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2. O CABELO DA (O) NEGRA (O) RESSIGNIFICADO: CONSTRUÇÃO

2.4. O que fazia a cabeleira das mulheres: o paradigma Pluralidade Capilar por meio da

2.4.3. Black Power na Cabeça

Até aqui pode-se perceber que a RB representa o cabelo para construir positivamente um outro olhar em relação aos fenotípicos para a população negra, sobretudo os cabelos, que vai em direção contrária do que até então foi massivamente imposto por correntes racistas, atribuindo desprezo e estereótipos aos atributos físicos dos negros denominando, por exemplo, o cabelo de “ruim”. A RB, assim, introduz elementos para que os sujeitos destituam os preconceitos e valores negativos que interferem na formação de uma identidade, produzindo uma identidade negra positiva do sujeito e coletivamente, principalmente quando é pautada a assunção do cabelo crespo como podemos perceber na figura seguinte.

Figura 17 – Black Power na cabeça

58 Observa-se na figura 17 usa a expressão Black Power, que como já foi mencionado anteriormente, o cabelo solto no qual se aproxima com o cabelo natural crespo, é apresentado por diversos modelos, inclusive igual ao corte dos líderes do Panteras negras. Além disso, igualmente as outras imagens, a RB traz um esquema “antes e depois” para mostrar ao leitor que o cabelo, que antes incomodava por sofrer processos de químicas, poderia voltar a ser crespo e lindo. Embora a RB aborde técnicas inerentes ao uso do cabelo crespo, dicas práticas de como manipular o cabelo, produtos e modelos capilares, essas características apresentam pontos comuns: possibilidade de elevação da auto estima e o orgulho identitário. Juntamente com a imagem, a RB traz discurso que remete ao cabelo crespo um sentido de importante e especial do corpo negro, igualando o cabelo como um Poder Negro quando afirma: “Black Power na cabeça” ao afirmar que cada vez mais os negros estão assumindo os seus valores. Em suma, em todas as imagens da RB analisadas no estudo, nota-se que ela fomenta uma representação positiva do cabelo seja ele natural, com uso químico ou natural crespo. Ao trazerem assuntos de beleza, a RB como uma revista midiática que tinha seu público-alvo, os negros brasileiros, que abordava temas como comportamentos, moda, e sobretudo, estética, torna-se uma revista relevante para as mulheres negras na década de 90 e no campo da beleza, exaltou o cabelo do negro como meio importante de afirmação positiva de identificação para as mulheres.

2.5 O novo paradigma: da Raça Brasil à Transição Capilar

A trajetória da RB é marcada por diversas mudanças internas que ocorreram desde a retirada do slogan inicial “a revista dos negros brasileiros”, e editoriais, ocasionando, segundo Santos (2004), mudança até na abordagem em relação à negritude. Enquanto na primeira fase se falava mais sobre a valorização do negro e de sua auto-estima, na segunda fase era comum abordar questões sobre o pertencimento negro, mas sem muito destaque. (SANTOS, 2004, p.162). Santos (2004) reforça sobre essa mudança que

Os aspectos que diferenciam a primeira e a segunda fase da revista Raça Brasil se referem ao slogan, à capa, ao editorial e à matéria principal. O slogan A revista dos negros brasileiros, que vinha no topo da capa da Raça Brasil, deixa de constar da publicação a partir da edição nº 36, no quarto ano de existência da revista. A capa da revista, nesse sentido, perde um pouco da força do seu significado. Embora o nome Raça e as imagens de afrodescendentes tenham forte significado, o slogan reforçava ainda mais a questão da segmentação étnica da revista, além do fato incomum de se ter uma publicação de grande repercussão, voltada para o público negro. Em relação à segunda fase, uma possível razão para a não existência do slogan está na opção da

59 editora em criar um novo projeto gráfico com menos elementos, apresentando cores 161 de fundo mais claras, assumindo, com isso, um perfil mais próximo ao de uma revista de moda, deixando de ser tão voltada à variedade, como vinha sendo até então. (Santos, 2004, pp. 161-162)

Entretanto, observamos nas edições da segunda fase que inicia em 2003 e no que refere-se ao cabelo, a RB continuou lançando matérias que envolviam usos e técnicas capilares como representação e símbolo relevante do sujeito negro. Além disso, não foi observado disparidades com a representação do cabelo, texturas, modelos, cortes dado pela revista entre a primeira e segunda fase. Contudo, pode-se pontuar algumas mudanças na abordagem capilar: mesmo mantendo artigos que abordavam sobre o cabelo, há diminuição nas chamadas e nos editoriais, em relação a primeira fase, como podemos notar nas duas capas da revista a seguir.

