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A lei federal 12.015 de 2009 modificou, além do Título VI do Código Penal, o texto que definia os tipos penais de estupro e atentado violento ao pudor, passando a figurar os dois delitos sob uma só norma intitulada de estupro- art. 213 do CP, cuja redação virou:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos:

Pena- reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. §2º Se a conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

A respeito do significado da conjunção carnal a expressão permaneceu no atual texto penal, bem como não houve modificação no tocante ao seu significado, porém a diferença reside quando se fala dos possíveis sujeitos, tanto ativo quanto passivo, do delito em questão, conforme alteração trazida pela lei supra. Em sua antiga previsão era fácil perceber quem poderia figurar nos polos da relação: ofensor – sempre homem, salvo exceções já relacionadas no item 2.1.1- e ofendido – sempre a mulher, não importando sua religião, idade, estado civil, condição econômica ou profissão.

Com o advento da nova estrutura do texto penal, percebe-se que tanto a mulher quanto o homem pode ser sujeito ativo e/ou passivo da relação e apesar de ter sido recebida com surpresa, tal ideia já era adotada em outros países77. Nota-se, porém, que o significado de

77O art. 164 do CP português estabelece: “Quem , por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse

fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos”. Já o Código espanhol reza no seu art. 179: “Cuando la agresión sexual consista em acceso carnal por via vaginal, anal o bucal, o introducción de miembros corporales u objetos por alguna de las dos primeras vias, El

responsable será castigado como reo de violación con la pena de prisión de 6 a12años”. O Código venezuelano prevê no art. 374: “Quien por medio de violencias o amenazas haya constreñido a alguna persona, de uno o de otro sexo, a um asto carnal por vía vaginal, anal u oral, o introducción de objetos por alguna de las primeras vias, o por via oral se le introduzca um objeto que simulen objetos sexuales, El responsable será castigado, como

conjunção carnal permanece o mesmo – introdução do pênis do homem na vagina da mulher – mas, ao contrário do conceito anterior, a mulher poderá “forçar” este tipo de relação com um homem, logo neste caso ela será o sujeito ativo e o homem o sujeito passivo do crime, diferentemente do texto pretérito, quando este tipo de conduta poderia ser enquadrada em constrangimento ilegal.

No que diz respeito aos outros atos libidinosos serão estes estipulados como quaisquer outros, com exceção da cópula vaginal, independente de ser uma relação heterossexual ou homossexual. Portanto, não restam dúvidas de que na atual temática abordada pela norma penal, tanto o homem quanto a mulher serão considerados como autor e/ou vítima do delito.

Pode-se dizer que tal alteração reflete a isonomia dos sexos, já preceituada na Magna Carta de 1988, no qual foi tratado o gênero masculino e feminino de forma equivalente para os crimes praticados por eles, passando a proteger não só a mulher violentada pelo homem, mas também o homem que sofre agressão pela mulher, por outro homem ou a mulher violentada sexualmente por outra mulher. Ou seja, o legislador tratou com o mesmo respeito a dignidade e a liberdade sexual do ser humano, sendo irrelevante determinar seu gênero ou orientação sexual.

3.3 Consumação e tentativa

A alteração da redação do estupro ao unir as duas figuras distintas, art. 213 e 214, ambos do CP, conseguiu trazer isonomia para crimes sexuais praticados tanto contra homem quanto contra mulher, pois há muito se questionava se o objeto a ser protegido não seria o mesmo, a liberdade e a dignidade sexual, portanto por não haveria motivo de existir essa diferenciação na norma penal. Passando o atual crime de estupro a ser definido como o fato de alguém ser constrangido, sob o uso de violência ou grave ameaça, para que o agente consiga obter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com a vítima se pratique outro ato libidinoso, desde que diverso da cópula vaginal. Notando-se neste tipo penal as características advindas tanto da antiga redação do art. 213 quanto do revogado art. 214.

imputado de violación, con la pena de prisión de diez años a quince años. Si El delito de violación aqui previsto se há cometido contra uma niña, nino o adolescente, la pena será de quince años a veinte años de prisión.

Para o delito ora examinado restará configurado o fato quando o agente, atuando sob o emprego de violência ou grave ameaça, constranger a vítima a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso.

