• Nenhum resultado encontrado

2 PADRÕES EM PAUTA

3 MÚSICA BRASILEIRA NA FRANÇA

3.2 NOVOS ANDAMENTOS

3.2.1 Bossa Nova na França

A bossa nova foi o primeiro gênero musical a ser citado como referência da música do Brasil por quase todos os entrevistados na pesquisa empírica. Para eles, esta música ainda é a preferência do grande público francês, como afirmou, na entrevista empírica, Jean-Paul de Boutellier, diretor do Festival Jazz à Vienne:

música de Jobim e de todos os outros músicos da época, como João Gilberto, é a música mais popular ligada ao Brasil. Depois vieram músicos do Nordeste como Gilberto Gil etc, mas a primeira música brasileira, que vem sempre à cabeça dos franceses, é a bossa nova.

A música brasileira desperta o interesse dos franceses desde o século XIX, entretanto ela não era totalmente individualizada de outras músicas produzidas na América Latina, misturadas todas em um “caldeirão”. O samba, por exemplo, era confundido com as músicas caribenhas; Carmen Miranda cantava músicas brasileiras vestida de baiana estilizada, acompanhada por tocadores de maracas cubanas. Desde o início de sua carreira internacional, o propósito da cantora era representar os latinos de maneira geral, não apenas o Brasil, o que contribuiu para compor uma imagem unitária das músicas produzidas do México para baixo. A bossa nova foi o primeiro gênero musical a se consolidar no imaginário francês como proveniente do Brasil. Existem algumas explicações para a ocorrência do fenômeno na França: a primeira delas é a aceitação de uma proposta inovadora de se fazer música popular de qualidade integrada, de forma harmoniosa, a elementos do jazz e da música erudita. A segunda explicação, derivada da primeira, é a paixão que a BN despertou nos músicos franceses, que se envolveram de tal forma com ela a ponto de empreenderem viagens ao Brasil, aqui realizarem parcerias musicais e, principalmente, difundirem não só a BN, mas também outros gêneros musicais brasileiros para o grande público francês.

Trata-se de um fato surpreendente quando pensamos na barreira lingüística entre os dois países, e, mesmo assim, a França encantou-se com esta nova música.

De todos os países do mundo onde a onda da bossa nova pôde chegar, parece que a França e a Itália foram os países que melhor a acolheram. O acolhimento mais caloroso e mais passional. (DELFINO, 1998, p. 18).

Jean-Paul Delfino, autor do livro Brasil bossa nova, considera a relação dos franceses com a bossa nova mais uma questão de amor e fascinação do que de marketing, diferentemente da abordagem dos produtores americanos, que viram no surgimento do novo gênero uma oportunidade de movimentar a indústria fonográfica norte-americana e obter alta rentabilidade.

Medaglia, que, em 1966, fazia uma análise pouco otimista a respeito da recepção da bossa nova na Europa, em um ensaio publicado no livro Balanço da Bossa e outras bossas (1978):

[...]Lá (na Europa) ela se tornou realmente conhecida e executada após seu sucesso nos Estados Unidos. E se lá chegou por vias indiretas, outras razões contribuiriam para que fosse mal executada e compreendida. Ou seja, no cansado continente europeu não existem condições para que ela seja assimilada integralmente, ou se torne popular como no Brasil e nos Estados Unidos. Da mesma forma que o melhor e mais avançado jazz é apresentado na Europa em teatros, como se fosse musica clássica, ou em círculos reduzidos e fechados [...], a BN, uma música camerística e refinada, ficaria à margem dos interesses populares. (MEDAGLIA, 1978, p. 105)

O prognóstico de Medaglia demonstrava temor em relação à prevalência, na Europa, do modelo de performance dos Beatles, que, naquele momento, experimentavam um estrondoso sucesso. Para Medaglia, essas performances eram “manifestações musicais que se baseiam no estardalhaço, no grito, nas letras, nas melodias, nas harmonias e nos ritmos mais primitivos” (ibid., p. 105). É interessante notar o lugar reservado, pelo maestro, para a BN: uma música para ser fruída em ambientes restritos e sofisticados. Entretanto, ele faz uma ressalva para a aceitação da BN na França, dizendo que lá ela foi mais bem ouvida, dado o caráter intimista de seu povo, e confirma a admiração dos franceses por João Gilberto e a difusão de sua música na, então, Rádio Difusão Francesa.

