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A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE FLORIANOPOLIS

4 – CAPÍTULO IV A EDUCAÇÃO FÍSICA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE FLORIANÓPOLIS E AS

4.1 A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE FLORIANOPOLIS

Nesse momento do texto, procuraremos refletir sobre algumas questões referentes à inserção da Educação Física na Educação Infantil na RMEF.

Sabemos que não são todas as redes municipais de ensino do Brasil que possuem professores de Educação Física atuando na Educação Infantil, e os municípios onde isso já se concretizou contam cada um com sua própria história. Uma história, na maioria das vezes, marcada não por interesses pedagógicos, mas corporativistas, de cada Secretaria de Educação. Trazemos alguns elementos da história dessa inserção na RMEF, não somente por ser ela nosso campo de estudo, mas por ser considerada uma das primeiras redes no Brasil a contar com a Educação Física na Educação Infantil.

A história dessa inserção foi contada, através de sua dissertação de mestrado, por Sayão (1996), que buscou referências não apenas nos documentos, mas principalmente nos relatos das professoras que fizeram parte do processo. Alguns elementos chamam a atenção na história dessa inserção. Elementos que não tiveram como base uma discussão fundamentada sobre o papel da Educação Física na Educação Infantil, e, como ela, enquanto área de conhecimento poderia contribuir efetivamente na educação das crianças pequenas. Dessa forma, a Educação Física na Educação Infantil se inseriu inicialmente com objetivos que não se diferenciavam muito dos da Educação Física no Ensino Fundamental.

Sayão (1996), ao levantar alguns dos elementos que caracterizaram essa inserção, mostra que, em um primeiro momento, temos a entrada dos profissionais de Educação Física com o objetivo de suprir a carência da figura masculina para as crianças, na maioria oriundas de famílias que, segundo o relato de uma das coordenadoras da equipe do Pré-escolar da Secretaria de Educação, entrevistadas por Sayão: ―Não tinham noção de família [...] faltava à noção de homem para as meninas‖ (SAYÃO,1996, p.48). Além dessa ausência da figura

masculina nas famílias, a grande maioria das profissionais que atuavam na Educação Infantil era do sexo feminino.

Temos, então, a primeira justificativa: a ideia de que a educação deveria suprir uma carência afetiva das crianças posta pela condição familiar. Assim, os primeiros professores de Educação Física contratados eram do sexo masculino.

No segundo momento, a Educação Física torna-se responsável também pela organização de eventos nas unidades de Educação Infantil. Esses eventos, chamados de ―Festival de Valores‖, baseavam-se no modelo do Colégio Coração de Jesus55, e no modelo que acontecia nas escolas de 1ª a 8ª séries, a ―Noite da Ginástica‖. Nesses festivais, era organizada uma forma de competição entre as unidades de Educação Infantil, e as crianças eram selecionadas para se apresentarem de acordo com suas capacidades artísticas, expressivas. A Educação Física tinha a responsabilidade de organizar esses eventos e preparar as crianças para participarem, ficando boa parte do ano envolvida neles. Temos a segunda justificativa: organizar eventos valorizando as crianças com mais habilidade e promovendo a competição entre as unidades.

Porém, para Sayão (1996), essas duas justificativas talvez tenham subestimado outra, que considerava a mais importante. Com três instituições formando profissionais de Educação Física em Florianópolis56, havia uma grande quantidade de profissionais que se formava a cada ano, e o mercado não conseguia absorver todos. Abriu- se então na Educação Infantil uma possibilidade de oferecer um mercado de trabalho para esses profissionais excedentes.

[...] tanto a justificativa da carência da figura paterna, quanto a organização do Festival de Valores configuravam-se como complementares de uma iniciativa política de cunho clientelista que nas três últimas décadas fez inchar o serviço público, distribuindo cargos e funções independente de uma avaliação séria e rigorosa da necessidade de ocupação dos mesmos. Esta

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Colégio tradicional de caráter particular inserido no centro da cidade de Florianópolis.

