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Beijo Lascivo e a (des)necessidade de contato entre o agente delituoso e a vítima

2.2 Atentado violento ao pudor – o revogado art 214 do Código Penal Brasileiro

2.2.4 Beijo Lascivo e a (des)necessidade de contato entre o agente delituoso e a vítima

Até hoje há discussão entre os estudiosos do assunto para conseguir definir o que se caracterizaria o chamado de beijo lascivo. O beijo considerado lascivo restaria configurado no crime de atentado violento ao pudor? Quem seria a vítima deste atentado: quem está sendo beijado, quem olha ou ambos? E se a vítima for obrigada, mediante o uso de violência ou ameaça grave a beijar o ofensor?

Para tal definição teríamos o tipo de beijo firmado em doses de desejo, causando estranheza aos olhos da sociedade, pois não se trataria de um beijo delicado, carinhoso ou formal, mas sim de beijo voluptuoso, repleto de sexualidade.

O mestre Nelson Hungria diz que deverá haver diferenciação entre os diversos tipos de beijo, pois para tal configuração deverá ser descartado o beijo considerado casto, puro, de duração breve, até mesmo o tipo furtivo, não se realizando com isso o ato libidinoso, porém algumas outras formas poderiam configurar a conduta criminosa, pois “já ninguém poderá duvidar, entretanto, que um desses beijos à moda dos filmes de cinema, numa descarga longa e intensa de libido, constitua, quando aplicado a uma mulher coagida pela

ingrata vis, autêntico atentado violento ao pudor”.65

Seguindo o mesmo pensamento do autor, o nosso Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que o atentado violento ao pudor deve ser considerado em vários níveis de ato

64NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Direito Penal-parte geral e especial.p.217. 4ªed. São Paulo: Revista

dos Tribunais,2008.

libidinoso, incluindo dentre estes os contatos voluptuosos e beijos lascivos, devendo o fato, porém, sempre ser pautado no princípio da razoabilidade quando da sua análise no caso concreto 66.

Autores contemporâneos acreditam não haver crime configurado quando houver o chamado beijo lascivo porque “por mais que seja ruim o beijo e por mais feia que seja a pessoa que o forçou, não podemos condenar alguém por esse fato a cumprir uma pena de, pelo menos 6 (seis) anos de reclusão, com a mesma gravidade que se pune um homicida” 67.

Portanto, em se tratando de beijo lascivo, entende-se por não restar configurado o crime de atentado violento ao pudor, mesmo havendo julgado procedente na jurisprudência pela caracterização do crime por tal ato libidinoso. Deve-se ter em mente que o beijo, por si só, mesmo que forçado, ou quando o autor se utilizar de violência ou grave ameaça não deve ser entendido como algo de gravidade equivalente a um coito oral, anal ou felação, por exemplo. O dito beijo lascivo seria considerado uma conduta insignificante, até mesmo pela punição aplicada ao agente (reclusão, de seis a dez anos). Neste caso, deverá o sujeito ativo ser responsabilizado por constrangimento ilegal68, ou até mesmo por lesão corporal, caso a violência física ofenda a integridade da vítima, evitando que se aplique uma medida desproporcional ao fato.

Outro assunto controverso trazido por diversos estudiosos é a necessidade ou não, de contado físico entre autor e vítima para que reste configurado o crime de atentado violento ao pudor. Parte da doutrina e a jurisprudência dominante entendem que será necessário o

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Pesquisa de Jurisprudência: “PENAL. RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. REVALORAÇÃO DA PROVA. ATO LIBIDINOSO.

I - Em nosso sistema, atentado violento ao pudor engloba atos libidinosos de diferentes níveis, inclusive, os

contatos voluptuosos e os beijos lascivos. II - Se, em segundo grau, restou entendido que o acusado praticou atos próprios do ilícito imputado, não cabe a desclassificação fulcrada no princípio da razoabilidade. III – A revaloração da prova delineada no próprio decisório recorrido, suficiente para a solução

do caso, é, ao contrário do reexame, permitida no recurso especial. IV - Impropriedade da aplicação do princípio da razoabilidade. Recurso provido. Processo: REsp 757127 SP 2005/0093526-3 Relator(a): Ministro FELIX FISCHER Julgamento: 14/12/2005 Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA Publicação: DJ 06.03.2006 p. 435. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/55070/recurso-especial-resp-757127-sp-2005- 0093526-3-stj. Acesso em: 20/05/2012.