3.2.1.1 Bossa Nova

O lançamento, em 1958, de um disco de 78 rotações com a música Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, interpretada por João Gilberto, marca oficialmente o surgimento da bossa nova. Porém, o musicólogo Rocha Brito (1978), em estudo pioneiro, considera que, já em 1955, Tom Jobim antecipava algumas características do novo gênero quando compôs, em parceria com Billy Blanco, Hino ao Sol.

Antes disso, Rocha Brito identifica Dick Farney, Lúcio Alves e o conjunto vocal Os Cariocas como percussores da bossa nova, pois eram artistas que já adotavam, no início dos anos 1950, uma nova forma de interpretação, influenciados pela música norte-americana, notadamente o

a ausência dos contrastes entre sussurros e gritos, a falta de paroxismos, comuns nas interpretações anteriores mais próximas do canto lírico. O estudioso citado não considera, porém, tais procedimentos como bossa nova porque não havia ainda o propósito de integração à música popular brasileira, prevalecendo a influência da música norte-americana. Rocha Brito também não cita o cantor Mário Reis entre os percussores da BN, porém João Gilberto confessa a influência do mesmo na sua forma de cantar. Mário Reis, já nos anos 1930, diferentemente dos outros intérpretes da época, cantava de maneira sutil, com pouca extensão de voz.

O primeiro músico a integrar a técnica do jazz moderno ao repertório musical brasileiro foi o cantor, compositor e pianista Johnny Alf. O disco Johnny Alf, lançado em 1955, com as músicas Rapaz de Bem e O Tempo e o Vento é apontado por alguns críticos como bossa nova. Muitos músicos, entre eles Tom Jobim, irão apontar Johnny Alf como “pai” da BN.

Antonio Carlos Jobim é considerado por Rocha Brito como “o teórico e o animador” do movimento formado por cantores, compositores e instrumentistas que se propunham renovar o repertório da música popular brasileira. Será, porém, João Gilberto, no entender do mesmo musicólogo, “o que melhor tipifica a concepção da bossa nova” (ROCHA BRITO, 1978, p.37).

Deve-se a João Gilberto o surgimento e, principalmente, a consolidação da bossa nova. O artista será aclamado por sua genialidade, na integralidade de sua arte, tanto na técnica desenvolvida no violão como no canto.

João Gilberto, que surgiu em 1958 em nosso cenário musical, cantando e tocando violão, conseguindo no instrumento efeitos nunca antes ouvidos quer em jazz, ou qualquer outra musica regional, quer em nosso populário. A introdução do uso de acordes compactos, de elevada tensão harmônica, a marcação dos beats, em defasamento etc., se devem a ele e fizeram escola (ROCHA BRITO, 1978, p. 34).

O “baiano bossa nova”, na expressão de Tom Jobim, é considerado por Júlio Medaglia, Rocha Brito e tantos outros críticos musicais como um dos maiores fenômenos já ocorridos no campo da música popular brasileira. O violonista, compositor e co-arranjador criou um estilo pessoal de cantar, com discrição, sutileza e rigor, cujo ineditismo e originalidade despertaram

inúmeras polêmicas na época sobre se aquilo era música ou não era música, se ele era cantor ou não, se era brasileira ou não. Entretanto, o estranhamento inicial não impediu que a criação artística fosse acolhida pelo público do Brasil:

Apesar de todos esses aspectos estranhos, a sensibilidade musical popular brasileira, mais uma vez, dera prova de sua aguda perspicácia, identificando, nesse estranho intérprete, algo de muito especial, consumindo esse LP (Chega de Saudade19) em grande escala.

(MEDAGLIA, op. cit., p. 74)

A bossa nova adotou, conscientemente, procedimentos que caracterizaram uma nova proposição estética. Vamos enumerar alguns deles, sem entrar em detalhes técnico-musicais, dando ênfase às novas concepções e à integração entre diferentes categorias e gêneros musicais e, principalmente, ao novo enfoque dado à música popular.

Na tradição musical brasileira, a melodia tinha prevalência em relação aos outros elementos que compõem a música. A bossa nova quebra esta tradição ao buscar uma equivalência entre melodia, ritmo, harmonia e contraponto, sem que nenhum destes elementos se destaque em relação aos demais. Acontece, também, uma mudança em relação ao papel do intérprete vocal que passa a integrar-se à música, faz parte do conjunto, quase como mais um instrumento, ele não está mais “na frente” em relação aos outros componentes.

