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Destaco outro encenador-pedagogo, o alemão Bertolt Brecht (1898 a 1956), importante também para o desenvolvimento desta pesquisa, principalmente no que se refere ao período das peças didáticas (lehrstücke); mas também com a quebra da quarta parede, no retorno ao teatro épico e a elaboração do efeito de estranhamento (Verfremdungseffekt) –proposto para os espectadores com o objetivo destes não entrarem emotivamente na fábula, mas questioná-la e até transformá-la.

A peça didática de Brecht fundamenta esta investigação por conta de seu caráter poético-pedagógico, no sentido de formação – diante do seu objetivo de fazer o espectador ao atuar, aprender. Todavia, o que se investiga aqui é a possibilidade da formação do espectador através de uma proposta de pedagogia do olhar e de sua inserção na criação da cena através da aula-espetáculo “O quinto criador: O público”.

Para muitos críticos e especialistas, o período brechtiano das peças didáticas é considerado como uma fase de transição ou de imaturidade, ou seja, tentam desqualificá-las como se fossem algo menor ou de pouca importância artística.

Segundo Ingrid Koudela (2010), o termo peça didática foi introduzido por Brecht. Ele o difundiu, mas não se limitou a definir um conceito ou regras. Durante suas experimentações, através de suas observações e anotações, deixou pistas para que outros estudiosos pudessem refletir sobre o seu trabalho.

Assim, Walter Benjamin (apud KOUDELA, 2010), um desses estudiosos, defende que a peça didática– pela pobreza de aparatos utilizados –simplifica e aproxima a relação do público com os atores e vice-versa. Cada espectador é, portanto, ao mesmo tempo, observador e atuante. Da mesma forma, Reiner Steinweg (apud KOUDELA, 2010) contrapõe o pensamento de que as peças didáticas foram à expressão do período de transição marxista vulgar de Brecht. Ele afirma que não foi a peça épica de espetáculo que conduziu a um modelo de ensino e aprendizagem, apontando para um “teatro do futuro”, mas sim a peça didática. Steinweg (op. cit., p. 36) sinaliza que “a peça didática ensina quando se é atuante, não quando se é espectador [...] o atuante, ao realizar determinadas ações, ao assumir determinadas atitudes, repetir determinados gestos etc., seja influenciado socialmente”.

Ainda segundo Koudela, Brecht, através de seus escritos sobre suas experiências, deixou-nos o texto “Para uma teoria da peça didática”, no qual afirma que “a peça didática ensina quando nela se atua, não quando se é espectador. Em princípio, não há necessidade de espectadores, mas eles podem ser utilizados” (BRECHT apud KOUDELA, 2010, p. 17).

Sobre a atuação e a realização da peça épica e da peça didática, Steinweg (apud KOUDELA, 2010) parte do princípio de que a regra básica da peça didática é a atuação sem espectadores e que os padrões estéticos válidos para a construção de personagens nas peças épicas não têm função na peça didática. Koudela (2010) destaca que a criação coletiva e artística realizada pela peça didática acontece pela imitação e crítica de modelos e atitudes, comportamentos e discursos.

Para Hans-Thies Lehmann (2010b), o período no qual Brecht propôs um teatro novo foi o das peças didáticas, considerado intermediário entre a primeira fase do autor jovem e a fase do teatro épico, por volta de 1930. Um teatro que não é mais frontal, de intérpretes e espectadores, no qual encenar seria incentivar o pensamento histórico. Sobre o Brecht do período clássico do teatro épico, o autor enfatiza: “foi uma solução e compromisso com a situação de exílio” (p.17).

