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4 VOZES DA FRANÇA

4.3 PROCESSOS DE COMPRA

4.4.3 Construção de carreira musical na França

4.4.3.1 Tijolo por tijolo

63 Panorama Percussivo Mundial – Festival de música dedicado à percussão, o Perc Pan realizou sua primeira

Os agentes especializados em representar os músicos brasileiros foram enfáticos quanto à necessidade de desenvolver uma estratégia de construção de carreira, na França. Um trabalho que toma tempo e necessita um entendimento do mercado de música francês. O conhecimento da realidade dos cachês iniciais é decisivo para que o artista brasileiro decida se lançar nesta empreitada, uma vez que os cachês, inicialmente, são muito baixos em relação ao valor que um artista de renome recebe no Brasil. Só com o passar do tempo o investimento na carreira tem retorno. O exemplo mais citado de estratégia bem sucedida é o de Gilberto Gil. Jean- Michel de Bie testemunhou parte deste percurso de Gilberto Gil, na Bélgica e na França:

JMB: Gilberto Gil era mais conhecido e ele continua sendo o mais conhecido, antes mesmo de ser Ministro da Cultura, mais conhecido que Caetano Veloso. Ele começou sua

carreira na Europa antes de Caetano, começou a vir muito cedo, aceitava cachês muito menores do que os que ele já recebia no Brasil. Ele recebia o que a gente chama aqui de cachet club64. Eu me lembro de um show na Grand Place de Bruxelas, era como se

fosse um show na Torre Eiffel aqui, e lá ele teve um grande interesse popular, no começo dos anos 80, já tem quase 30 anos. Era alguém que vinha todos os anos, ou quase todos

os anos, ele construiu sua carreira, como Charles Aznavour, para citar um artista francês,

de origem armênia, que construiu sua carreira no exterior. Tem muitos artistas muito famosos no Brasil que não aceitam vir à Europa, por causa dos cachês ridículos e então eles perdem a oportunidade de lançar a carreira deles no início, porque depois fica cada vez mais difícil conseguir pagar o cachê que eles pedem, aqui na Europa. Tem um momento que é tarde demais.

Marc Régnier fala dos desafios enfrentados pelo artista brasileiro, dando o exemplo do músico pernambucano Silvério Pessoa, um artista que não tem a notoriedade de Gilberto Gil, mas que está, há alguns anos, investindo na construção de uma carreira internacional:

MR: [...] a aposta de vir para cá para Europa para fazer uma carreira significa para

muitos artistas voltar ao zero, porque um cara que faz grandes shows no Brasil, aqui, ninguém conhece, a não ser uma parte da comunidade brasileira. Então, ele vai ter que enfrentar clubes pequenos, cachês pequenos no primeiro ano, ganhando, mas

ganhando pouco. Eu mesmo costumo não ganhar nos dois, três primeiros anos, porque faço um investimento. Às vezes funciona, depois de pagar o investimento, às vezes não, às vezes continua. Com Silvério Pessoa, eu comecei a trabalhar em 2003 e fiz turnê pelo mundo inteiro, mas só este ano vou começar a receber o dinheiro que investi. É um processo

longo, então o artista tem que estar ciente disto, ele tem que ter vontade de desenvolver uma carreira internacional.

Frédéric Gluzman destaca a importância da repercussão no Brasil do sucesso do artista no exterior, às vezes mais importante do que a rentabilidade financeira:

FG: [...] É difícil trabalhar com os artistas que são conhecidos no Brasil, mas não são conhecidos aqui. Marcelo D2, que em 2006 teve um grande sucesso no Brasil, ele investiu

para vir aqui, foi um investimento forte da parte dele, da produção dele, eu acho bacana isto. Ele queria desenvolver o mercado aqui na Europa e é bom para o artista,

64 Cachet Club é pago para os artistas que se apresentam em bares e boates e é muito menor dos que o cachê

voltar ao Brasil e dizer, no Faustão, por exemplo, “Eu fiz 30 shows na Europa”, é bom para o artista no Brasil.