Ainda quanto à interpretação vocal, a tradição na música popular até então era aproximar-se do canto lírico, com recursos arrebatadores e grandiloqüentes, uma dinâmica baseada em contrastes, variando entre sussurros e agudos fortíssimos, usando muitas vezes o vibratto. Os cantores da BN cantam quase como se estivessem falando, aproveitando-se do aprimoramento tecnológico do microfone. Esse procedimento também vai ser adotado nas orquestrações, nas quais os diferentes naipes da orquestra não se sobressaem uns aos outros.

Outra característica específica da bossa nova foi a integração entre as diferentes músicas, o jazz, a música erudita e a música popular brasileira, e foi justamente a mistura harmônica que conferiu um caráter universal à BN. Destacamos, particularmente, a valorização da música popular brasileira, o profundo respeito aos músicos do passado como Noel Rosa, Pixinguinha, Assis Valente, Ari Barroso, Dorival Caymmi, entre tantos outros, estudados e homenageados.

Como dissemos acima, não entraremos nos detalhes técnicos que marcaram a BN como uma evolução da forma musical, entretanto não podemos deixar de mencionar o aprimoramento das técnicas de interpretação de violão, piano e vocal, que a identificam.

Não é de surpreender que, diante deste conjunto de qualidades, a BN tenha alcançado um reconhecimento planetário. Sua carreira internacional foi iniciada nos Estados Unidos, no histórico Festival Bossa Nova no Carnegie Hall, em Nova York, em 1962, com João Gilberto e Tom Jobim à frente de um grupo de artistas brasileiros: Agostinho dos Santos, Carmen Costa, José Paulo, Luis Bonfá, Carlos Lira, Sérgio Mendes, Milton Banana, Chico Feitosa e Roberto Menescal. A França, país considerado como amante do jazz e tradicional acolhedora da música brasileira, irá encontrar na bossa nova uma nova paixão.

3.2.1.2 Uma paixão francesa20

Parte do sucesso da bossa nova na França deve-se às parcerias que aconteceram entre músicos franceses e brasileiros. Pierre Barouh foi um dos primeiros artistas franceses a conhecê-la e divulgá-la. Autor da trilha sonora do filme Um Homem, Uma Mulher, de Claude Lelouch, lançado em 1966, Barouh incluiu Samba Saravah, uma versão do Samba da Benção (1962), de Vinícius de Moraes e Baden Powell. Segundo o próprio Barouh, “entre as 5 ou 6 músicas do filme (entre as quais a música Um Homem, Uma Mulher mais conhecida como Cha-ba-

da-ba-dá), Samba da Benção foi um sucesso enorme, com grande repercussão” (BAROUH

apud DELFINO, 1988, p.131)21. Saravah será também o nome de um selo e uma editora

fundados pelo músico francês, existentes até hoje.

Barouh conta que foi o artista brasileiro Sivuca que lhe apresentou o disco Chega de Saudade, de João Gilberto, em Portugal. Segundo o músico francês, a audição do disco foi uma das mais fortes emoções que teve em sua vida e o levou a viajar de navio até o Brasil para encontrar os criadores dessa música: “[...] eu fiquei louco pelo Brasil. O Brasil e sua música começaram a invadir a minha cabeça.”(Ibid., p. 130). Barouh não consegue encontrar os

20 Título extraído do artigo Bossa Nova, uma paixão francesa de Bruno Lesprit, publicado no jornal francês Le

Monde, em 10/07/2005.

21 Lamentavelmente a inclusão de Samba da Bênção na trilha do filme foi acompanhada de um gafe histórica:

não colocaram o nome dos autores da música nos créditos do filme na cópia apresentada na avant-première, em Cannes, (na qual estava presente Vinícius de Moraes), antes da abertura do festival. “Vinícius de Moraes nunca me perdoou” , declarou Pierre Barouh (FRELAND, 2005)

músicos brasileiros no Rio, mas, voltando à França, acaba por encontrar Vinícius de Moraes e Baden Powell em uma festa em Paris, “eu tinha feito 9000 Km por nada” (ibid., p. 131). E será justamente na casa de Baden Powell, no Rio de Janeiro, que Barouh irá gravar Samba

Saravah. O sucesso da música vai causar comoções no mundo inteiro “de Montreal a São

Francisco, passando por Paris e Tóquio, eu encontrei pessoas que mudaram suas vidas depois desta música”. “Pessoas que deixaram de trabalhar e viajaram para o Brasil”, acrescenta Barouh (ibid., p. 131) (tradução nossa).

