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2.2 Atentado violento ao pudor – o revogado art 214 do Código Penal Brasileiro

2.2.1 Sujeitos do crime

Nota-se que, ao contrário do crime de estupro, o delito em questão pode ter como sujeito ativo qualquer pessoa não exigindo do agente qualquer condição ou qualidade especial. Quanto ao sujeito passivo também há de ser notada uma diferença do crime de estupro, pois enquanto aquele deixa explícito quem é considerado vítima – a mulher- o delito de atentado violento ao pudor não delimita quem seria o indivíduo constrangido, pois conforme a norma penal o fato se dá ao constranger “alguém”.

Logo, conclui-se que serão tidos como sujeitos passivos, para a caracterização do crime, tanto homens quanto mulheres. Isso porque por ato libidinoso se tem um rol amplo de condutas que podem ser praticadas tanto por homens quanto por mulheres, não se submetendo a uma única prática ou um único modo de execução, como acontece no crime de estupro, consumado apenas com a existência da cópula vagínica.

Mesmo não estando os atos libidinosos expressos na legislação ou na doutrina, estes possuem condutas consideradas tão gravosas quanto à conjunção carnal, portanto, o

59 MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. vol.II- parte especial: arts. 121 a

legislador não pretendeu fazer distinção destes dois delitos com relação à quantidade da pena imposta, possuindo ambos uma pena de reclusão de seis a dez anos.

Em suma, cabe destacar, ainda, que o ato libidinoso exigido para configurar o crime, quando este não for os já relatados atos de sexo oral, sexo anal, masturbação, toques nas partes íntimas, dentre outros mais gravosos, ou seja, quando as condutas praticadas pelo agente forem outras, como fetiches ou taras, desde que não ofendam a integridade moral, nem o pudor do homem médio estes atos não serão enquadrados como atos libidinosos.

2.2.2 Consumação e tentativa

Segundo constava no Código Penal, antes de sua revogação, o crime de atentado violento ao pudor seria caracterizado como “constranger alguém, mediante violência ou

grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. Assim temos que o delito em comento prescrevia que o agente tivesse em

desfavor da vítima uma conduta diversa da cópula vaginal, pois, caso contrário, o delito configurado seria o de estupro, quando o sujeito ativo fosse homem e o passivo fosse mulher. De tal forma, os atos enquadrados nesta conduta são dos mais diversos porque justamente não possuem rol taxativo.

O núcleo do tipo penal, verbo constranger, significa forçar, obrigar, compelir, tolher alguém a praticar ou permitir que se pratique com ela ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Para que reste configurado, também se faz necessário o uso da violência (vis corporalis ou vis absoluta) ou da grave ameaça (vis compulsiva). A violência é o uso da força física para forçar a vítima a praticar ou permitir que se pratique o ato libidinoso. A ameaça também pode ser escrita, gestual, direta, indireta, implícita ou explícita, podendo ser empregada contra a própria vítima ou contra pessoa ou bem que seja relevante para ela, produzindo uma alteração psicológica com a ameaça, passando a vítima a temer que o agente concretize o feito. Evidencia Damásio de Jesus que para a configuração do delito ora em análise, pouco importa que o agente esteja despido ou tenha contato com a vítima, observa-se:

Pouco importa, por outro lado, que o ofendido esteja vestido ou despido. Pratica o crime, aquele que despe uma jovem e lhe apalpa os seios desnudos com o emprego de violência ou grave ameaça. Da mesma forma pratica o crime aquele que, com emprego de violência ou grave ameaça, acaricia as partes pudendas de uma jovem por sobre o vestido. Não há necessidade de que a vítima pratique o ato libidinoso com o

autor do crime. Pode ser levada a praticá-lo com terceiro (ou a permitir que este o pratique) ou mesmo em si mesma, como na hipótese da automasturbação[...].60

O elemento subjetivo exigido do agente para a configuração do crime é o dolo, vontade livre e consciente de querer praticar a conduta incriminadora. Existia certa divergência na doutrina, tendendo alguns autores a aceitar que o dolo do delinquente deveria ser específico, ou seja, além ter a consciência da prática do crime, este deveria praticá-lo para satisfazer seus desejos sexuais. Assim entendia Heleno Cláudio Fragoso: “não será de reconhecer-se o ato libidinoso se não for praticado com esse fim especial, de satisfazer a própria concupiscência, pertencendo tal fim ao mesmo tempo, ao elemento subjetivo do crime e à antijuridicidade, como momento subjetivo do ilícito” 61.