A violência relatada no texto penal deve ser a vis corporalis, utilização da força física para obrigar o ofendido ao ato descrito na norma. Com relação à ameaça, também permaneceu o entendimento de que esta deve ser grave, vis compulsiva, podendo ser direta, indireta, escrita, gestual, etc. O que se deve levar em conta na ameaça é o temor que ela causará no sujeito passivo, alterando seu estado emocional e psicológico, passando a temer que o autor concretize o fato.

Importante observar que devido à alteração do texto penal, o crime em tela passou por mudanças quando se trata da sua classificação doutrinária. Antes da reforma de 07 de agosto de 2009, já foi demonstrado que o pensamento majoritário dos autores era o de enquadrar o crime de estupro em crime próprio, pois somente seria considerado estupro se houvesse a cópula vagínica, tanto para o sujeito ativo (apenas o homem) quanto para o sujeito passivo (somente a mulher).

Devido à alteração do título penal, o bem juridicamente protegido passou a ser tanto a liberdade sexual como a dignidade da pessoa humana. Ressaltando-se que por liberdade sexual temos o direito do indivíduo de dispor do próprio corpo para fins de realização dos atos sexuais. O objeto material protegido pelo crime são todas as pessoas, independente do gênero ou orientação sexual, tendo em vista que a conduta criminosa é dirigida contra tais pessoas. Portanto, diferentemente de outrora, o objeto será tanto o homem quanto a mulher, extinguindo em definitivo o pensamento que somente a mulher figuraria como objeto material da conduta. Ratificando a mudança, Tiago Araújo expõe o que influenciou a mudança na mentalidade do legislador:

A eleição da mulher para figurar como vítima exclusiva de alguns delitos sexuais, se deu no passado porque, na época em que foi elaborado o Código Penal, acreditava-se que o sexo feminino, mesmo em crimes praticados sem violência merecia receber tratamento especial, à parte do conferido aos homens, face a uma suposta “condição biossociológica” da mulher. Procurou o legislador justificar uma proteção maior para a mesma “a partir da noção de diferenciação dos sexos”, que impõe a tutela penal para

aquela, que seria mais fragilizada e desprovida que o homem.78

O dolo continua sendo o elemento subjetivo necessário para a caracterização do delito. Observa-se a irrelevância que o agente atue com o propósito de satisfazer seu desejo sexual, sua libido. Entretanto, para uma parte dos estudiosos do assunto o dolo deveria ser do tipo específico, consistindo da satisfação da lascívia. Ao que pese este posicionamento, não se compartilha do mesmo, haja vista que por mais que o estupro tenha esta finalidade, nem sempre isto ocorrerá, pois pode ser que o sujeito ativo haja movido por ódio, vingança, sadismo, dentre os mais variados motivos. Ou seja, para haver o dolo não necessita que haja elemento subjetivo específico, bastando para isso o dolo genérico, isto é, a vontade do agente em querer realizar o ato mediante violência ou grave ameaça.

A conduta dolosa se encontra no fato de o autor ter a consciência e de querer ter alguma relação sexual com o ofendido constrangendo o mesmo, seja através da cópula vagínica ou de ato libidinoso diverso, sendo de menor importância os motivos que ensejaram tal ação para fins de configuração do crime. Tal conduta não encontra previsão na legislação quando se tratar de modalidade culposa.

No que diz respeito à consumação do crime, quando a conduta do ofensor for dirigida finalisticamente para a conjunção carnal, o delito restará consumado com a penetração do pênis na vagina, não sendo necessário ser total nem haver ejaculação, nem tão pouco orgasmo. Caracteriza-se o crime independente da ocorrência de immissio seminis e do rompimento da membrana himenal.79 Quando se tratar dos outros atos libidinosos este estará consumado quando o sujeito ativo obrigar a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique estes atos. Como exemplo, o agente, sempre se utilizando de violência ou grave ameaça, constrange o ofendido a ter fellatio in pennilingus (sexo oral), coito inter femora, sexo anal, uso de objetos ou instrumentos corporais para introduzir no sujeito passivo80, tocar o corpo do autor ou a vítima a tocar no próprio corpo. Haja vista não possuir rol taxativo do

78ARAÚJO, Tiago Lustosa Luna de. O(s) novo(s) crime(s) de estupro: Apontamento sobre as modificações

implementadas pela Lei nº12.015/2009. Disponível em: http//jul2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13307. Acesso em:27/05/2012

79

NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Direito Penal-parte geral e especial.p.381. 4ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2008

80PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p. 601. 2ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais.

que poderia ser considerado ato libidinoso, ou não, seria impossível elencar todas as hipóteses.