Georges Moustaki, músico egípcio radicado na França, conheceu a bossa nova por intermédio de Pierre Barouh e também se apaixonou: “Pierre Barrouh chegou com um disco de João Gilberto, Chega de Saudade, e eu fiquei fascinado. Eu não compreendia como ele conseguia colocar tudo aquilo junto, aqueles acordes, aquelas harmonias tudo ao mesmo tempo.” (MOUSTAKI apud DELFINO, 1988, p. 133). Moustaki já tinha interesse em conhecer o Brasil depois da leitura de Mar Morto, de Jorge Amado, livro que declara ter apreciado como um “prato exótico bem apimentado”, mas foi a bossa nova que transformou o interesse em paixão. A relação de Moustaki com a música brasileira, iniciada na década de 1960, dura até nossos dias. O músico, hoje com 74 anos, lançou, em 2006, o CD Vagabond, gravado em grande parte no Rio de Janeiro, com Francis Hime como produtor e diretor musical. O disco presta uma homenagem a Tom Jobim e tem uma das faixas intitulada Bahia.

A percepção de que o Brasil é um país musical, que muitos entrevistados ressaltaram na pesquisa empírica, também é descrita por Georges Moustaki:

[...] o Brasil é música. Então, até quando os brasileiros buzinam, é sempre dentro de um ritmo. Quando eles batem o carro, têm ritmo. A modulação da voz deles, para lhe dizer uma frase, já é um desenho melódico. A música está na pele deles. (Ibid., p. 133) (Tradução nossa).

Para o músico, a bossa nova e o desenvolvimento subseqüente da música brasileira também se explicam dentro de um contexto político; a bossa nova tinha surgido durante um período de democracia e crescimento econômico no Brasil e permitiu que, nos vinte anos seguintes, se sonhasse com música, “coluna vertebral do Brasil”, segundo ele.

Entre as duas ditaduras os brasileiros fizeram um intervalo de voluptuosidade. E é disso que eu gosto na bossa nova, a preguiça. A sensualidade, o claro-escuro. Ela está entre o sol

a pino e o começo da noite. Ela não explode. O intérprete nunca grita. Ele murmura, ele não fica na frente da música. Com a música ele é pleno, na euforia e no bem estar, tem também um lado amoroso, que leva à nostalgia. Em uma palavra, a bossa nova desliza. É a música africana misturada com o classicismo europeu e o jazz. É uma espécie de síntese um pouco sofisticada, uma dosagem inesperada entre estes componentes que provocam a sensualidade. (ibid., p. 133) (tradução nossa).

A colaboração de Moustaki com os músicos brasileiros o levou, por exemplo, a fazer a versão para o francês de Águas de Março, a pedido de Tom Jobim. O músico passou quatro dias “seqüestrado” por Jobim, que se preocupava com a qualidade da versão e a boa recepção de sua música na França. Para o músico francês essa preocupação tinha uma razão: “A França, para o Brasil, é a terra da consagração”.

A Bahia também está presente nas recordações de Moustaki na visita que fez à casa de Vinícius de Moraes, em Salvador. O músico admira-se com uma outra forma de se relacionar com a vida, com o trabalho e com a música:

Tem uma bela imagem que eu guardo, foi quando eu vi Vinícius de Moraes ensaiando na sua casa, na beira do mar. Eu estava na casa dele, muito simples, que ele tinha alugado. Eu cheguei atravessei a casa e eles estavam lá na areia, fumando, tocando, bebendo, rindo. E era esse o trabalho deles. Por que é assim que vêem a música. Eles não tinham nenhuma organização e, entretanto, tudo se encaixava. À noite, nós íamos ao show e tudo dava certo, tudo nadava na felicidade” (Ibid., p. 134) (Tradução nossa).