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A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) em nível de graduação, e o Curso de Educação Física (CEF) em nível médio. Esse último, inicialmente junto ao Centro de Educação Física e Desportos (CEFID) da UDESC e, a partir de 1993, junto ao Instituto Estadual de Educação (IEE).

prática pode ser considerada como uma troca de favores, através da qual, cada cargo ocupado poderia representar maior respaldo político dos dirigentes e, decorrente disso, mais poder (SAYÃO, 1996, p. 60).

Wendhausen (2006) também retoma o processo inicial de entrada do professor de Educação Física na Educação Infantil, enfatizando que ela aconteceu cerceada de conflitos de ordem pedagógica, política e corporativa. Na base do debate pedagógico estava a preocupação com a fragmentação do conhecimento na Educação Infantil, e que a presença de um professor especialista traria os moldes das disciplinas isoladas do Ensino Fundamental, onde não havia diálogo entre elas. Iniciava-se assim uma longa e conflituosa discussão em torno da legitimidade da Educação Física na Educação Infantil.

Os conflitos de ordem política se apresentavam nas instituições como, por exemplo, a busca por diferentes posições hierárquicas das professoras de sala57 e dos professores de Educação Física. Esses conflitos, levantados por Sayão (1996), e reforçados por Wendhausem (2006), eram oriundos desde aspectos de formação, até o tempo menor que os professores permaneciam nas unidades, já que possuíam hora- atividade em tempo, enquanto as professoras de sala recebiam essa hora- atividade em dinheiro. Isso impedia também que os professores participassem de outros momentos na unidade, como as reuniões pedagógicas, os momentos de planejamento coletivo.

Em relação aos conflitos de ordem corporativa, Wendhausem (2006), aponta o fato de a Educação Física possuir uma divisão administrativa independente das demais divisões e que essa divisão,

[...] devia-se menos à tradição de estudos, prestígio acadêmico da área ou justificativas didáticas de inclusão da disciplina no currículo, e

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A expressão ―professora de sala‖ foi mantida aqui por ser a expressão utilizada por Sayão (1996) e Wendhausem (2006), embora discordemos dessa denominação, pois ela poderia ser interpretada como: essas professoras seriam responsáveis por atividades desenvolvidas em sala e as professoras de Educação Física aos espaços externos como parque, pátio, quadra, aspecto que não se aplica a uma Educação Infantil no qual todos os espaços são utilizados por diferentes professoras. Assim como, não nos parece adequando o uso do termo ―professora regente‖, pois pressupõe também, nesse caso, que as professoras de Educação Física assumiriam uma função complementar.

mais às ações implementadas pela expressão de sua força, na forma de associações, sindicatos, movimento estudantil, etc. (WENDHAUSEM, 2006, p. 16).

Importante salientar que no período em que a pesquisa de Sayão (1996) se detém (1982-1995), ocorreram muitas mudanças nos grupos que assumiram a coordenação geral do Pré-escolar. Esses grupos, representavam os interesses do governo que assumia a administração municipal, e possuíam divergências pedagógicas que acabavam promovendo a descontinuidade de debates realizados na gestão anterior, ou seja, a cada nova gestão um novo projeto tinha início, deixando para trás as discussões que haviam sido efetivadas até então.

Em relação às ações pedagógicas, nos primeiros anos de sua inserção na RMEF, a Educação Física se apoiava principalmente em três concepções: a Psicomotricidade, o Desenvolvimento Motor e a Recreação. Sayão (1996) cita, como documento de referência para os professores, as “Diretrizes de implantação e implementação da Educação Física na Educação Pré-escolar e no ensino de 1ª a 4ª séries‖, publicado pelo MEC em 1982.

Vago (2003) faz uma análise dos princípios desse documento e levanta alguns aspectos presentes no mesmo, elencando a psicomotricidade e o desenvolvimento motor como fontes que o basearam, fazendo em seguida uma crítica a essas concepções.

