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4 VOZES DA FRANÇA

4.2 IMAGENS DA MÚSICA BAIANA NA FRANÇA

4.2.4 Eu vim da Bahia

É o próprio RKK que vai voltar ao tema da diversidade, ao dialogarmos se existe música

baiana. O jornalista inicia o diálogo apresentando desinteresse sobre o assunto, mas ao citar a

lista de renomados artistas baianos, incluindo os blocos afro-baianos, acaba por concluir que este variado mosaico garante uma “forte especificidade” à musica produzida na Bahia ou por artistas baianos:

LV: Mas o senhor acha que existe uma diferenciação entre música brasileira e música baiana?

RKK: Não sei e nem quero saber... O que existe é uma identificação muito grande dos

baianos com sua própria cultura, existe o orgulho de ser baiano. Assim como existe o

orgulho de ser pernambucano.

LV: Por falar nisso, o senhor não acha que os pernambucanos estão trabalhando melhor do que os baianos na difusão da música deles?

RKK: Com certeza, eu acho que hoje em dia está acontecendo mais. Para mim, é muito

52 Série de discos lançada na França anualmente, a partir de 1996 com o nome Axé Bahia, inicialmente os discos

mais rico Pernambuco do que a Bahia.

LV: Está sendo mais divulgada a riqueza de Pernambuco do que a riqueza da Bahia. RKK: É verdade que tem artistas únicos na Bahia, que eu já disse agora: Dorival Caymmi, João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Bethânia, Gal, Margareth, Daniela Mercury, Carlinhos Brown, os blocos afros, sim, tem uma especificidade muito forte e

tem figuras fortíssimas. Mas, em termos de música baiana hoje em dia, por exemplo, eu

acho que tem, se não tivesse estes artistas que ficam sempre na frente... Bom, Carlinhos Brown e Daniela já são quarentões. Margareth Meneses já tem quase... e depois, o que tem? Eu diria que não chegou nada de novo.

As observações finais do jornalista sobre a ausência de novas proposições musicais baianas na cena francesa serão tratadas mais adiante, mas antes gostaríamos de nos deter em um detalhe da lista apresentada. Rémy Kolpa Kopoul, conhecedor da música brasileira, não tem dúvida em citar os tropicalistas Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Gal Costa como artistas baianos, porém cabe a pergunta, será que os franceses associam o Tropicalismo ou os tropicalistas à Bahia? Já dissemos acima que Gilberto Gil e Caetano Veloso são os mais lembrados quando se trata de nomes da música popular brasileira, nossa questão é saber se estes grandes nomes estão levando consigo a imagem da Bahia.

Jean-Michel de Bie, ao descrever o que ele considera como música baiana, inicia falando sobre os “artistas que fizeram a história da MPB, como (Gilberto) Gil, Caetano (Veloso), Gal (Costa), (Maria) Bethânia, que nasceram na Bahia”. Jean-Paul de Boutellier - que não consegue identificar a especificidade da música baiana – reconhece Gilberto Gil como um artista baiano que representa a música de sua região. Regina del Papa tem dúvida se o público francês associa Caetano Veloso à Bahia, mas garante que Gil sim, é identificado como cantor baiano.

As declarações acima nos dão subsídios para sugerir que Gilberto Gil tem sua imagem associada à Bahia e seu trabalho de divulgação da cultura produzida no estado e no nordeste é reconhecido, ao menos, pelos profissionais que trabalham com musique du monde. O que não transpareceu nas entrevistas foi uma associação entre a notoriedade de Gilberto Gil e a promoção de artistas emergentes da Bahia. Processo que aconteceu, por exemplo, com Cesária Évora e os artistas de Cabo Verde. Não conseguimos perceber nas entrevistas qualquer efeito do sucesso de Gilberto Gil, que teve a popularidade aumentada depois da nomeação como Ministro da Cultura do Brasil, em 2003, na divulgação de novos artistas e grupos baianos.

Além de Caetano Veloso e Gilberto Gil, Carlinhos Brown e Daniela Mercury são outros artistas que foram associados à Bahia, especificamente. Ronan Corlay ressalta a força cênica dos dois últimos e sua capacidade de interagir com o público. Ao fazer referência ao trio elétrico, Corlay está imputando a esta invenção baiana - que leva o palco para desfilar pela cidade, aproximando o artista das multidões – a peculiaridade das performances que encantam o público francês.

