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CONHECIMENTO NÍVEL QUANTIDADE

2.3 A INFÂNCIA NO CONTEXTO HISTÓRICO, CULTURAL E SOCIAL – QUAL O LUGAR DOS BEBÊS?

2.3.3 Os bebês no contexto da infância

Um dos exercícios que também consideramos fundamental para a compreensão da infância é tentar definir o que é homogêneo e o que é heterogêneo nas crianças. O que são características inerentes ao ser humano-criança e o que as diferencia. É nesse processo de definir o que é homogêneo e o que é heterogêneo que se colocam também os bebês, como um grupo de crianças com características que os inserem no conceito de infância também enquanto categoria geracional, e com outras específicas, que os diferenciam das demais crianças.

Ao afirmarmos que os bebês possuem especificidades que os diferenciam das outras crianças, não estamos nos referindo somente à questão etária, mas também a uma série de elementos que requerem um olhar diferenciado, uma forma singular de se compreender suas interações, suas linguagens, seu movimento, exigindo do adulto/professor um olhar atento e cuidadoso para cada uma dessas expressões. Ao trazermos as questões dos bebês para a centralidade de nossas discussões sobre a infância, não estamos particularizando esse grupo de crianças, como se, ao fazermos isso, poderíamos considerar que entre os mesmos não vai haver diferenças. Assim como, não é possível criar um conceito único de infância, por todas as multiplicidades de características e fatores que a constituem, da mesma forma não é possível falar dos bebês como um grupo homogêneo.

Evidencia-se uma preocupação cada vez maior em se compreender a especificidade das crianças pequeninas, embora esse olhar seja relativamente recente, se considerarmos que durante muito tempo os bebês foram considerados como frágeis, incapazes e imaturos. Nos estudos antropológicos, os bebês também foram invisibilizados, e Gottlieb (2009, p. 314), chama a atenção para o fato de que a antropologia tem frequentemente negligenciado os bebês: ―Do ponto de vista teórico, os bebês, para a maioria de nós, são um não-sujeito, ocupando um espaço negativo, quase impenetrável para o olhar antropológico‖. Embora a autora reconheça que tem havido, por parte dos estudiosos da área antropológica, um reconhecido aumento nos

estudos sobre a infância, ela ainda não conseguiu voltar seu olhar para os bebês, e levanta a importância dos estudos que visam compreender as interações e relações dos bebês em diferentes culturas.

[...] quando começarmos a estudar sistematicamente a vida de bebês e crianças pequenas em outros contextos culturais, devemos conseguir transcender polêmicas e acessar de forma mais realística as contribuições relativas da cultura e da biologia para o desenvolvimento cognitivo, emocional, social e até mesmo motor nos primeiros estágios da vida pós-natal (GOTTLIEB, 2009, p. 314).

As áreas da Educação e da Sociologia da Infância também têm se voltado recentemente para os bebês. Schmitt (2014), em sua tese de doutorado, enfatiza que não podemos mais afirmar que não existem produções acerca dos bebês, pois elas vêm tendo um aumento significativo nos últimos anos. A partir de 2008, o que percebemos também na produção acerca dos bebês, levantada a partir dos artigos do GT7 da ANPEd, é que algumas pesquisas têm se voltado a pensar os bebês a partir de suas potencialidades, suas interações, formas de comunicação, a maneira como estabelecem relações com seus pares e adultos. A imagem do bebê como um ser imaturo, que necessita apenas de cuidado, não tem mais espaço à medida que vai se descortinando as suas possibilidades, como também afirma Barbosa (2010):

Nos últimos anos, porém, as pesquisas vêm demonstrando as inúmeras capacidades dos bebês. Temos um conhecimento cada vez maior acerca da complexidade de sua herança genética, de seus reflexos, de suas competências sensoriais e, para além de suas capacidades orgânicas, aprendemos que os bebês também são pessoas potentes no campo das relações sociais e da cognição. Eles são dotados de um corpo no qual afeto, intelecto e motricidade estão profundamente conectados, e é a forma particular como esses elementos se articulam que vai definindo as singularidades de cada indivíduo ao longo de sua história. Cada bebê tem um ritmo pessoal, uma forma de ser e de se comunicar (BARBOSA, 2010, p. 2).

Entre os estudos mais recentes, que procuram voltar seu olhar para os bebês, Guimarães (2008), traz o cuidado como ética e a potência dos bebês. A autora considera que tradicionalmente, no Brasil, as relações estabelecidas com os bebês possuem um caráter ainda marcado pelo assistencialismo que configurou o atendimento nas creches durante tantos anos. Esse aspecto se agravava no caso dos bebês, por considerá- los ainda pequenos e desprotegidos, organizando-se um movimento que busca dar conta do que falta a essa criança por sua, não só condição de pequena, mas também pela ausência da figura da mãe, obrigada a entregar seu filho aos cuidados da creche para poder trabalhar.