Respeitando o entendimento acima, discorda-se do mesmo, sendo irrelevante para a configuração do crime o propósito pelo qual o autor resolve constranger alguém, usando de violência ou grave ameaça, para conseguir praticar ou permitir que com aquele se pratique a conduta. Pode o sujeito ativo agir movido por ódio, inveja, vingança, bem como também para a sua satisfação sexual. Assim como o estupro, não há na legislação previsão de sua modalidade culposa. Compartilha este entendimento Rogério Greco, asseverando que:

Basta, para efeito de reconhecimento do delito de atentado violento ao pudor, que o agente saiba, efetivamente, que com seu comportamento obriga a vítima a praticar ou a permitir que com ela se pratique um ato considerado libidinoso, diverso da conjunção carnal. O ato, por si só, considerado lascivo de acordo com o padrão moral médio, já será suficiente para a caracterização do delito tipificado no art. 214 do Código Penal, não havendo necessidade de se comprovar que o agente, por meio dele, tinha o objetivo de satisfazer a sua libido 62.

Relevante observar que a norma penal traz dois momentos distintos na redação do tipo: o primeiro seria a ideia de que a própria vítima vai praticar o ato (“constranger alguém a praticar), ou seja, o ofendido passa a ter uma posição ativa no delito. Já na segunda parte (“permitir que com ele se pratique”) a vítima permite que o agente, ou um terceiro a mando deste, pratique com ela ato libidinoso, passando ela a ser passiva. Cabe lembrar que nas duas hipóteses tais atos devem ser diversos da conjunção carnal para não desclassificar o crime.

60

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal- parte especial. Vol 3.p.103-104.14ªed. São Paulo: Saraiva,1999.

61 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, vol.II,p. 491. São Paulo, Livros Jurídicos – Edições

Próprias e Alheias, 1962.

Assim temos que a conduta tida como “praticar” se refere a executar, realizar, abrangendo com isso uma performance ativa da vítima (atitude comissiva), ou seja, neste caso seria ela própria quem realizaria o ato, como na fellatio in ore ou na masturbação. Já quando se analisa o termo “permitir” se tem o ato de consentir, autorizar a prática do ato libidinoso, sempre por meio de violência ou grave ameaça, tornando a vítima a ter uma atitude omissiva, haja vista a submissão desta aos desejos do agressor, cabendo a este a iniciativa de praticar a conduta delituosa63.

Portanto, o crime restará configurado quando o agente, dolosamente, constrange alguém sob o uso de violência ou grave ameaça para forçá-la a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso que fosse diverso da cópula vagínica. Embora seja um crime plurissubsistente, o reconhecimento da tentativa se torna de difícil constatação.

2.2.3 Conceituação do tipo penal

Diante do exame feito no crime de atentado violento ao pudor, surgem algumas classificações oriundas de tal análise. Da redação da norma penal, por não exigir dos participantes da conduta nenhuma adjetivação, ou seja, podendo ser sujeito ativo e passivo qualquer pessoa temos, primeiramente, um crime comum.

Da mesma forma do crime de estupro, a regra do crime de atentado violento ao pudor é sua forma comissiva, porém sempre deverá ser lembrada a hipótese da figura do garante, tornando assim o crime possível de ser omissivo impróprio, em face deste possuir o dever de evitar que a conduta se efetue.

Crime plurissubsistente, ou seja, dilatação do inter criminis; monossubjetivo significa que a conduta do núcleo é praticada por uma única pessoa; não transeunte conceituado como a prática do crime que deixa vestígio, neste caso dependendo do modo (violência física, constatação do sêmen, etc.) será objeto de perícia, mas caso não deixe será considerado crime transeunte, ou seja, o que não deixa vestígio.

O elemento subjetivo será o dolo, livre consciência do agente de querer praticar o ato descrito no tipo penal, devendo o ofensor ter pleno conhecimento de que aquela conduta

possui caráter libidinoso. É a vontade consciente de praticar a conduta típica, compreendendo o desvalor que a conduta representa64. Tal qual o estupro, também não se pune a modalidade culposa.

Por sua consumação depender da coibição da liberdade sexual do sujeito passivo, tem-se tal característica por crime material e de forma livre, valendo-se o agente para a execução das mais variadas formas de ato libidinoso, contanto que fosse diverso da conjunção carnal. Além disso, se na consumação se faz necessária lesão ao bem protegido, então se trata de crime de dano, bem como instantâneo, face o resultado ser imediato.