A título de complementação, importante de faz observar que o delito restará consumado mesmo que a vítima não tenha consciência do ato que está sendo praticado contra ela, como no caso de crianças. Ainda neste tocante, deve-se analisar o consentimento e o grau de resistência do sujeito passivo. Para o primeiro, temos que se não há constrangimento do ofendido, sob violência ou grave ameaça, para que com ele o autor efetive o crime, ou seja, se o sujeito passivo consentiu o fato não haverá qualquer tipo de crime, salvo para os casos acobertados pelo art. 217-A (estupro de vulnerável). Consequentemente, exige-se da vítima um esforço em não querer a realização do ato, porém a atitude da mesma não precisa se dá até o esgotamento de suas forças ou de modo heróico, até porque esta se encontra sob grave ameaça e/ou violência. Observa-se também que a escusa deve ter igual duração do ato, pois se a vítima rejeita no início, mas depois sede aos apelos do autor, o crime está descaracterizado.

Outra questão que deve ser entendida é a desistência voluntária em face do novo art. 213 do CP. Muito embora tenhamos um rol bastante amplo em se tratando de atos libidinosos e do mesmo dispositivo também contemplar a possibilidade da conjunção carnal, ainda sim seria possível a utilização do art. 15 do Código Repressivo: “o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.

3.4. Conceituação do tipo penal

Com a adesão do crime de estupro e do atentado violento ao pudor em um mesmo tipo penal, deve-se separar a conjunção carnal do ato libidinoso diverso deste para uma melhor classificação quanto aos sujeitos do delito. Diferentemente da classificação dada ao texto antigo, com a possibilidade de haver tanto o gênero masculino quanto o gênero feminino figurando como agente e vítima do delito em questão, em se tratando da cópula vagínica, agora é possível falar em crime de mão própria, no que diz respeito ao sujeito ativo, pois que exige deste uma atuação pessoal.

Quando da análise do sujeito passivo, ainda na esfera da primeira parte do artigo 213 (“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal”), este

será classificado como crime próprio, pode ser ofendido tanto o homem quanto a mulher, uma vez que o conceito de conjunção carnal exige a relação heterossexual. Passando a verificar a segunda parte do tipo penal (“[...] a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”), o ato libidinoso que seja diverso da conjunção carnal poderá ser cometido por qualquer pessoa (agente) contra qualquer indivíduo (vítima), não sendo necessária nenhuma especificidade com relação aos sujeitos envolvidos no crime, logo para este ato estaremos diante do chamado crime comum.

O resultado naturalístico obtido é o constrangimento da vítima à liberdade sexual, com possíveis lesões físicas e/ou traumas psicológicos, classificando-o como crime material. Como pode ser praticado apenas por uma única pessoa, seja homem ou mulher, é considerado crime monossubjetivo. Ainda nesta seara, a conduta criminosa se materializa através de uma só conduta, não se protraindo no tempo o resultado do cometimento do crime, logo se enquadra na classificação de crime instantâneo e de forma livre, haja vista possuir mais de um tipo de conduta que caracterizaria o cometimento do delito, ao contrário do texto pretérito que só seria considerado estupro se houvesse conjunção carnal.

Ademais, trata-se de crime doloso, exigindo sempre do agente sua vontade livre e consciente de querer praticar a conduta disposta na norma penal, não se exigindo do mesmo dolo específico de satisfação da lascívia. Mesmo com a reforma, continuou sem admitir a modalidade culposa. E por haver real lesão em bem juridicamente protegido para que o delito reste consumado, temos um crime de dano.

Em se tratando de crime plurissubsistente é perfeitamente cabível a modalidade tentada, não se compartilhando o pensamento de alguns estudiosos do assunto quando diz que qualquer ato preparatório seria o necessário para a consumação do estupro81. Permaneceu a classificação quanto à modalidade comissiva, comportamento positivo do autor, e a possibilidade da modalidade omissiva imprópria quando se tratar das situações elencadas no CPB com relação às pessoas com status de garantidor.

81 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto; FÜHRER, Maximiliano Cláudio Américo. Código penal comentado,

3.5 Ação Penal nos moldes do art. 225 do Código Penal e o advento do Segredo de