregavam víveres que governo iria distribuir, doando-os aos agelados da seca (justamente para quem se destinavam os víveres), casou moças ultrajadas. Segundo contam, sempre atacava a polícia, nunca a pobre e desprotegida população sertaneja. 13

 Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Massilon e Lampião foram outros cangaceiros que tiveram atuação no Rio Grande do Norte. Sinhô Pereira de forma tímida; Lampião, por apenas uma vez, quando atacou a cidade de Mossoró; Massilon ou Benevides teve uma atuação destacada no estado, saqueou cidades e povoados, prendeu autoridades, comerciantes e soldados, sempre exigindo resgate para soltá-los. Contudo, a história do cangaço registra como principal feito de Massilon um erro: o convite para Lampião atacar Mossoró.14

Desde antes do governo de José Augusto que os cangaceiros freqüentavam e saqueavam estabelecimentos comerciais e rurais do Rio Grande do Norte. E entre esses cangaceiros, o que teve uma atuação mais destacada e duradoura no Rio Grande do Norte foi Antônio Silvino. Durante os seus 18 anos de cangaceirismo, Antônio Silvino praticamente atravessou o Rio Grande do Norte em paz. As suas andanças no Rio Grande do Norte limitaram-se mais ao Seridó e algumas cidades oestanas, como Alexandria e Campo Grande. Segundo Souza, Antônio Silvino andava com tranqüilidade pelo Rio Grande do Norte, “marchava sem destino”, pois a

polícia do Governador Alberto Maranhão parecia fazer vista grossa à presença da incômoda celebridade. Cruzando tabuleiros e carrascais Província adentro, a malta jamais encontrou soldados potiguares para combatê-lo. (...)

(...)

Enquanto o Governo potiguar não demonstrava interesse em dar cabo de Silvino, a Polícia paraibana – a seu turno – o procurava com avidez, embora sem sucesso. (DANTAS (a), 2006, p. 163-165).

Em 1926, houve três investidas de cangaceiros no estado, uma delas feita por Massilon, em Apodi. Naquele mesmo ano foi realizada, em Recife, reunião dos chefes de polícia dos estados nordestinos, a m de acertarem ações conjuntas de combate ao banditismo rural. Na ocasião, o governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, fez duras críticas à curta visão política dos coronéis do interior, que davam guarida aos bandos de cangaceiros, bem como a “determinados setores das oligarquias dominantes”, acusando-os “de complacência com bandos armados” (DANTAS, 2005, p. 33).

 Antes de atacar Mossoró, Lampião ia ser usado para fustigar a vizinha Apodi, conforme plano dos coronéis cearenses Isaías Arruda e Décio Holanda. Sem poder usar Lampião, o chefe da empreitada foi o cangaceiro Massilon que, depois do saque e das manifestações de violência em  Apodi, saiu fazendo tropelias pelas regiões vizinhas. (SOUZA, 2005, p. 39-51).

13Sobre Jesuíno Brilhante ver: NONATO, Raimundo. Jesuíno Brilhante: o cangaceiro romântico.

14O juiz de Direito e estudioso do cangaço, Sérgio Augusto de Souza Dantas, publicou recentemente, em 2005 e 2006,

duas das mais importantes obras sobre o fenômeno no Rio Grande do Norte. “Lampião e o Rio Grande do Norte: a história da grande jornada” e “Antônio Silvino: o cangaceiro, o homem, o mito”. Ambas são referências obrigatórias a quem quiser se

O ataque de Massilon ao município de Apodi deixou a vizinha Mossoró em polvorosa. O intendente Rodolfo Fernandes recebera carta do chefe político de Apodi, Francisco Ferreira Pinto, narrando os detalhes e os resultados da expedição do cangaceiro Massilon. A imprensa repercutia a invasão da cidade vizinha e apontava a possibilidade de os cangaceiros atacarem Mossoró, o que permitiu ao intendente municipal, Rodolfo Fernandes, convocar uma “reunião de urgência no Paço Municipal”, na qual os circunstantes foram chamados a atenção para os fatos recentes. Em uma semana, alertou Rodolfo Fernandes, “assaltos violentos ocorreram em pontos diversos dos dois Estados. A região paraibana assediada pelos criminosos situava-se na fronteira, às portas do Rio Grande do Norte” (DANTAS, 2005, p. 65-66).

Na última semana de maio de 1926, Lampião foi apresentado pelo coronel Isaías Cardoso ao também coronel José Cardoso e ao cangaceiro Massilon. Naquela oportunidade, Lampião e seu bando recuperavam-se de uma frustrada incursão à Paraíba. Discorram sobre o êxito dos ataques de Massilon e seu bando ao Rio Grande do Norte e fez-lhe injunções para que os incorporasse ao seu bando, ao que Lampião aquiesceu. Ao nal da conversa, José Cardoso deu uma informação adicional acerca do Rio Grande do Norte: o interior do estado “era quase totalmente desprovido de policiamento” (DANTAS, 2005, p. 73).

Em 1927, Lampião atacou Mossoró, não sem antes encaminhar dois ultimatos prontamente rechaçados pelo intendente Rodolfo Fernandes. A atuação de Lampião foi relâmpago. Atacou algumas cidades e povoados, destruiu fazendas, deixando-as em ruínas, seqüestrou para exigir resgate e foi derrotado em Mossoró, onde perdeu um dos seus mais importantes e cruéis cangaceiros: Jararaca. O combate não poderia ter sido mais desastroso para Lampião e apaniguados. Perderam os comparsas Colchete e Jararaca.

De igual forma contaram feridos. Virgínio, cunhado de Lampião, tinha uma bala encravada na coxa esquerda. Ás de Ouro sofria com ferimento no rosto. Um terceiro homem trazia profundo ferimento à altura do abdome, envolto em toalha tinta de sangue (sic).

(...)

O cortejo seguiu rumo ao Ceará (...). Marchavam pela estrada do o, antigo caminho para a cidade de Limoeiro do Norte (DANTAS, 2005, p. 235-237).

 A derrota em Mossoró é um marco na história do cangaço, pois representa o início da segunda fase da vida de cangaceiro de Lampião, na qual o rei do cangaço passou a atuar em outros estados, principalmente Bahia, Alagoas e Sergipe. Como aponta Dantas (2005), o bando de Lampião estava reduzido

a seis cangaceiros sujos, maltrapilhos, famintos, de repugnante aspecto.

 A frustrada tentativa de invasão a Mossoró e o subseqüente assédio de forças policiais – em virtude da violenta campanha desencadeada contra o cangaço – encerravam uma fase na carreira do cangaceiro de Vila Bela.

(...)

De quase setenta homens que congregava quando marchou sobre o Rio Grande do Norte, dispunha agora de cinco (DANTAS, 2005, p. 353-354).

Visando combater o cangaceirismo no estado, o governador Juvenal Lamartine, sucessor de José Augusto, encaminhava uma parcela signicativa do orçamento à Polícia Estadual. Ressalte- se, porém, que nem toda ação da polícia visava combater os cangaceiros; não foram poucas as

vezes que o aparato policial foi utilizado de forma arbitrária para sufocar manifestações da oposição (MARIZ E SUASSUNA, 2002, p. 236).

No documento Historia Do Rio Grande Do Norte (páginas 177-181)