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4. ANÁLISE CRÍTICA DA REFORMA DO ARTIGO 213 DO CÓDIGO REPRESSIVO

4.2 A Retroatividade da lei penal mais benéfica: novatio legis in mellius

Quando os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor se encontravam em tipos penais distintos era aceitável a aplicação do concurso de crime, como por exemplo, no caso em que o agente visando ter conjunção carnal com a vítima, também pratica outro ato libidinoso, desde que no mesmo contexto fático e tal ato não fosse meramente preparatório à cópula vagínica. Observa-se que tal restrição deve existir, pois o fato deste ato libidinoso ser

112GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- parte especial- vol. III,p. 500. 9ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. 113 AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DELITOS DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR.

RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO OU DA CONTINUIDADE DELITIVA, ANTE O ADVENTO DA LEI Nº 12.015/09. IMPOSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS NO TOCANTE

AO CRIME ANTERIORMENTE PREVISTO NO ART. 214 DO CÓDIGO PENAL. Novel diploma legal que apenas alterou a capitulação da infração penal. Subsistência da autonomia das condutas. Somente há a

absorção do atentado violento ao pudor pelo estupro mediante conjunção carnal quando aquele é uma progressão deste. Jurisprudência do STJ e desta Corte. Incabível a unificação de penas quando não foram violadas as normas do concurso de crimes (LEP, art. 66, III, 2ª fig.). Não há crime continuado se os delitos não tiverem as mesmas condições de maneira de execução e outras semelhantes (CP, art. 71, caput). A simples prática reiterada de infrações demonstra que se trata de delinquente habitual, fazendo do crime uma profissão e demonstrando um desajuste social incorrigível. Precedentes pretorianos. Negado provimento ao agravo (TJ/SP, AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL- EP- Nº 1134503820118260000,. Rel. Des. Penteado Navarro, 9ª Câmara de Direito Criminal, julgado em 24/11/2011, publicado em 28/11/2011). (destaque nosso)

114APELAÇÃO CRIME. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. 1. PRELIMINAR. LEI N. 12.015/2009. ABOLITIO CRIMINIS. INOCORRÊNCIA. A partir das alterações trazidas pela Lei n. 12.015/2009, as condutas antes previstas nos arts. 213 e 214 do CP como tipos penais independentes, passaram a integrar um único tipo penal, o de estupro, no art. 213 do CP. Incabível, pois, falar em abolitio criminis.

2. AUTORIA. Palavra da vítima, nesta espécie de delito, assume especial relevância, ainda mais quando prestada de forma firme e coerente, aliada aos demais elementos probatórios dos autos, confirmando a versão dos fatos. (TJ/RS, APELAÇÃO CRIME Nº 70042127175. Rel. Des. Marlene Landvoigt, 8ª Câmara Criminal, julgado em 30/11/2011, publicado em 16/12/2011). (destaque nosso).

preparatório seria absorvido pelo crime de estupro.

Porém, antes da vigência da Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009, havia divergência entre os estudiosos penais com relação a qual tipo de concurso deveria ser aplicado na hipótese retratada acima. Existiam os que defendiam pela aplicação do crime continuado, quando os requisitos do art. 71 do CPB116 fossem cumpridos, vez que o estupro e o atentado violento ao pudor seriam enquadrados como crimes de mesma espécie, ocasionando um aumento de pena de um sexto a dois terços. Seguia este pensamento o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por exemplo117. Corroborando com o entendimento do TJ de Minas Gerais, também se observa o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) 118.

116

Art. 71,CP (crime continuado): “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”.

117

CRIMES CONTRA OS COSTUMES - ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO- CRIME CARACTERIZADO - PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA - SUBMISSÃO DA VÍTIMA A EXAME DE CORPO DE DELITO - IRRELEVÂNCIA - CRIME QUE NEM SEMPRE DEIXA VESTÍGIOS - CONDENAÇÃO MANTIDA - CRIME CONTINUADO - RECONHECIMENTO -ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR SEM LESÃO CORPORAL GRAVE OU MORTE - NATUREZA NÃO HEDIONDA - REGIME INTEGRALMENTE FECHADO - NÃO CABIMENTO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - O reconhecimento do atentado violento ao pudor não está adstrito à constatação pericial dos atos libidinosos, já que estes, por sua natureza não deixam vestígios. - Quando o ato libidinoso praticado não puder ser compreendido entre aqueles próprios antecedentes da cópula normal, não há como considerá-los como parte do crime de estupro, mas como atos próprios do delito de atentado violento ao pudor. - Tendo em vista que tanto o crime de atentado violento ao pudor quanto o de