Pierre Barouh também irá introduzir Claude Nougaro no universo da BN e o apresentará a Baden Powell, em 1964. “A bossa nova é para mim um verdadeiro movimento musical cuja a importância e a força podem ser comparadas ao movimento surrealista francês.” (NOUGARO apud DELFINO, 1988, p.135), diz Nougaro, que não tinha idéia que uma música popular poderia ter tal qualidade artística, uma vez que estava acostumado a associá-la, na França, a uma “caricatura da opereta vulgar francesa”. Novamente, vamos encontrar outro relato apaixonado:

Ela corresponde certamente a uma coisa vital. É um alimento para a alma que podemos utilizar cotidianamente. Está em todos os lugares. O ritmo está em todos os lugares. O Brasil é um amálgama étnico e rítmico reunido. Os grandes ritmos africanos do samba encontraram nela um espaço musical e religioso latino. O que é importante é que ela emana realmente do povo. Um tipo de voz profunda que se enraíza em uma realidade étnica muito

forte: amálgama do latino, do negro e do índio. (ibid., p. 136) (Tradução nossa).

Nougaro é o responsável pela versão de Berimbau, música de Baden Powell que recebeu o nome de Bidonville (Favela), evocando a miséria universal, uma abordagem política não encontrada nas músicas da BN, mas que estava em consonância com o ano em que a versão foi realizada na França, 1968. Fará também re-criações para O que será (À flor da terra) de Chico Buarque e Milton Nascimento e Viramundo, de Gilberto Gil e Capinan, ambas de forte conteúdo político, escritas durante a ditadura militar. Entretanto, Nougaro irá além da abordagem política ao descrever seu processo criativo na interação com a música brasileira:

Eu escrevi as letras de standards brasileiros, como Berimbau, de Powell e Vinícius de Moraes. [...] Este instrumento, berimbau, é um instrumento pobre, miserável. Eu o ouvi como se minhas orelhas tivessem um olhar. É uma música que escuto com os olhos. Eu pinto sobre esta música. Eu pinto sobre estas paisagens interiores, sobre a potencialidade evocadora e mágica, metafórica desta música. Eu pinto minha união carnal e erótica sobre a sensualidade destes ritmos, sobre a sensualidade vocal, sobre sua doçura e seu lirismo pudico. (ibid., p.137) (tradução nossa).

O artista francês faz a inevitável comparação entre a cultura européia e a cultura brasileira: “Adoro a dança, é o todo o corpo que fala, que se exprime. Não é uma música unicamente mental ou intelectual, como na França [...]”, e lembra-se das imagens da Bahia, na temporada de um mês que passou “em um bairro antigo chamado Pelourinho, um bairro cheio de igrejas barrocas e de putas clássicas (risos). Eu flanava em todos os lugares guiado por um negão, bizarro.” (ibid., p. 137).

Segundo Bruno Lesprit, em artigo para o Le Monde publicado em 2005, após o sucesso das iniciativas de Barouh e Moustaki, surge uma verdadeira onda: vários outros artistas franceses irão gravar as músicas brasileiras entre os anos 1960 e 1970, como Marcel Zanini e Brigitte Bardot, interpretando Tu veux ou tu veux pas (1970), versão Nem vem que não tem, de Carlos Imperial, Bourvil, Jeanne Moreau, Nana Mouskouri, Joe Dassin, Isabelle Aubret, Françoise Hardy, entre outros. Para o jornalista, aconteceram também muitos ultrajes e nem todos terão os escrúpulos de Barouh e Moustaki: “Os contra-sensos e os clichês são quase sistemáticos”, enfatiza Lesprit. A música Fio Maravilha (1972) de Jorge Ben, por exemplo, que relata os feitos de um jogador de futebol do Flamengo, ganha uma versão vibrante em francês sobre

um cantor das favelas.

Até hoje são apresentados shows de bossa nova na França. No Ano do Brasil na França, a casa de espetáculos parisiense Cabaret Sauvage programou uma temporada, durante o verão, chamada Copacabaret, espetáculo que teve como mestre de cerimônias Rémy Kolpa Kopoul e a participação de Roberto Menescal, o grupo BossaCucaNova e Mariana de Moraes, filha de Vinicius.

Apesar de alguns entrevistados terem dito que a paixão dos franceses pela bossa nova ter restringido o conhecimento da variedade das outras produções musicais do Brasil, consideramos que foi a bossa nova que deu um status diferenciado para música popular brasileira, destacando-a do caldeirão das músicas da América Latina e abrindo portas para outros artistas, como Chico Buarque, Milton Nascimento e para um movimento que teve a bossa nova como farol: o Tropicalismo.