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O antigo legislador não previu na redação anterior à reforma os tipos qualificadores para o crime de estupro nem para o do atentado violento ao pudor, porém trazia no revogado art. 223 do Códex Penal as formas qualificadoras para tais condutas, no Capítulo IV – Disposições Gerais- do Título VI do CP.

O art. 213 do atual Código Penal trouxe claramente no seu texto duas modalidades para qualificar o crime, parágrafo 1º e 2º, respectivamente: quando resultar lesão corporal de natureza grave ou quando a vítima for menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze); quando resultar morte. Lê-se nas lesões corporais de natureza grave as elencadas no art.129, §§ 1º e 2º do CP97.

Nota-se ao analisar o revogado art. 223 da legislação penal que uma das qualificadoras, qual seja a lesão corporal, seria aplicada quando decorresse da violência, enquanto que o parágrafo 1º do atual art. 213 do CPB evitou discussões ou distorções na aplicação do dispositivo quando, nitidamente, estabeleceu que será considerado estupro qualificado se da conduta decorre lesão corporal, ou seja, se do comportamento para cometer o delito resultar lesão corporal de natureza grave na vítima restará configurada a qualificadora. Importante ressaltar que a lesão corporal deve decorrer da violência, ou seja, faz-se necessário haver nexo causal entre a força física empregada pelo sujeito ativo contra o ofendido e a lesão sofrida por este.

É notório que os costumes sexuais mudaram bastante desde a elaboração do Código Penal – anos 40- até os dias atuais. Os conceitos e os pudores foram modificados, tendo as pessoas deste século comportamentos bem diferentes das do século passado. Mesmo

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Art. 129, CP: “Lesão corporal de natureza grave. § 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 2° Se resulta: I - Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incuravel; III perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto: Pena - reclusão, de dois a oito anos.

diante dos novos tempos, com o início da vida sexualmente ativa cada vez mais cedo, principalmente entre os indivíduos de nível econômico mais baixo98, ainda é de conhecimento público que pessoas com idade menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze) são consideradas adolescentes99e merecem proteção especial. Portanto, inovou o legislador quando resolveu incluir tal circunstância (menor de 18 anos e maior de 14 anos) como qualificadora do crime. Observa-se ainda que a conduta cometida com este tipo de vítima pode ser preterdolosa ou não, ressalvando o fato de que em sendo o sujeito passivo menor de 14 (quatorze) anos o crime será o elencado no art. 217-A (estupro de vulnerável) do Código Repressor pátrio: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14

(catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.”

Uma violência sob a ótica sexual é traumática para qualquer indivíduo, podendo causar transtornos psicológicos, tornando mais gravosa quando em desfavor de uma pessoa que ainda não possui a formação física e mental completa. Tal ato deve ter uma reprovação social e uma aplicação de pena mais severa para o agente. Inovando o legislador, portanto, neste assunto já que a pena para o resultado morte foi majorada, sendo no passado uma pena máxima de 25 (vinte e cinco) anos, enquanto que no atual texto foi elevada para 30 (trinta) anos.

A aplicação destas qualificadoras se tornou divergente entre alguns autores. Defendendo a possibilidade da aplicação na modalidade somente a título de culpa, tornando- se o crime em questão preterdoloso e seguindo a tendência majoritária, esclarece Rogério Greco:

No entanto, deve ser frisado que esses resultados que qualificam a infração penal somente podem ser imputados ao agente a título de culpa, cuidando-se, outrossim, de crimes eminentemente preterdoloso. [...] Isso porque somente quando a conduta do agente produzir uma lesão corporal de natureza grave, prevista no § 1º do art. 129 do Código Penal, é que a pena mínima, se somada àquela prevista para o crime de estupro, ficaria com um déficit de um ano, ou seja, se somadas as penas mínimas do

98A baixa renda familiar e pouca escolaridade são fatores fortemente associados à prática sexual precoce,

conforme revela a pesquisa. Jovens com até quatro anos de estudos apresentam maior risco (41%) de iniciar vida sexual mais cedo do que os que possuem 12 anos ou mais de estudo. A vulnerabilidade social entre os jovens impõe a necessidade de trabalhar mais cedo, assumir maiores responsabilidades com o próprio sustento e dos que com ele moram, antecipando em anos algumas condutas, inclusive a sexual", acreditam os estudiosos. Disponível em: http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=inicio-precoce-vida-sexual. Acesso em 27/05/2012.

99 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a

estupro (6 anos) com a da mencionada lesão corporal (1 ano), o total seria 7 (sete) anos, enquanto a qualificadora prevista no §1º do art. 213 do diploma repressivo prevê uma pena de reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos. Em todas as demais hipóteses, a soma das penas serão maiores ou, pelo menos, iguais àquelas previstas para o estupro qualificado. Dessa fora, o agente deve ter praticado sua conduta no sentido de estuprar a vitima, culposamente, a causar-lhe lesões graves ou mesmo a morte100.

Aderindo a entendimento diverso, ensina Cezar Bitencourt que a qualificadora pode derivar tanto do dolo quanto da culpa:

Se o agente houver querido (dolo direto) ou assumido (dolo eventual) o risco da produção do resulto mais grave, as previsões destes parágrafos não deveriam, teoricamente, ser aplicados. Haveria nessa hipótese, concurso material de crimes (ou formal impróprio, dependendo das circunstâncias): o de natureza sexual (caput) e o resultante da violência (lesão grave ou morte). Curiosamente, no entanto, se houver esse concurso de crimes dolosos, a soma das penas poderá resultar menor do que as das figuras qualificadas, decorrente da desarmonia do sistema criada pelas reformas penais ad hoc. Por essas razões, isto é, para evitar esse provável paradoxo, sugerimos que as qualificadoras constantes nos §§ 1º e 2º devem ser aplicadas, mesmo que o resultado mais grave decorra de dolo do agente. Parece-nos que essa é a interpretação mais recomendada nas circunstâncias, observando-se o princípio da razoabilidade101.

Ainda há os que entendem que “todo resultado qualificador pode ser alcançado pelo dolo ou pela culpa, exceto quando o legislador deixa bem clara a exclusão do dolo, tal como fez no art. 129, §3º, Código Penal” 102.

Salienta-se que se o resultado agravador da pena resultar de caso fortuito ou força maior, o agente não será responsabilizado pelas qualificadoras, conforme preceitua art. 19 do CPB103. Ou seja, para que o autor do delito possa ser enquadrado no tipo qualificado este deverá, ao menos, prever a possibilidade de ocorrer as lesões graves ou até mesmo a morte com sua conduta.

Importante notar que com as novas qualificadoras figuram as causas de aumento de pena, encontradas no art. 226 do Adjetivo Repressor104. Ainda neste âmbito, tem-se o art.

100GRECO, Rogério. Curso de direito penal parte especial. 9ª ed. Vol III. P.467 e 468. Rio de Janeiro: Impetus,

2012.

101

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. vol. 4. p .52. 4ªed. São Paulo: Saraiva, 2010.

102 NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a Dignidade Sexual- comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de

2009. p 26. São Paulo: revista dos tribunais. 2009.

103

Art. 19,CP: “Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.”

104 “A pena é aumentada: I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;

II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;”

234-A do mesmo diploma, prevendo aumento de pena para todos os crimes cometidos elencados no Título VI- Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual: “Nos crimes previstos neste

Título a pena é aumentada: I- VETADO; II- VETADO; III - de metade, se do crime resultar gravidez; e IV - de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador”. Este artigo trouxe duas inovações

que reforçaram a mudança do objeto jurídico protegido no passado, qual sejam os costumes representando a moralidade pública, para tutelar a dignidade da vítima e as consequências que esse crime sexual acarreta ou pode acarretar na saúde física e/ou psíquica dela.

Outro assunto que gera discussões na doutrina é quando se trata de existir, ou não, a tentativa qualificada de estupro. Por exemplo, se o agente, com intuito de praticar o crime de estupro, vem antes a lesionar gravemente a vítima ou causa-lhe a morte, não havendo conjunção carnal. Neste caso resta configurado o estupro consumado qualificado ou a tentativa qualificada de estupro?

O renomado autor Luiz Regis Prado entende pela consumação do delito na forma qualificada105. Apesar de este ser o entendimento que prevalece na doutrina, a justificativa torna o fato contraditório ao esclarecer que o delito é consumado na forma qualificada mesmo sem ter havido a consumação do estupro.

Porém, em sentindo contrário ao supramencionado, Rogério Greco considera:

[...] raciocinando no contexto de um Estado Social e Democrático de Direito, não podemos permitir que essas falhas sejam consideradas em prejuízo do agente. Não podemos simplesmente considerar como consumado um delito que, a toda prova, permaneceu na fase da tentativa, raciocínio que seria, esse sim, completamente contra

legem, com ofensa frontal à regra determinada pelo inciso II do art. 14 do Código

Penal. Dessa forma, entendemos como perfeitamente admissível a tentativa qualificada de estupro106.