Ivete Sangalo é outro exemplo de artista brasileira de sucesso que começa a investir em uma carreira no exterior, talvez pelo mesmo motivo: conquistar fama fora do Brasil. Diante das informações recebidas, ela não teria rentabilidade com os shows na França como tem no país. Consideramos interessante relatar a experiência que a artista teve, no ano de 2007, ao bancar a produção de seu show em uma grande casa de espetáculos em Paris. Este episódio serve para indicar outro mercado possível para a música da Bahia na França, a grande comunidade portuguesa no país:

SD: Ivete Sangalo veio para se apresentar a Paris, no Elysée Montmartre, que tem uma capacidade para 1200 lugares e não tinha saído nenhum disco dela aqui na França. A gravadora da Ivete, a Universal, ficou totalmente surpresa porque foi um sucesso tão grande, foi uma surpresa para os organizadores do show, que viram que, no meio do

dia, todas as entradas já tinham sido vendidas, sem nenhuma publicidade, sem nenhum disco. O que acontece é que les'enfants65 da comunidade portuguesa na

França têm interesse na música do Brasil, maior que os franceses, porque ela faz sucesso em Portugal. A sala estava superlotada, completamente lotada, as pessoas sabiam

as músicas de cor, como no Brasil e logo depois a Universal lançou o disco The best of

Ivete Sangalo aqui na França.

4.4.3.2 Agentes culturais franceses

Gostaríamos de ressaltar o papel dos produtores e agentes artísticos franceses especializados em música brasileira no desenvolvimento de carreiras de artistas brasileiros no exterior. O conhecimento das particularidades do mercado e das práticas culturais dos franceses é fundamental nesta atividade. Não descartamos a possibilidade de um artista ou produtor brasileiro tentar conquistar este mercado contatando diretamente os compradores de shows, mas com certeza esta tarefa será muito mais difícil e arriscada. Jean-Michel de Bie fala sobre a importância desse trabalho e do déficit de profissionais especializados em música brasileira:

JMB: [...] A França tem esta particularidade de mercado, quanto tem um agente que

trabalha um produto, quando ele acredita no artista, acaba acontecendo. O problema é que tem poucos agentes especializados em música brasileira, então por isso tem uns

mais conhecidos, outros menos. É uma questão de sorte, de coincidência ser trabalhado por uma gravadora, um empresário, um agente que faz as turnês. [...]

O complexo trabalho do agente não se resume à venda de shows. Ele atua como mediador

65 A tradução literal seria as crianças, mas no caso, o entrevistado está falando de adolescentes e pré-

entre os diversos setores da cadeia da exportação musical, como a produção e a venda dos registros audiovisuais, produção e venda de shows ao vivo, divulgação etc. É sobre esse trabalho que irá falar Frédéric Gluzman:

FG: Acho importante a interação entre o selo, o artista, o agente aqui na Europa e a

produção brasileira, eu fico no meio de tudo isso, é como se fosse um jogo e eu fico no

meio de tudo isto. Meu trabalho é fazer com que tudo de certo para o artista, então eu tenho que colocar as pessoas juntas. [...]

Pelos relatos dos próprios agentes e pelos testemunhos dos compradores de shows, o trabalho do agente vai além de promover cada artista individualmente. Foram eles uns dos principais responsáveis, junto ao próprio trabalho e determinação dos músicos, pela divulgação da diversidade da música brasileira na França.

RP: Posso te dar exemplos de alguns grupos que a gente trabalhou e que não eram tão conhecidos. Isso eu te falo de quinze, dezessete anos atrás, quando música brasileira era menos conhecida aqui. Começamos trazendo Ná Ozzeti e Itamar Assunção, música urbana paulista, e trouxemos o Duo Fel também. Era música de qualidade, pouco conhecida,

mas que a gente gostava muito. A vontade é mostrar para o público francês que isso também é música brasileira. [...]

BT: [...] eu conheço agentes que são especializados em música brasileira, tem os tourneurs, são poucos. O Frédéric Gluzman e o Marc Régnier do Outrobrasil, é através destes

dois agentes artísticos que a música brasileira evolui aqui na França.