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Estudando as características obtidas com a análise do texto antigo do estupro, não haveria como deixar de falar em outro crime correlacionado a este, qual seja o chamado de posse sexual mediante fraude, também conhecido como estelionato sexual. Este delito sofreu uma alteração mediante a introdução da Lei Federal 11.106, de 28 de março de 2005, retirando de sua redação a palavra honesta, ou seja, este crime, para todos os efeitos de sua configuração, exigia do sujeito passivo (mulher) uma qualidade especial, isto é a de ser honesta.

É de se notar que a inserção no tipo penal de tal palavra (honesta) para qualificar uma pessoa do gênero feminino se mostrava um tanto quanto machista e preconceituosa, haja vista se tratar de um elemento cujo caráter se encontra na esfera subjetiva, incorrendo em várias divergências quando da sua interpretação. Exigia-se, portanto, do intérprete uma valoração moral, gerando, sem dúvida, insegurança jurídica, em face de cada pessoa trazer intrinsecamente o conceito de honestidade. Sem falar, por óbvio, que o dispositivo, com a inclusão desta nomenclatura, contrariava inúmeros princípios fundamentais expostos na Constituição Federal.

Já com o advento da reforma sofrida em 2005, o texto passou a ser tipificado como “ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude”, estabelecendo, ainda, para o autor uma causa de aumento de pena caso o delito fosse cometido “contra mulher virgem,

menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze) anos”.

Nota-se, de cara, que o texto do dispositivo absorveu um elemento comum do crime de estupro, ou seja, também colocou em sua redação a prática da conjunção carnal. Porém se estabelece que apesar desta semelhança, o crime de posse sexual mediante fraude possui algumas diferenças do crime de estupro. A saber, primeiramente, a mudança do verbo do tipo penal, pois enquanto o delito elencado no art. 213 do CP possuía a conduta de constranger, a posse sexual mediante fraude tem em seu texto o verbo “ter”. Aparentemente, tal mudança não seria muito significativa, pois a conduta do agente em ambos os crimes é

voltada para o mesmo fim (conjunção carnal). Entretanto, o fato de o verbo utilizado ser o “ter” pôs fim a uma discussão doutrinária, chegando a um consenso no tocante ao sujeito ativo do delito: caracterizando tão somente o homem como autor da conduta. Fato não ocorrido quanto ao crime de estupro, pois a denominação constranger abriu espaço para se cogitar de qualquer pessoa figurar no polo ativo da conduta criminosa, mesmo que tal entendimento não fosse considerado majoritário.

Em segundo, temos o meio pelo qual o autor do crime consegue obter a cópula vaginal: a fraude. E por tal palavra temos o uso de artifícios enganosos, ardis, manobras engenhosas do agente delituoso para conseguir o fim desejado com a ofendida. Posto isso, logo se percebe a diferença entre este meio e o do utilizado pelo sujeito ativo no estupro, isto é, neste o ofensor se valia da violência ou da grave ameaça, enquanto que no art. 215 do CP o delinquente se vale do erro da vítima, pois se soubesse das reais condições não cederia aos desejos do agente.

É de se notar que a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal relata a ocorrência de duas circunstâncias na qual a vítima incorreria na fraude, vale dizer na simulação de casamento e quando houvesse a substituição do marido na escuridão da alcova. Sabe-se que pela data da elaboração do Código Repressor, 1940, os hábitos sexuais não eram tão difundidos como atualmente, nem tampouco se falava nos desejos femininos. O sexo era um momento de satisfação sexual apenas masculina e/ou utilizado para a finalidade de procriação, então há de se entender a substituição do marido, por vezes que a maioria, ou todas, as relações mais íntimas eram tidas no escuro e sem maiores contatos físicos.

Para a simulação de casamento, também cabe a mesma justificativa, pois à época a regra era ter relação sexual somente após o casamento, sendo a mulher perfeitamente ludibriada pelo homem neste tocante. Sem falar na possibilidade de uma pessoa fingir ser outra seja no caso de irmãos gêmeos, ou não. Em todo caso, o importante para a configuração do delito é que a vítima estivesse viciada quanto ao consentimento de sua vontade, estando enganada com a realidade apresentada pelo delinquente.

No que diz respeito às demais características deste crime ora em exame, muito se assemelham ao do estupro, haja vista terem o mesmo objeto material, qual seja a pessoa do

sexo feminino; a consumação ser da mesma forma, conjunção carnal – introdução peniana na vagina-; tratar-se também de crime plurissubsistente; é cometido na forma comissiva, salvo na hipótese de o garantidor, agindo com dolo, permitir que a ofendida seja enganada (omissão imprópria); da mesma forma não há na legislação previsão de modalidade culposa, sendo a única aceita o sujeito ativo que age com o dolo; além do bem juridicamente protegido ser o mesmo, quais sejam os costumes, seguindo de forma mais ampla para liberdade sexual da mulher.

Cabe, ainda, inserir a hipótese de crime impossível quando a fraude fosse considerada grosseira, tornando o meio absolutamente ineficaz. Destarte, caso a mulher realizasse a conjunção carnal com o agente por este meio de enganação, não haveria crime, visto que o modo grosseiro não seria capaz de ludibriar a vítima, porém, deve-se sempre levar em conta o caso concreto.

Por fim, o mencionado artigo, 215 do CP, sofreu uma nova alteração em virtude da vigência da Lei Federal 12.015, de 7 de agosto de 2009 repousando no mesmo artigo, porém com a nomenclatura de violência sexual mediante fraude, oriunda da junção das antigas redações do art. 215 e do art. 216, este agora revogado.