estupro ofendem a liberdade sexual, deve incidir a regra do crime continuado. - Há continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor cometidos nas condições do artigo 71 do CP contra uma mesma vítima. - O estupro e o atentado violento ao pudor, desde que deles não resulte lesão

corporal grave ou morte, não são hediondos, razão pela qual o regime de cumprimento das penas em razão deles fixada não pode ser o integralmente fechado. - Em razão de recente decisão proferida pelo STF nos autos do HC nº 829598, segundo a qual o artigo 2º, parágrafo primeiro, da Lei nº 8.072/90 é inconstitucional, fica vedado estipular o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena. ( TJ/MG APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0439.05.038081-5/001, RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES, 2ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgado em 19/10/2006, publicado em 02/11/2006).(destaque nosso)

118PENAL – HABEAS CORPUS – ESTUPRO – ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR –CONFISSÃO

ESPONTÂNEA – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – CONTINUIDADE DELITIVA RECONHECIMENTO – POSSIBILIDADE – CRIMES PRATICADOS ANTES DA EDIÇÃO DA LEI

11.464/2007 – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA – REINCIDÊNCIA – PENA-BASE FIXADA NO PATAMAR MÁXIMO – IMPOSSIBILIDADE DE AGRAVAMENTO DA PENA – PEDIDO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA A ORDEM, EM PARTE, DE OFÍCIO. I. Inviável o exame originário por este Superior Tribunal de Justiça de tese não debatida perante a Corte a quo (reconhecimento da atenuante da confissão espontânea), sob pena de inequívoca e indevida supressão de instância, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. II. É possível a continuidade delitiva entre o

estupro e o atentado violento ao pudor, por tutelarem bens jurídicos pessoais da mesma espécie. III. Após

Seguindo posicionamento diverso e juntamente com a jurisprudência dominante, outros autores entendiam por aplicar o concurso de crime material, haja vista tais delitos não possuírem a mesma tipificação penal, pois embora do mesmo gênero não seriam da mesma espécie. Sobre o assunto, defende nosso Pretório Excelso:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR,PRATICADOS DE FORMA INDEPENDENTE. MESMA VÍTIMA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE.OCORRÊNCIADE CONCURSOMATERIAL.PRECEDE TES. 1. A jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal recusa o

reconhecimento da continuidade delitiva se os crimes de estupro e atentado violento ao pudor são praticados de forma autônoma, ainda que em desfavor da mesma vítima. 2. No caso, o atentado violento ao pudor não foi praticado como

"prelúdio do coito" ou meio para a consumação do crime de estupro. Ao contrário, o ato libidinoso diverso da conjunção carnal ocorreu em momento posterior ao crime de estupro. Atividade criminosa que ainda contou com o crime de roubo. Precedentes. Habeas corpus indeferido. (HC 95629 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. CARLOS BRITTO Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 16/12/2008 Publicação 13/03/2009). (destaque nosso)119

Contudo, após o acoplamento das referidas condutas sob a figura do art. 213 do CP- estupro- a ideia da continuidade teve sua discussão doutrinária e jurisprudencial eliminada, pois se antes os delitos de conjunção canal e atentado violento ao pudor estavam dispostos em artigos distintos, não sendo estes da mesma espécie, atualmente com ambas as condutas sob o mesmo nomen júris, não se pode cogitar que são de espécies diferentes. Logo, havendo as mesmas circunstâncias de tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes, não se pode negar a incidência do crime continuado. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal: “se o impedimento para reconhecer a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor residia tão-somente no fato de não serem crimes da mesma

espécie, entendidos, pela ilustrada maioria, como fatos descritos pelo mesmo tipo penal, tal

permitida a progressão de regime para apenados por crimes hediondos ou equiparados[...]. (HC 99810 / SP HABEAS CORPUS 2008/0024006-4 Relator(a) Ministro OG FERNANDES (1139) Relator(a) p/ Acórdão Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (8145) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 07/10/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 19/12/2008). (destaque nosso)

119

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28concurso+material+estupro+atentado +violento+ao+pudor%29%28%40JULG+%3E%3D+20070101%29%28%40JULG+%3C%3D+20081231%29& base=baseAcordaos. Data do acesso: 14/05/2012.