Figura 18 – Capa da Revista Raça Brasil Figura 19 – Capa da Revista Raça Brasil sem chamada sobre cabelos 1 sem chamada sobre cabelos 2

Fonte: Revista Raça Brasil, nº 183, São Paulo, Fonte: Revista Raça Brasil, nº 192, São Paulo, Ano: Ano: 2013 2014.

Em algumas revistas, a RB optou por incorporar aspectos mais gerais que envolviam a beleza e moda, como por exemplo, maquiagem para pele negra. Nas figuras 18 e 19 por exemplo, observa-se nas chamadas das capas diversas matérias, inclusive sobre maquiagem pela negra, mas não há artigos que abordem sobre cabelo. Mas, apesar do pouco destaque

60 capilar na RB, o cabelo continuou sendo um instrumento importante no que tange às questões da negritude, sobretudo, enfatizava o uso capilar de todas as maneiras.

Cinco anos depois do início da segunda fase da RB, surgiu no Brasil no ano de 2008 um novo paradigma sobre o cabelo: a Transição Capilar. Se no padrão Pluralidades Capilares as cabeleiras das mulheres negras tinham tendências múltiplas, a transição capilar vem no intuito de retornar plenamente ao cabelo crespo natural e desta vez, por uma via única, sem químicas.

Figura 20- Encontro do paradigma Pluralidade Capilar com a Transição Capilar .

61 Encontramos na edição do ano 2013, nº 180 da figura anterior, uma reportagem que fala sobre um grupo chamado Meninas Black Power (MBP). Esse coletivo, segundo a descrição, é formado por mulheres negras que tratam sobre o cabelo crespo e o retorno ao cabelo natural que acorre através da transição capilar. É um grupo composto por mulheres de todo o Brasil e se reúnem virtualmente pelas redes sociais. Caracterizamos esse momento com o encontro entre os dois paradigmas. Mesmo com as lutas para conscientização de valorização do povo negro por meio dos movimentos negros e também com a popularização de afirmação positiva dos fenotípicos negros no meio midiático, a RB ressalta que ainda a dominação de produtos químicos na sociedade brasileira. Em direção contrária, a MBP com influências de mulheres dos Estados Unidos, retornou ao cabelo crespo com o intuito de voltar a ser o que era antes do alisamento. Para a RB, tal fenômeno chamado de Transição Capilar além de ser uma conscientização política, seria também um movimento estético e estilo de vida.

Aqui, observamos o encontro dos quatro paradigmas nessa edição. O retorno que exalta do cabelo crespo começa a ganhar destaque em relação ao Cabelo Alisado, e também traz discussões iniciais às particularidades da Transição Capilar, e ao mesmo tempo, por meio do título da chamada do artigo, o Black Power é evidenciado e associado à autoestima, identidade e estética dos sujeitos negros. Por meio desse encontro, chegamos aqui com alguns questionamentos. Quais as características dos paradigmas capilares que exaltam o cabelo crespo? Como a Transição Capilar positiva e/ou redefine a identidade feminina negra? Tal processo seria resistência do corpo da mulher negra? Quais as características dessas paradigmas, sobretudo a Transição Capilar, que levaram as mulheres das cidades de Salvador e de Aracaju a passarem por esse processo? Posto isso, convidamos ao leitor a seguir conosco nessa empreitada para refletirmos sobre o que começou a fazer a cabeleira das mulheres negras nos dias atuais.

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3 SOLTO, ARMADO E NATURAL: OS PARADIGMAS DOS CABELOS CRESPOS