Ódena (1995) apud Castro (2013), observa que os bebês são educáveis desde o momento em que nascem, o que não significa serem passivos ou homogêneos na forma como se desenvolvem e aprendem, mas apropriam-se dos códigos sociais expressos e elaboram sua forma de compreender esse meio. Suas ações, em um primeiro momento, emotivas, logo ganham também um sentido social, na medida em que o outro lhe atribui significado. Ou seja, ―[...] embora os bebês não pronunciem, verbalmente, o que compreendem do mundo, seus atos sociais retratam os sentidos da realidade social e o modo como as relações vão se estabelecendo‖ (CASTRO, 2013, p. 11). E se utilizam do choro, dos balbucios, dos gestos, dos olhares e das expressões para comunicar o que sentem.

Coutinho (2012) cita os estudos de Prout (2004) que propõem compreender a infância como natural e social ao mesmo tempo, ou seja, defende que os estudos da infância têm emergido como uma área inter e multidisciplinar, e tem a difícil tarefa de buscar congregar as diferentes áreas de conhecimento. E em relação aos bebês: ―[...] essa divisão entre biológico e social tem uma forte presença, e a tendência a atribuir às competências dos bebês apenas dimensões biológicas é recorrente‖ (COUTINHO, 2012, p. 243). Porém, a autora considera que, no campo da Sociologia da Infância, tem se procurado fazer estudos onde o biológico não seja desconsiderado, embora Prout (2004) reconheça que, durante determinado tempo, prevaleceu a soberania de uma ou outra dimensão, cultural ou natural, mas que hoje, quem se propõe a estudar a infância tem a difícil tarefa de congregar diferentes áreas de conhecimento.

Coutinho (2012), também chama a atenção para o fato de que, embora os estudos mais recentes demonstrem uma preocupação cada vez maior em garantir e possibilitar a autonomia e liberdade dos bebês em fazer suas escolhas, ainda são recorrentes os momentos de controle sobre o corpo e movimento dos bebês. A autora considera que

possibilitar aos bebês autonomia e liberdade de movimento, lhes garante o direito de fazer escolhas e relacionarem-se de forma mais efetiva com seus pares. O corpo se coloca assim, como determinante na forma como os bebês buscam conquistar o que pretendem, se tornando ele também, uma dimensão da linguagem dos bebês.

Na Educação Infantil há elementos que perpassam a todos os grupos e todas as crianças, mas há também nos bebês uma singularidade que requer do adulto, professor, um olhar muito mais atento às suas manifestações. Na organização das ações pedagógicas, os bebês constantemente interrogam o currículo, como já evidenciavam Barbosa e Richter (2010), pois o tempo todo nos fazem questionar sobre o que lhes é proposto.

Os bebês, em seu humano poder de interagir, interrogam esses modelos curriculares ao afirmarem, nas suas ações cotidianas, a interseção do lúdico com o cognitivo nas diferentes linguagens: a conciliação entre imaginação e raciocínio, entre corpo e pensamento, movimento e mundo, em seus processos corporais de aprender a operar linguagens e narrativas (BARBOSA; RICHTER, 2010, p. 85).

Barbosa (2010), também se refere à educação dos bebês como marcada por uma especificidade, e levanta algumas indicações que considera imprescindíveis para pensar a educação dessas crianças. A primeira delas é a compreensão dos bebês como sujeitos da história e de direitos: ―Direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças‖ (BARBOSA, 2010, p. 3). Mas também com direito à participação, que visa tornar os bebês protagonistas de seu processo educacional, na medida em que se reconheçam suas ações como indicadores da organização das possibilidades pedagógicas. O segundo se refere ao reconhecimento de uma sociedade onde as diversidades sociais e culturais sejam consideradas, na busca de processos igualitários de educação. E, por último, a autora considera a valorização das relações, da convivência, sendo a Educação Infantil um importante espaço para que se possibilite múltiplas interações, que auxiliarão as crianças, principalmente as bem pequenas, na construção de sua identidade pessoal e coletiva.

Pensar em propostas pedagógicas que contemplem as especificidades dos bebês enquanto grupo e, ao mesmo tempo, não deixar de olhar para cada um de forma diferenciada, não é tarefa fácil, ao consideramos as condições de cuidado/educação das crianças nas instituições de Educação Infantil, marcada geralmente por poucos profissionais trabalhando com muitos bebês. Da mesma forma, a Educação Física ainda parece marcada por uma visão limitada na compreensão da totalidade das crianças, com abordagens que desconsideram o contexto no qual as crianças se constituem. A supervalorização dos aspectos do crescimento e desenvolvimento das crianças, baseada nas capacidades físicas, e com uma visão generalizada da criança, se reflete em práticas corporais com papel instrumental e compensatório.

Dessa forma, quando nos referimos às crianças da Educação Infantil e, mais especificamente aos bebês, precisamos também nos questionar: Que bebê é esse? Quais os fatores que o constituem? Pensar em crianças que se diferenciam, em bebês que se diferenciam, em corpos em movimento que se diferenciam. Pensar em ações pedagógicas que possam contemplar e ampliar as possibilidades de interação, comunicação, movimento, sem desconsiderar que cada criança é única. Ou seja, olhar e compreender cada bebê em seus contextos, para além de conceitos pré-definidos.