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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, parte especial. Vol III, 5ª ed, p. 505. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

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Constrangimento ilegal: Art. 146 do atual Código Penal Brasileiro – “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa”.

contato físico entre as partes figurantes no delito de atentado violento ao pudor. O STJ69 entende que o art. 214 do Código Penal exige para a caracterização do crime o contato físico com o ofendido, enquanto o Supremo Tribunal Federal70 (STF) afirma que o contato físico com a vítima é o suficiente para afastar a tentativa e restar o crime consumado.

Com a devia vênia, discorda-se do pensamento exposto acima, pois em nenhum momento o Código Penal faz exigir para a caracterização do atentado violento ao pudor que o agente tenha qualquer tipo de contato físico com a vítima. Além do mais, o texto repressor diz que o indivíduo será constrangido, com o uso de violência ou grave ameaça, “para praticar

ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. Entende-se

que o termo praticar ou permitir que com ele se pratique sugere que o sujeito passivo possa atuar diretamente com o agente, como também sozinho, além de poder praticar ou permitir que um terceiro consuma o ato libidinoso, por exemplo um homem que se masturba na frente da ofendida e a obriga a também fazer o mesmo em si própria, restando a esta apenas a opção de fazer o que o agressor manda, porque ele a ameaçou. Diante de tal hipótese se percebe a consumação do crime. Temos presente nesta cena ato libidinoso diversos da conjunção carnal e o constrangimento da pessoa que foi obrigada a praticar em si mesma este tipo de ato, por estar sendo ameaçada.

Compartilha desta mesma ideia Rogério Grego, mesmo parecendo ser minoritária, afirma que para se caracterizar o crime em comento basta existir o constrangimento, sob violência ou grave ameaça, para que a vítima pratique o ato libidinoso nela mesma sendo

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STJ, Pesquisa de Jurisprudência: “PENAL. RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONTATO FÍSICO COM A VÍTIMA. OCORRÊNCIA. CONSUMAÇÃO. RECURSO PROVIDO. I. Para a

configuração do delito descrito no revogado art. 214 do Código Penal, o legislador exige o contato físico com o ofendido. II. O ato de esfregar o pênis no rosto da vítima, por si só, é configurador do delito, eis que demonstrado o contato físico exigido pela norma.III. Ausência de ato impeditivo da consumação do delito.

IV. Recurso provido” (Processo:REsp 1173324 SP 2009/0249649-6. Relator. Ministro GILSON DIPP, Julgamento:01/03/2011 Órgão Julgador:T5 - QUINTA TURMA, Publicação: DJe 14/03/2011).

70 STF, Pesquisa de Jurisprudência: “[...] 6. Cumpre destacar que, na esteira do entendimento consolidado nesta

Corte Superior, a existência de contanto físico entre o agressor e a vítima, no crime de atentado violento ao pudor, tal como se dá na espécie, é suficiente para afastar a forma tentada do delito.7. Confira-se recente julgado:RECURSO ESPECIAL. PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONTATO FÍSICO ENTRE AGRESSOR E VÍTIMA. CONSUMAÇÃO. ATOS LIBIDINOSOS. RECONHECIMENTO DAS CONDUTAS CONCUPISCENTES.1. O crime de atentado violento ao pudor resta consumado quando, evidenciada a

existência de contato físico entre o agressor e sua vítima, mediante violência ou grave ameaça, ainda que o agente seja impedido de prosseguir na prática de atos libidinosos por fatores alheios à sua vontade.

(Processo: HC 99562 SP, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 19/08/2009. Publicação: DJe-161 DIVULG 26/08/2009 PUBLIC 27/08/2009).

supervisionada pelo ofensor, por exemplo.71