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2.1 CARTOGRAFIA DE UMA ESPECTADORA

2.1.1 Por que dedicar-me a uma pedagogia do olhar?

Sempre me vi, primeiramente, como uma espectadora.

Quando comecei a fazer teatro, em 1992, na Oficina de Preparação de Ator (OPA) – uma extinta oficina de extensão da Escola de Teatro da UFBA – não tinha qualquer contato anterior com a linguagem teatral. Percebi que precisava achar uma maneira de me aproximar mais dessa prática. Busquei conviver mais com o teatro: apreciar, sentir, ler, ouvir, praticar, experimentar e vivenciar.

Nesse sentido, dediquei o ano inteiro da mencionada oficina a uma imersão teatral total, no que se refere ao novo círculo de amizades; aos novos locais de lazer – como os bares frequentados por essa classe artística – e a participar de outras oficinas que apareciam, ou seja, a frequentar assiduamente espaços que proporcionassem o encontro, o diálogo e o conhecimento. Observava tudo e todos.

Ampliava aos poucos um olhar sobre o modus vivendi, na tentativa de compreender o modus operandi tão distante da minha realidade naquele momento.

Durante esse período, assistia a duas, três ou mais peças em cartaz por final de semana na cidade de Salvador. Espetáculos produzidos na Bahia, de outros estados e até de outros países. Sentia, ao mesmo tempo, encantamento e curiosidade. Não lembro como escolhia as peças que via, talvez por sugestões ou comentários de colegas ou dos professores da oficina.

Em 1993, ingressei no curso de bacharelado em Interpretação teatral, mas logo percebi que meu lugar não era em cima do palco como atriz. Em paralelo, intuitivamente, comecei também a dirigir e a dar aulas de Teatro. Após finalizar essa graduação, o ensino me fez retornar à Universidade para cursar a Licenciatura.

Depois, ingressei no Mestrado em Artes Cênicas, defendi a dissertação intitulada “A travessia do narrativo para o dramático no contexto educacional”, na qual analisei a possibilidade de que a adaptação de um texto narrativo-romance para o texto dramático pudesse favorecer ao ensino de Dramaturgia no Ensino Fundamental, especificamente Sétima e Oitavo anos, e estimular a formação do aluno-leitor.

Agora, no Doutorado, não me afastei da ênfase na leitura, no que diz respeito ao leitor-espectador, porém, investigo a possibilidade deste sujeito também ser criador da cena.

Frequentemente, algumas pessoas que conheço afirmam que “quem faz, não vê teatro”. Atualmente, talvez por ainda estudar, continuo a apreciar espetáculos teatrais. Não vejo tantos como gostaria, mas continuo uma espectadora assídua e curiosa. Mais capacitada, com um olhar mais exigente, mais especializado. Sobre essa emancipação gradual como espectadora, cito Flávio Desgranges (2006):

A conquista da linguagem teatral pelo espectador implica o desenvolvimento de um senso estético e um olhar crítico – olhar armado, exigente, atento à qualidade do espetáculo, que reflete sobre os fatos apresentados e não se contenta em ser apenas o receptáculo de um discurso monológico, que impõe um silêncio passivo. A aquisição da linguagem teatral capacita o espectador a interpretar a obra, desempenhando uma efetiva participação no fato artístico e assumindo a autoria da narrativa apresentada mantendo viva sua possibilidade de construção e reconstrução da história. (p. 172).

O cinema dividiu minha atenção. Sou fascinada pela referência inicial da imagem por meio da televisão e, posteriormente, pelo cinema. Facilmente me encanto ou me emociono mais com filmes do que com peças que assisto. O teatro me encanta pela aproximação do público com a cena e com o ator. O cinema me seduz pela capacidade de levar o público para onde o filme desejar.

Não abandonei o olhar de espectadora.

Por um lado, como diretora-encenadora, tento inserir na cena comportamentos humanos ou situações observadas no meu cotidiano, nas leituras que faço do mundo e/ou dos acontecimentos contemporâneos, os quais são escolhidos naturalmente pelos meus desejos e interesses; por outro, considera-se extremamente pertinente que o professor de Teatro sempre se relacione e esteja aberto ao “material” que os alunos trazem para a sala de aula.

Aproveita-se a cultura trazida desse universo dos educandos – a exemplo de linguagem, estética, temas e interesses – transformando-a em “material” para a criação artística produzida por eles. Nesse sentido, além de respeitar o que é trazido por esses sujeitos, faz-se necessário considerar as culturas global, regional e local. Rejeita-se a segregação cultural na educação, tal como é defendido por Paulo Freire.

No campo da pedagogia do Teatro, os estudos de Desgranges (2003) sinalizam a importância da experiência da apreciação de espetáculos na formação dos alunos. O autor ressalta que “formar espectadores não se restringe a apoiar a frequentação, é preciso capacitar o espectador para um rico e intenso diálogo com a obra, criando assim, o desejo pela experiência artística” (p. 29). Além disso, à medida que os alunos assistem a espetáculos de diferentes estilos, eles desenvolvem, a partir da análise, a contextualização, a escrita, o senso crítico e estético, como também destaca, ao defender a pedagogia do espectador:

A pedagogia do espectador está calcada fundamentalmente em procedimentos adotados para criar o gosto pelo debate estético, para estimular no espectador o desejo de lançar um olhar particular à peça teatral, de empreender uma pesquisa pessoal na interpretação que se faz da obra, despertando seu interesse para uma batalha que se trava nos campos da linguagem. Assim se contribui para formar espectadores que estejam aptos a decifrar os signos propostos, a elaborar um percurso próprio no ato de leitura da encenação, pondo em jogo sua subjetividade, seu ponto de vista, partindo de suas experiências, sua posição, do lugar que ocupa na sociedade. A experiência teatral é única e cada espectador descobrirá sua forma

de abordar a obra e de estar disponível para o evento. (DESGRANGES, 2003, p. 30).

Busco, então, desenvolver, nas aulas, o olhar dos alunos diante de suas produções ou por meio da apreciação de espetáculos.