Considero que tanto a psicomotricidade, quanto a desenvolvimentista de Educação Física, não apresentam teorias educativas (com sua respectiva prática escolar) capazes de sustentar e de justificar o seu ensino, seja na educação infantil, seja nas séries iniciais do ensino fundamental. Isso porque possuem uma compreensão idealizada do ser humano, com repercussões, de um lado, no entendimento sobre a sociedade e a escola, e, de outro, no entendimento sobre as práticas corporais dos seres humanos, lançando sobre elas um olhar circunscrito às suas dimensões biológica e psicológica (VAGO, 2003, p. 19, grifo no original).

Vago (2003), também considera que não está contemplada nos argumentos que sustentam a Psicomotricidade e o Desenvolvimento

Motor, a dimensão histórico-cultural. Sayão (1996) também questiona essas concepções, por trazerem uma visão limitada das crianças. A psicomotricidade era mais um instrumento que desenvolvia habilidades para outras tarefas escolares, como a preparação para a alfabetização, e a autora cita Levim (1989), que afirma que a Psicomotricidade tem uma característica clínica e, não, educativa, ou seja: ―A Psicomotricidade precisa agregar a transferência psicanalítica na clínica psicomotora, o que se torna impossível na Educação Infantil que deve investir no trabalho coletivo‖ (SAYÃO, 1996, p. 76).

Já o Desenvolvimento Motor se baseava em atividades como se todas as crianças tivessem o mesmo nível de desenvolvimento, além de instrumentalizar o corpo para a futura performance esportiva. Junto à Psicomotricidade e ao Desenvolvimento Motor também aparece a recreação, atividade com fim em si mesma, baseada nos contextos de liberdade e espontaneidade, desenvolvidas a partir do movimento da Escola Nova, onde a criança aprendia por si mesma, de acordo com suas potencialidades individuais, com atividades propostas pelo professor, desarticuladas umas das outras.

Posteriormente, o que percebemos nos trabalhos de Sayão (1996) e Wendhausem (2006), é que as críticas em relação a essas concepções, mais as dificuldades enfrentadas pelas professoras na busca por tentar garantir a legitimidade e especificidade da Educação Física na Educação Infantil, levaram muitos profissionais a questionar sua prática, se aproximando dos estudos da infância e da Educação Infantil. Já não seria mais possível importar modelos do Ensino Fundamental, era preciso construir a prática pedagógica a partir do chão da Educação Infantil.

Assim, à medida que se avançou nos debates a respeito da Educação Infantil, e com a aproximação da Educação Física no campo das Ciências Humanas e Sociais, buscou-se compreender melhor a infância e suas formas de interação. Na RMEF isso tem repercutido na reflexão das práticas das professoras e, consequentemente, ampliado o debate a respeito dos objetivos da Educação Física na Educação Infantil. Nesse sentido podemos citar alguns documentos da rede, elaborados através, principalmente, da sistematização de encontros desses professores. Entre esses documentos, citamos: A Educação Física na Educação Infantil (1996); A Educação Física na Escola de Educação Infantil: A construção da história possível (publicado entre 1997 e 2000); Infância, Educação Física e Educação Infantil (2000); O Fazer Pedagógico do/a Professor/a de Educação Física na Educação Infantil (2004); Orientações Curriculares para a Educação Física na

Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis-SC (no Prelo). Este último, resultado de um longo processo de formação e levantamento das práticas de Educação Física na Educação Infantil na RMEF, realizado em conjunto com os professores e professoras da RMEF, com o GEIEFEI e com professores colaboradores da UFSC58, mas ainda não publicado. Os pressupostos estabelecidos em cada um desses documentos sugerem novas formas de se ver e pensar a Educação Física na Educação Infantil e, nesse sentido, as formações continuadas também tiveram um papel fundamental nesse processo, como veremos novamente mais adiante.

4.2 OS PROFESSORES E AS PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO