• Nenhum resultado encontrado

VSEVOLOD MEYERHOLD: CONVENÇÃO CONSCIENTE E O QUARTO CRIADOR

Na época que iniciei a busca de textos que tratassem do espectador como criador, encontrei um artigo intitulado “O quarto criador da cena narrativa”5

, de Ligia Borges Matias (2010), no qual a autora, de maneira breve, discute a participação do espectador ao longo da história do teatro e traz uma provocação sobre a possibilidade de o público ser considerado também um agente criador da cena narrativa.

Foi daí que, no início dos estudos, resolvi pensar o espectador como o quinto criador no processo de criação do espetáculo, considerando assim, o ator (primeiro criador); o dramaturgo (segundo criador); o diretor (terceiro criador); a equipe técnica (cenógrafo, iluminador, figurinista, sonoplasta, dentre outros, quarto criador) e o público, como o quinto criador da cena. Embora, para mim, eles não obedecem necessariamente a uma ordem hierárquica, pois, também defendo o processo colaborativo como metodologia de criação. O encenador-pedagogo russo Vsevolod Meyerhold (1874 a 1942) foi basilar para a compreensão da proposta aqui pesquisada, ainda que ele tenha pensado o espectador como quarto criador e não

5 - Digital, disponível nos Anais do VI Congresso em Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas –

acreditasse na harmonia da criação – no que diz respeito à inclusão do cenógrafo, do sonoplasta, do iluminador, dentre outros, nos processos de concepção cênica.

Observei durante os experimentos realizados com as aulas-espetáculo “O quinto criador: O público” que a horizontalidade da relação entre espectadores e artistas (atores, dramaturgos, diretores, cenógrafos, iluminadores, figurinistas, dentre outros), tal como executado na minha proposta, possibilita a desmistificação do fazer artístico, levando o público – particularmente aquele pouco habituado a participar de eventos e processos de criação teatral – a conhecer como os artistas concebem suas escritas cênicas. O percurso pelo qual um tema, um objeto, ou uma proposta pode ser concretizado em discurso cênico construído durante o encontro, ainda que de maneira breve e pontual. Além disso, a referida horizontalidade estabelece condições favoráveis para que esses espectadores percebam-se como artistas em potencial, já que podem observar suas ideias e sugestões transformarem-se efetivamente em teatro.

Repensei, portanto, a classificação ou categorias establecidas por mim em relação aos possíveis criadores da cena.Repensei a classificação ou categorização que dei ao público como o quinto criador. Aliás, reavaliei todas as classificações relacionadas a quem é o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto ou o quinto criador da cena e resolvi por meio desta investigação questioná-la e trazê-la como mais um ponto para reflexão no decorrer desta pesquisa.

Essa observação foi esclarecedora porque durante a realização dos experimentos, a horizontalidade da relação entre espectadores e artistas da cena, tal como executado na minha proposta não favorece ou enfatiza a possibilidade de hierarquização.

De todo modo, se não analisarmos o contexto histórico, idos de 1907, no qual Meyerhold se preocupou em registrar os quatro pilares para seu teatro – o autor, o diretor, o ator e o espectador –poderá mesmo soar ingênua, hoje, esta categorização, porém,foi extremamente relevante para sua época.

Com o simbolismo, Jean-Jacques Roubine (2003) destaca que, “pela primeira vez desde o classicismo, a representação se via desligada da obrigação mimética e da sujeição a um modelo inspirado no real” (p. 121). Nesse período, as propostas cênicas de Adolph Appia e Gordon Craig mudaram as concepções do uso do espaço e da iluminação no teatro.

Em busca da teatralização e negando o mimetismo ditado pelo naturalismo, Meyerhold, como sinaliza Matteo Bonfitto (2001, p. 49), “amplia as possibilidades de construção da ação, elabora procedimentos que antecedem a interpretação e aprofunda o jogo perceptivo entre ator e espectador buscando novas associações por meio do desenho preciso do movimento”.

Em suas primeiras tentativas em prol de um teatro de convenção consciente, Meyerhold propôs um processo de reteatralização – assumiu a artificialidade da convenção teatral, procurando não mais copiar a realidade, mas ressignificá-la por meio da construção de novos códigos:

Meyerhold chega ao teatro da „convenção consciente‟, onde o espectador é considerado, juntamente com o autor, o encenador e o ator, o quarto criador do espetáculo, embora faça desmistificado, consciente em todo momento de que o ator representa, assim como este não esquece por um só instante que está compondo um quadro expressivo e significativo. (GUINSBURG, 2001, p. 62).

Para Jacó Guinsburg (op,cit), foi a partir das pesquisas de Meyerhold, relacionadas à estética simbolista, que começaram a ser realizados, no teatro russo, experimentos de oposição à tendência de distinguir e isolar os universos da cena e da plateia, característicos das experiências realizadas por Stanislavski, por exemplo. Meyerhold propunha a retomada da significação social do teatro e a coparticipação entre atores e públicos com vistas a uma criação conjunta do acontecimento cênico.

Ele trouxe, portanto, através de suas experiências, algumas contribuições para este trabalho, ao associar o espectador ao quarto criador, o que pode ser verificado quando escreveu sobre os dois métodos da arte da direção

[...] que tratam diferentemente a relação entre o ator e o diretor: um dos métodos inibe a liberdade criativa não apenas do ator, mas também do espectador. O outro liberta não apenas o ator, mas também o espectador, forçando o último a não apenas contemplar, mas a criar (ainda que um primeiro momento apenas na esfera da fantasia). Os dois métodos se abrem, se colocarmos as quatro bases do teatro (autor, diretor, ator e público). (MEYERHOLD, 2012, p. 71). A seguir, um dos métodos, apresentados por Meyerhold, considerado por ele inibidor da liberdade criativa não só do ator, mas também do espectador.

Esquema2 - Método de abstração do jogo cênico de Meyerhold. Esquema 1 –Método de inibição criativa, segundo Meyerhold.

Espectador Diretor

Autor Ator

Fonte: Adaptado de MEYERHOLD, 2012.

O outro método, de acordo com Marie-Claire Hubert (2013, p. 260), propõe que a “abstração do jogo cênico liberta a imaginação do espectador. Meyerhold que não procura fazer da cena um reflexo do real, rejeita a ilusão e pede a este, em contrapartida, uma real participação”:

--- Autor Diretor Ator Espectador

Fonte: Adaptado de MEYERHOLD, 2012.

Meyerhold afirmava, então, que o teatro possuía quatro bases – autor, diretor, ator e espectador. Pelo segundo método elaborado por ele, observa-se, uma horizontalidade nas relações entre artistas e espectadores, entretanto, não mencionava o cenógrafo, o figurinista, o maquiador, o sonoplasta, dentre outros, como criadores também fundamentais para o acontecimento teatral.

O teatro denota sempre uma desarmonia entre os criadores, que mesmo assim se apresentam coletivamente ante o público. O autor, o ator, o diretor, o cenógrafo e o músico nunca se fundem idealmente em seu trabalho criativo(op.cit, p. 69). Provavelmente, por não acreditar na harmonia entre os artistas da cena teatral, sinalizava sua opinião acerca do processo coletivo de criação.