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A Infância em diálogo com diferentes áreas de conhecimento As crianças sempre existiram, porém, a infância vem recebendo

CONHECIMENTO NÍVEL QUANTIDADE

2.3 A INFÂNCIA NO CONTEXTO HISTÓRICO, CULTURAL E SOCIAL – QUAL O LUGAR DOS BEBÊS?

2.3.1 A Infância em diálogo com diferentes áreas de conhecimento As crianças sempre existiram, porém, a infância vem recebendo

definições e características de acordo com cada momento histórico e de acordo com cada campo de saber que se ocupa em estudá-la. Se a tomarmos sob o viés biológico ou psicológico, a infância pode ser considerada uma etapa que está em constante processo de mudança e de aquisição de conhecimentos que orientarão a criança para seu futuro como adulto. Sob a perspectiva da Sociologia da Infância, ela é uma construção social e possui definições e características de acordo com o ambiente sócio cultural. Sob esse prisma, não há uma única infância, mas infâncias que se diferenciam de acordo não somente com o momento histórico, mas da idade, da situação social e cultural na qual estão inseridas as crianças. Assim como, essas diferenças também são percebidas através do olhar e das concepções de quem se propõe a estudá-las.

Cada criança é única, qualquer grupo de crianças, que pode ser constituído por rapazes e raparigas, vive, de certo modo, em circunstâncias especiais próprias a esse mesmo grupo, dependendo de antecedentes socioeconômicos, condições ambientais, atitudes parentais, etc. Ao mesmo tempo, cada grupo, ou geração de crianças de determinada sociedade tem algo em comum que nos permite que façamos afirmações acerca da infância numa determinada sociedade (QVORTRUP, 1995, p. 11).

A infância, dessa forma, não poderia ser vista como algo natural como observada na filosofia naturalista assinalada por Hobbes, onde a criança era caracterizada pela maldade e perversidade e precisava ser

conduzida para o ―caminho‖ do bem. Essa visão da criança como uma alma perversa, um espírito ruim, vai influenciar durante muito tempo também a educação, na medida em que ela assume a responsabilidade de conduzir esse homem (criança) ao caminho desejado.

A infância parece ganhar um estatuto próprio na França no século XVII, indo contra uma cultura social que, durante séculos parecia negá- la, porém, ainda vendo na infância o lugar do mal e do pecado, mas que poderia vir a alcançar a redenção através dos processos educativos. Dessa forma, não necessariamente ela era visibilizada, pois a preocupação centrava-se muito mais nos métodos e formas de atingir o que se esperava das crianças, o que elas poderiam vir a alcançar, do que a preocupação com as crianças enquanto sujeitos (BECCHI, 1994).

Com Rousseau, essa visão naturalista do bem ou do mal começa a ser desconstruída, na medida em que ele aponta que a criança possui uma bondade genuína que poderia ser corrompida com o convívio no mundo adulto. Porém, mesmo Rousseau, ainda é indiferente à visão histórico social na definição da infância e ela, de alguma forma, ainda é tratada como natural. Sua contribuição deveu-se principalmente ao fato de que conseguia ver a infância como um período específico, com diferentes modos de ser, ver, pensar, sentir (BECCHI, 1994).

O Marxismo vem posteriormente dizer que uma das categorias que vai definir a infância é a classe social. Já na Modernidade se constrói o conceito de infância como categoria etária fixa, através da psicologia e da maturação biológica. Da mesma forma, Becchi (1994), considera que a criança também foi negada em Piaget, onde mais uma vez a infância se dissolve, se tornando uma metáfora e onde a criança parece se apresentar cada vez menos como um ser a ser observado, e cada vez mais como um caso. Piaget dizia ter as crianças como sujeitos, mas as estudava cada vez mais distante da realidade social e cultural menos elitista. Assim como suas entrevistas se tornavam cada vez mais dirigidas, com pouco espaço para a fala das crianças, e em situações não naturais (BECCHI, 1994).

A psicologia do desenvolvimento procura explicar as fases do desenvolvimento humano baseada em fatores naturais e biológicos e, assim, formulando ideais de desenvolvimento que passam a moldar as crianças a partir de determinadas características descritivas. Contribui, dessa forma, para uma visão de criança que se desenvolve por etapas e que consequentemente irá influenciar a educação a partir do momento em que passa a orientar os educadores a estabelecerem metodologias específicas para cada uma dessas etapas e a definir padrões de aprendizagem considerados normais para cada uma delas.

Os conhecimentos da Psicologia do Desenvolvimento, assim como os relacionados à área biológica, são importantes na medida em que nos auxiliam na compreensão de alguns aspectos do desenvolvimento da criança, porém não bastam para explicar os processos que fazem parte do universo diverso que constitui as crianças. É preciso que se observe do ponto de vista de, como cada criança com determinadas características biológicas e psicológicas se insere e vai se constituindo a partir de cada contexto social e cultural.

Porém, essa crítica às concepções biológicas no contexto da infância, levou a Sociologia, em dado momento, a criar um reducionismo negando os aspectos que também são importantes na compreensão da infância trazidos por essa área de conhecimento. Prout (2003/2004) já alertava que uma das razões pela qual a infância foi negligenciada durante tanto tempo pela Sociologia teria sido o fato da infância parecer desafiar a divisão entre natureza e cultura.

O caráter híbrido da infância, em parte natural, em parte social, parece claramente não estar à vontade com a mentalidade moderna e a sua preocupação em dicotomizar os fenômenos. A solução parcial que encontrou ceder a infância à natureza, (isto é, as ciências biológicas e médicas ou suas extensões) manteve-se até os últimos anos do século XX. Este fato foi integrado na Sociologia como socialização – tornar-se social. As crianças pertencem à natureza até serem integradas na realidade social. A fundamentação da Sociologia da Infância na ideia de que a infância é uma construção social revela-se, neste ponto de vista, como um discurso inverso. Abandona o reducionismo biológico, substituindo-o pelo reducionismo sociológico. Por muito útil que fosse para refutar a ideia do reducionismo biológico da infância como natural, acaba sendo exagerado (PROUT, 2003/2004, p. 8-9).

Nesse sentido, talvez o grande desafio que se apresenta a quem se propõe a estudar a infância, é poder fazer isso a partir de enfoques multidisciplinares, compreendendo a criança como um ser biopsicossocial (SARMENTO, 2013). Bem como, estudar as crianças a partir delas próprias, a partir de seus pontos de vista, a partir de sua própria realidade, permitindo assim descortinar outra realidade social,

que é aquela que emerge das representações infantis, para então organizar possibilidades e ações pedagógicas que contemplem a criança real e não apenas o que se espera dela.