óbice foi removido pela edição da nova lei” 120.

O dispositivo passou a prevê mais de uma forma de consumação da conduta e não há necessidade de que todos os resultados previstos sejam realizados para que o crime reste configurado, ou seja, qualquer um deles basta, por isso se tem um tipo misto alternativo. Entretanto, cabe observar que o sujeito ativo pode vir a dar causa a mais de um resultado, como por exemplo, realizar conjunção carnal e um ou mais atos libidinosos diversos daquele, mediante uma ou mais ações. Caso ocorra tal possibilidade se considera a existência do concurso de crimes ou um concurso aparente de crimes. Este se caracteriza pela existência de uma só ação e, aparentemente havendo mais de um resultado, um deles se encontre absorvido pelo outro, como no caso de mediante violência ou grave ameaça, o agente delituoso constrange a vítima e tem com ela cópula vaginal mas, para tanto, pratica outros atos libidinosos. Ressalta-se, porém, que se tais atos estiverem contidos dentro do inter criminis da conjunção carnal não se pode considerá-los como autônomos ou independentes da conjunção.

Esta gama de atos, beijos, abraços, manipulações das partes íntimas e outros equivalentes, são chamados de praeludia coiti, isto é, atos libidinosos que, embora diversos da conjunção carnal, estão completamente contidos no inter criminis dessa e pelo princípio da consunção, ficariam absorvidos por ela. Obviamente que se antes do advento da Lei Federal 12.015 de 7 de agosto de 2009 isso já impedia o concurso entre as condutas dos arts. 213 e 214 (revogado), ambos do Código Repressor Pátrio, com sua entrada em vigor nada foi alterado. O ofensor que praticar o crime de estupro com as características descritas acima incorrerá apenas uma vez nas sanções do atual estupro.

Contudo, há de ser notado que em havendo tanto a introdução peniana na vagina quanto ato libidinoso diverso deste e este ato não configurar como praeludia coiti, isto é, seja realizado com desígnio autônomo, existirá, por óbvio, concurso de crime, já que de tal ação decorreu pluralidade de resultados. Deve ser estudado apenas se o resultado decorreu de uma só ação (hipótese de concurso formal) resultando na ocorrência de dois ou mais atos libidinosos (seja ou não um deles a conjunção carnal), se foi mediante duas ou mais ações (concurso material) ou se foi o caso de continuidade delitiva quando houver identidade nas

120BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. HC 86.110/SP, 2ª Turma, julgado em

circunstâncias de tempo, lugar, meio de execução e outras.

Na contramão do exposto acima, há quem defenda que a nova redação passou a ser um tipo misto cumulativo, devendo quando da aplicação da pena computar mais de um estupro caso tenha havido mais de uma modalidade descrita no tipo, sendo todas autônomas. Discorre Vicente Greco Filho que a situação em face do atual art. 213 do CP é a mesma de quando eram os antigos 213 e 214, ou seja, a cumulação de crimes e penas continua sendo aferida da mesma forma, se entre eles há, ou não, relação de consequencialidade. Acredita o autor que não é pelo fato dos tipos agora estarem fundidos formalmente em um único artigo que a situação mudou, o estupro quando cometido por conjunção carnal absorve é o ato libidinoso em progressão àquela e não o ato libidinoso autônomo e independente.121

Aderindo a esta corrente, a 5ª turma do STJ entendeu que o novo art. 213 se trataria de crime misto cumulativo, ou seja, a cópula vagínica e o ato libidinoso diverso deste cometidos contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático deveriam ser punidos de forma individual, caso o sujeito ativo praticasse ambas as condutas, somando-se as penas. O Ministro Félix Fischer, em seu voto, relatou: “se praticada uma penetração vaginal e outra anal, neste caso jamais será possível a caracterização da continuidade”, ainda continuou “a execução de uma forma nunca será similar a da outra. São condutas distintas”. De acordo com o ministro supra, o reconhecimento do tipo misto alternativo enfraqueceria a proteção da liberdade sexual.