Lehmann (2010a) lembra que o termo “peça didática”, de acordo com a tradução dada por Brecht para learning play, significa peça de aprendizado. Para ele, muitas pessoas pensam que o referido termo tem a ver com a ideia de doutrina a transmitir, o que, segundo o autor, é exatamente o contrário, de modo que não seria exagero dizer que a peça didática brechtiana seria a precursora da performance:

Os aprendizes são aqueles que estão jogando e participando. Não o público. O conceito, pois, da peça didática dos anos de 1920 é uma ideia de um teatro sem um público passivo. Se você começa a investigar essa palavra, como eu fiz em meu livro, percebe como essa palavra vai sendo cada vez mais questionável, o aprender e o aprendizado. Este é um texto bem antigo e a gente pode exagerar um pouquinho e dizer que esse conceito da peça didática faz parte da pré-história da performance, não de um teatro didático no sentido tradicional. (p.242)

Após o período da peça didática como ressaltado acima, Brecht desenvolveu o que chamou de teatro épico: uma fusão dos gêneros dramático e

épico em um modelo de teatro pensado a partir de uma visão historicizada, crítica e marxista que, posteriormente, foi defendido como um teatro dialético, assim chamado em oposição ao gênero dramático, de inspiração aristotélica.

O objetivo da tragédia, para Aristóteles, era provocar a katharsis, ou seja, através de um envolvimento emocional do espectador com a ação trágica, estimular e gerar a compaixão e o temor. Isso levava necessariamente, a plateia, a identificar- se com o sofrimento do herói trágico. Já na peça brechtiana essa identificação é repelida. Brecht acreditava que se o espectador se envolvesse emocionalmente, perderia a capacidade de refletir criticamente. O efeito de estranhamento é buscado, portanto, para interferir no fluxo dessas emoções passionais e, principalmente, para possibilitar uma visão racional e, por conseguinte, crítica dos fatos.

Cleise Mendes (2008) destaca a trajetória do conceito da “catarse”, suas possíveis consequências e como pode ter influenciado os modos de criação e recepção, sob o ponto de vista de diferentes pensadores e enfoques, desde Aristóteles, passando por Nietzsche, Freud, até chegar a Brecht. A autora afirma que a catarse aristotélica é ressignificada em Brecht:

O que suas peças têm de novo a oferecer é a direção tomada pelas emoções. O leitor/espectador, diante de algo que lhe é mostrado como “podendo não ser assim”, como não-fatal, diante da imagem de um mundo passível (e necessitado) de transformação, seria levado a sentir-se potencialmente como um transformador [...]. Brecht substitui o mito elegíaco por um mito utópico: emociona o espectador com a desmitificação da fatalidade, ou da suposta “naturalidade” dos sacrifícios humanos (como a guerra, em Mãe coragem). É nisso que consiste a catarse brechtiana: o espetáculo de seres potencialmente capazes de mudar sua realidade. (p. 05) Para Hubert (2013) a catarse aristotélica levava à purgação devido à mímesis e, com isso, a identificação do público pelos personagens que os atores imitavam. A autora ainda afirma que o efeito de estranhamento (efeito V.) concebido por Brecht – também denominado de distanciamento ou afastamento a depender da tradução – nasceu do procedimento teatral pelo qual Adolph Hitler hipnotizava a multidão, na Alemanha pré-nazista dos anos 30. Diante disso, ela aponta que no contexto histórico vivido, a política se teatraliza e Brecht, então, resolveu “destreatralizar” o teatro para manter constante o senso crítico do espectador.

Algumas características são apresentadas pela autora que podem ajudar na melhor compreensão do que seria o teatro épico brecthiano: A utilização da

prolepse (antecipação dos acontecimentos); o espectador não deve viver o que vivem os personagens, mas questioná-los; os personagens não são mais apresentados pelos diálogos – seus nomes podem ser apresentados por si mesmos para o público ou projetados em uma tela; a presença do recitador (narrador); a ação é importante; as relações que unem ou opõem os personagens (dialética); a história que estão engajados; o indivíduo foi descentralizado pelo coletivo; a fragmentação da ação através do recurso dos songs (música) e, por fim, o gestus social (conjunto de gestos ou fisionomias que predominam em determinado grupo de pessoas).