RC: Os grandes artistas baianos, sobretudo. Eu que trabalhei com a produção deles aqui na França e acho que, sobretudo, eles têm uma verdadeira tradição de show. Quando falamos de Carlinhos Brown e Daniela Mercury são bêtes de scène [feras de palco], sei que os artistas brasileiros, em geral, têm uma relação muito específica com a cena, mas se me lembrar de um momento do show na Bastilha em 2005, o momento em que as pessoas

mais se empolgaram foi com Daniela Mercury, que não era a mais conhecida. Carlinhos Brown é a mesma coisa. Quando o vemos em seu trio elétrico, é uma verdadeira performance de ritmo, de dança, de jogo com o público, que é muito interessante. [...]

Carlinhos Brown alcançou um grande sucesso na vizinha Espanha, onde lota estádios e arrasta multidões onde passa com seu trio elétrico. Percebemos que o artista é considerado como “objeto de desejo” por alguns diretores de festivais e agentes artísticos franceses, como Bernard Aubert e Frédéric Gluzman. O fetiche se justifica pela promessa de apresentações impactantes, garantia de sucesso de público, o verdadeiro desejo dos produtores. Por outro lado, eles enfrentam a quase impossibilidade de contratação do artista devido ao alto cachê e aos custos de produção, decorrentes de um grande número de pessoas na equipe das turnês e do volume de equipamentos transportados.

Marc Régnier e Benoit Thiebergien fazem uma crítica em relação à irregularidade na qualidade dos CDs do artista. Thiebergien acredita que Carlinhos Brown, ao adotar o formato do pop internacional, arrisca perder a autenticidade ligada às raízes da cultura brasileira, adequando sua música para atender ao mercado consumidor global.

MR: [...] O Carlinhos Brown começou fazendo um nome, mas agora com as últimas músicas (para o gravador) “Oh Carlinhos, eu não quero brigar contigo”, mas ele sabe muito bem disto, os últimos discos dele não emplacaram aqui. [...]

LV: E Carlinhos Brown?

BT: [...] nós vamos encontrar sua identidade entre a música fortemente enraizada na cultura brasileira, mas de uma forma um pouco mais pop, formatada pela indústria musical internacional. Carlinhos Brown é um artista que é formidável nos shows, mas é um

pouco decepcionante nos discos, ele é muito desigual. Diferente de Gil ou Caetano, é

sempre um evento quando eles lançam um disco. Então, Carlinhos Brown é mais desigual, eu me lembro de uma reportagem sobre ele que me marcou muito, mas quando eu comprei

o disco fiquei um pouco decepcionado. Então, tem uma indústria musical que formata

um pouco uma música que é muita mais rica na origem e que são obrigadas a entrar numa espécie de estandardização para atingir a um nível mundial, um público maior possível. [...]

Os especialistas cobraram novas propostas musicais produzidas da Bahia, quase todos afirmaram que, praticamente, não tem chegado quase nada de novo da música baiana. O único exemplo de nova música baiana, encontrado nas entrevistas, foi dado por Regina del Papa, que está trabalhando atualmente com o músico argentino radicado na Bahia, Ramiro Musotto. Já falamos sobre a música de Musotto no cap.2, o que queremos destacar aqui é como proposta inovadora – e no caso uma música que se relaciona com a Bahia - que tem identidade e qualidade musical, é bem recebida pelos produtores franceses, que passam a divulgá-la, a partir do conhecimento que eles têm do mercado.

RP: [...] Ramiro foi assim foi um coup de coeur53, quando eu ouvi o disco, eu achei de uma

beleza... Ele é um criador, um artista. O que eu acho interessante é o que ele fez com a

música baiana, assim, porque ele é o argentino mais baiano que eu conheço. Ele modernizou aquilo.

[...] E a imprensa adorou, tivemos artigos sensacionais.

LV: Onde?

RG: Em todas as revistas, no Télérama, Le Monde, Libération, Mondomix, estamos com um ótimo clipping. E a prova foi que no show de lançamento vieram vários programadores. Então ele vai fazer o Jazz à Vienne, ele ganhou carte blanche54 do festival e convidou o

Omar Sosa55. Eles já estão fazendo um trabalho juntos.