Acompanhando este pensamento, a Ministra Laurinda Vaz apontou que “antes da edição da Lei 12.015/2009, havia dois delitos autônomos, com penalidades igualmente independentes: o estupro e o atentado violento ao pudor. Com a vigência da referida lei, o art. 213 do CP passa a ser um tipo misto cumulativo. (...) tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento qualitativo do tipo injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mesmo depois de o legislador tê-las inserido num só artigo de lei” 122. Portanto, de acordo com o entendimento aplicado pelo STJ haveria a aplicação do crime de

121

FILHO, Vicente Greco. Uma interpretação de duvidosa dignidade. Escola Paulista da Magistratura. Disponível em: www.espm.sp.gov.br/internas/artigosview.aspx?id=2859. Acesso em 25/05/2102.

122BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, HC 104724/MS, 5ª turma. Julgamento: 22/06/2010, rel. Min. Jorge

atentado violento ao pudor, ou seja, a segunda parte do art. 213 com a primeira do mesmo dispositivo, ou seja, em cúmulo material.

Apesar dos argumentos explanados, discorda-se deste posicionamento. O recém- criado art. 213 é composto de uma oração alternativa, pois as condutas “constranger alguém” e “praticar ou permitir” é interligado por um “ou”, logo a simples leitura levaria a uma interpretação alternativa. Nesse passo, decidiu os nossos tribunais em menos de um ano da vigência do novo texto123 e ainda continua sendo aplicada pela jurisprudência:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO DA PENA. ESTUPRO (ART. 213, CP) E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (ART.

214, CP). LEI 12.015/2009. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. PRECEDENTE. CRIME MISTO ALTERNATIVO.

OCORRÊNCIA DE CRIME ÚNICO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Não há falar em inconstitucionalidade da interpretação dada ao novel art. 213 do

código penal, que passou a abarcar a hipótese de atentado violento ao pudor, devendo a lei n. 12.015/09, por ser mais benéfica, de aplicação obrigatória, portanto, retroagir para beneficiar o réu, aplicando-lhe apenas uma pena. 2. Caracterizada a novatio legis in mellius, deve a lei nova mais benéfica retroagir para beneficiar o réu, nos termos do artigo 5º, inciso xl, da constituição federal, e do art. 2º, parágrafo único, do código penal. 3. Passou a nova lei, que entrou em vigor em 10-agosto-2009, a prever

abstratamente o delito de estupro e atentado violento ao pudor como sendo delito único, misto alternativo, devendo-se afastar o concurso material de crimes. 4. No

que tange a dosimetria da pena, nos termos da lei n. 12.015/2009, deverá ser refeita pelo juízo das execuções penais, refazendo-se a análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do código penal. 5. Recurso parcialmente provido. (AGRAVO. Nº 197437820108070000 DF 0019743-78.2010.807.0000. Relator(a): Des. ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal. Julgamento: 17/03/2011. Publicação: 07/04/2011). (destaque nosso)124

Diante da alteração legislativa, com base na CFB – art. 5º, XL125- e no Código

123

A propósito do princípio da reserva absoluta de lei formal em matéria penal (art. 5º, XXXIX, CF/1988), o

atributo da tipicidade mista alternativa é de imperioso reconhecimento no caso da sucessão legislativa em foco, uma vez que houve uma patente instituição de fungibilidade entre as condutas justapostas no novo art. 213 do estatuto repressivo, vislumbrada a partir de sua disposição plurinuclear e pelo emprego do termo “ou” – “(...) a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”-, encerrando, por isso mesmo, um conteúdo variado, mas com a restrição no sentido de que mesmo em havendo a prática de mais de uma das condutas descritas- numa mesma situação fática- o agente responde apenas por um delito. Assim, a Lei 12.015/2009, ao conferir nova redação ao art. 213 do CP,

instituiu a tipicidade mista alternativa, cuja aplicação repele a possibilidade de concurso de crimes entre o estupro e o atentado violento ao pudor em suas redações pretéritas, de ordem a inviabilizar a dupla punição.(APELAÇÃO CRIME 2009.014002-6, 2ª Câmara Criminal. Rel. Des. Salete Silva Sommariva. Julgamento 12/01/2010).

124

BRASIL. Tribunal do Distrito Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em:

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18699720/rag-197437820108070000-df-0019743-7820108070000- tjdf. Acesso em 26/05/2012.

