• Nenhum resultado encontrado

4 VOZES DA FRANÇA

4.1 IMAGENS DA MÚSICA BRASILEIRA

4.1.1 Brasil, je t´aime!

Antes de entrarmos na questão específica da imagem da música brasileira e da música baiana, a primeira idéia que transparece em várias entrevistas é a “simpatia” dos franceses pelo Brasil. Entendemos que este sentimento não pode ser definido como espontâneo e, sim, fruto de um relacionamento desenvolvido ao longo da história que resultou na construção de uma imagem de simpatia mútua. O agente artístico especializado em música brasileira, Frédéric Gluzman, e Stéphane Vatinel, proprietário de duas renomadas casas de espetáculos41 em Paris,

não falam apenas de simpatia e sim de uma relação de amor entre o Brasil e a França:

FG: [...] Tem um espaço para a música brasileira aqui, porque tem uma história de amor entre o Brasil e a França. Esta história de amor... você pode ver que sempre existiu esta história, mas sempre vem em fases, temporadas.[...]

SV: Sim, em Paris, e não apenas em Paris. Tem um lado muito afetivo pela música, pelo universo brasileiro. Os brasileiros são pessoa que amamos, realmente. Sobretudo quando vamos ao final da Copa do Mundo (risos). Realmente, falando sério, existe uma verdadeira afeição da parte da população francesa pelo Brasil e, quando fazemos a noite

brasileira, uma noite a cada dois meses, temos 700 a 800 pessoas que vêm a cada noite.

Esses sentimentos influenciam positivamente o consumo da música brasileira na França, apesar de não serem determinantes. O proprietário da casa de espetáculos Cabaret Sauvage, Mezaine Azaïche, sabe que terá garantia de casa cheia quando programa as Noites

Brasileiras. Frédéric Mazzely, diretor de programação de espetáculos do Parc de la Villette,

também tem certeza de que o público francês “lota o espetáculo” devido a um “amor verdadeiro dos franceses, em geral, pelas músicas brasileiras, no plural”. Olivier Delsalle, diretor adjunto do Festival Île de France, também debita à simpatia dos franceses pela música brasileira o sucesso de um evento programado pelo festival durante o Ano do Brasil na França:

OD: [...] Eu penso que existe uma simpatia pela música brasileira que é imediata. A jornada no Castelo de Villarceaux, que foi o evento de inauguração do Festival, ao ar livre, que nós fizemos com o tema do Brasil em 2005, foi um dos eventos de inauguração que tiveram

mais pessoas e o mais forte deste ano. Em todo caso, tem um capital fantástico, imediato

[...]..

A segunda percepção que provoca empatia nos entrevistados é a identificação do Brasil como um “país musical”. Podemos explicar, desta forma, a supremacia da música na exportação de produtos culturais brasileiros. O agente artístico Jean-Michel de Bie fala da sua surpresa, na primeira viagem que fez ao Brasil, ao encontrar a música presente em todos os espaços da vida cotidiana brasileira e, até mesmo, nos mais impensáveis lugares, na visão de um europeu.

JMB: [...] Eu me lembro do que me tocou imediatamente na primeira vez que fui ao Brasil, eu vi as pessoas nos bancos, no correio, nas repartições públicas, nos lugares onde as pessoas normalmente têm atitudes rígidas, fazer um passo de samba ou batucar com o lápis na mesa. É um país que veicula uma imagem de uma integração com a música em todos os níveis da sociedade, é um país que vive a música [...]

Talvez, nós, brasileiros, não tenhamos a consciência da importância da presença da música em nossas vidas e no nosso cotidiano e não percebamos esta característica que nos diferencia de outras culturas. Não que outras culturas não apreciem música, encontramos hoje, no metrô de Paris ou de Nova York, a maior parte dos passageiros ouvindo música em seus aparelhos portáteis, um pouco autistas, alheios ao mundo. Pode ser que esta seja esta a grande diferença: quando Jean-Michel de Bie fala sobre ter visto alguém fazendo um passo de samba ou batucando com o lápis na mesa de uma repartição, está admirando-se com a interação do brasileiro com a música, que mexe com o corpo e provoca o encontro com o próximo. Nossa análise é de que esta característica peculiar - a integração total da música, envolvendo corpo e

compartilhamento coletivo - é um dos fatores de atração por esta expressão artística brasileira.

A integração social na música brasileira foi ressaltada por alguns entrevistados. Podemos supor que este aspecto, observado pelos franceses, pode agregar valor à mesma, uma vez que estamos interagindo com um país de forte tradição de ativismo sócio-político, atento às questões de injustiça e desigualdade social. Benoit Thiebergien, diretor do Festival 38e

Rugissants, avalia positivamente o papel da música produzida na Bahia no processo de

integração social:

BT: [...] Eu conheci Salvador e foi lá que eu entendi que a música é uma tradição viva, que

através da música se cria uma força social, cria uma dinâmica social que eu achei muito importante, muito dinâmica e com grande capacidade de integração, dos jovens,

de todos que têm a oportunidade de participar de uma forma ou de outra do samba ou dos grupos de percussão.

A percepção de Thiebergien nos remete aos estudos das origens do samba, suas transformações e os processos sociais que concorreram para a consagração do gênero como um dos principais textos identitários brasileiros. Hermano Vianna afirma que isto só foi possível porque houve uma integração entre mediadores de diferentes grupos sociais “(negros, ciganos, baianos, cariocas, intelectuais, políticos, folcloristas, compositores eruditos, franceses, milionários, poetas – e até mesmo um embaixador norte-americano)” (VIANNA, 1995, p.151). Sandroni coloca em questão esta abordagem, falando de uma “concepção tópica” baseada na historiografia do samba que considera que o mesmo não teria sido inventado por vários grupos sociais, “ele já existia, confinado às noites da senzala, dos terreiros de macumba, ou dos morros do Rio de Janeiro” e “seria uma propriedade intrínseca da cultura afro-brasileira.”(SANDRONI, 2001, p. 114). Porém o autor conclui, ou não conclui, dizendo que devemos levar em conta as duas visões e “empregá-las dentro de seu âmbito de validade”. Em função do objetivo de nossa pesquisa, nos interessamos pela imagem que o comprador faz do produto musical e consideramos que a integração social provocada pela música é um atributo positivo da música popular brasileira.