Penal pátrio – art. 2º, parágrafo único126-, tornou-se unânime o posicionamento, tanto dos estudiosos quanto da jurisprudência, em afirmar que a nova redação do art. 213 do CPB deveria ser aplicada de forma retroativa, face a mesma ter sido uma novatio legis in mellius. Observa-se que a retroatividade cabe tanto aos investigados, processados ou condenados nos moldes do concurso material antes aplicado. O STJ também se posicionou para ratificar o entendimento da retroatividade da Lei 12.015/2009, por se tratar de lei mais benéfica para o agente 127. Nesse sentido, tem-se o julgado de Minas Gerais:

REVISÃO CRIMINAL- REEXAME DE PROVAS- PEDIDO INDEFERIDO- CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL- EDIÇÃO DA LEI 12.015 – ‘NOVATIO LEGIS IN MELLIUS’- 1. Não se constituindo a ação revisional numa espécie de segunda apelação, mas uma estreita via pela qual é possível modificar o trânsito em julgado para sanar erro técnico ou injustiça da condenação, não se presta para o reexame das provas exaustivamente examinadas pelo Julgador originário e pelo Órgão Colegiado por ocasião do julgamento da apelação, as quais não foram desconstituídas por qualquer elemento novo de convicção, é de rigor o indeferimento do pedido revisional nessa parte. -2. Tendo entrado em vigor a Lei nº 12.015/2009,

revogando expressamente o art. 214 do Código Penal, e alterando a redação do art. 213 do referido diploma, englobando, neste dispositivo, as antigas condutas relativas aos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, trata-se, sem qualquer dúvida, de ‘novatio legis in mellius’, que de acordo com o princípio da retroatividade inserto no art. 5º, XL, da CF e no § único do art. 2º. do CP, tem aplicação imediata, devendo, portanto, serem excluídas da condenação as penas relativas ao delito de atentado violento ao pudor praticado no mesmo contexto do delito de estupro.-3. Pedido revisional parcialmente deferido. (TJ/MG. REVISÃO

CRIMINAL Nº 1.0000.08.488483-2/000, Rel. Des. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS, 1ª Câmara Criminal, julgado em 08/03/2010, publicado em 16/04/2010)

126 Art. 2º parágrafo único,CP: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos

anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.

127 ESTUPRO E ATENTADO AO PUDOR. CRIME ÚNICO. RETROATIVIDADE DO ART. 213. JUÍZO

EXECUÇÃO. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CRIME CONTINUADO x CONCURSO MATERIAL. INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 12.015/09. MODIFICAÇÃO NO PANORAMA. CONDUTAS QUE, A PARTIR DE AGORA, CASO SEJAM PRATICADAS CONTRA A MESMA VÍTIMA, NUM MESMO CONTEXTO, CONSTITUEM ÚNICO DELITO. NORMA PENAL MAIS BENÉFICA. APLICAÇÃO RETROATIVA. POSSIBILIDADE. 1. A Lei nº 12.015/09 alterou o Código Penal, chamando os antigos Crimes contra os Costumes de Crimes contra a Dignidade Sexual. 2. Essas inovações, partidas da denominada "CPI da Pedofilia", provocaram um recrudescimento de reprimendas, criação de novos delitos e também unificaram as condutas de estupro e atentado violento ao pudor em um único tipo penal. Nesse ponto, a

norma penal é mais benéfica. 3. Por força da aplicação do princípio da retroatividade da lei penal mais favorável, as modificações tidas como favoráveis hão de alcançar os delitos cometidos antes da Lei nº 12.015/09. 4. No caso, o paciente foi condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor, por ter

praticado, respectivamente, conjunção carnal e coito anal dentro do mesmo contexto, com a mesma vítima. 5. Aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, o apensamento referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir. 6. Ordem concedida, a fim de, reconhecendo a prática de estupro e atentado violento ao pudor como crime único, anular a sentença no que tange à dosimetria da pena, determinando que nova reprimenda seja fixada pelo Juiz das execuções.(HC 144870, Relator Min. OG FERNANDES, SEXTA TURMA, STJ, julgado em 09/02/2010, DJe 24/05/2010) (destaque nosso).

(destaque nosso)128.

Atenta-se para algumas situações que devem ser consideradas em se tratando da aplicação do novo art.213 do Código Penal. Primeiramente, observa-se o caso de inquéritos já