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4 VOZES DA FRANÇA

4.3 PROCESSOS DE COMPRA

4.4.4 Nichos de Mercado

Entendemos que deva fazer parte da estratégia de desenvolvimento da atividade de exportação da produção musical da Bahia encontrar nichos de mercado. Detectamos alguns nichos de mercado como o fenômeno do surgimento de grupos de batucada franceses, o interesse pelos trios elétricos e as possibilidades de apresentações nos pequenos festivais e, principalmente, nos espaços culturais públicos franceses, que têm como missão difundir propostas artísticas que não alcançam a divulgação das grandes mídias. Veremos agora as possibilidades de cada um destes nichos.

4.4.4.1 Batucadas na França

interesse étnico pela cultura produzida na Bahia, é importante atentar para um fenômeno recente na cultura francesa: os grupos de batucada. Os grupos de batucada são formados na maioria por franceses que aprendem os ritmos brasileiros durante viagens ao Brasil, e agora, até mesmo, em escolas francesas de música. Regina del Papa acompanhou de perto o surgimento das primeiras batucadas66, e não tem dúvida em afirmar a importância do samba-

reggae no surgimento deste fenômeno. Ela é a produtora dos concursos de batucadas que acontecem anualmente no Cabaret Sauvage, desde 2002:

RP: [...] foram criados aqui os grupos de batucadas, e isto é completamente influência baiana. Há dez anos atrás não existia batucada nenhuma aqui, grupos de percussão. Aqui chama de batucada, o que lá se chama de grupo de percussão. A maioria deles é de samba-reggae. [...]

RP: [...] Agora, nós fazemos esses concursos de batucada, que há seis anos atrás eram três ou quatro batucadas, hoje nós somos obrigados a fazer uma seleção, porque recebemos tantos releases para participar do concurso, que tentamos fazer hoje um pouco de cada estilo. [...] A gente tenta fazer um pouco de samba-reggae, um pouco de samba do Rio e um pouco de maracatu para todos os estilos serem representados. E também tem grupos que misturam todo tipo de percussão, de influência africana, brasileira, francesa. E mesmo fora de Paris tem

outras batucadas, a maioria eu acho que ainda é de samba-reggae.

Marc Régnier confirma que o surgimento dos grupos de batucada na França gera um “grande interesse” nos grupos de percussão baianos e aponta que este fato pode abrir um mercado potencial para os músicos da Bahia. Benoit Thiebergien considera que a produção musical das batucadas começa a fazer parte da cultura musical da juventude na França. Estes jovens estão buscando aprofundar o conhecimento dos ritmos brasileiros e aprimorar a prática instrumental, viajando para o Brasil e organizando oficinas na França.

O surgimento das batucadas francesas já promove, de forma ainda incipiente, uma interação com os percussionistas baianos. Bira Reis costuma ministrar workshops na França, ou receber grupos de músicos franceses em sua Oficina de Investigação Musical, no Pelourinho, por exemplo. Estas iniciativas são ainda tímidas e isoladas em relação à potencialidade apontada pelos entrevistados. Levando em conta as 300 batucadas recenseadas na França, há dois anos, segundo Marc Régnier, podemos considerar que este fenômeno está formando um público consumidor de espetáculos de percussão afro-baianos.

BT: [...] existe cada vez mais grupos de batucadas de francesas. E é interessante. Eles não são brasileiros, mas trabalham muito para conseguir fazer a rítmica brasileira e podemos dizer que de repente, pode acontecer com esta música o que aconteceu com a

música africana: fazer uma escola na França. Os jovens hoje, nas escolas privadas, não no conservatório, começam a aprender as percussões africanas, podemos dizer que na França já se faz muita percussão africana tradicional, da mesma maneira que já tem muitas escolas que têm grupos de batucada que trabalham e animam as festas nas cidades. [...] Acho que

pode se desenvolver uma dimensão de espetáculo ao vivo que chamamos aqui de artes da rua, de música da rua, que pode ser interessante.

No nosso entender, o surgimento das batucadas francesas, além de ser um mercado potencial para os percussionistas brasileiros, pode ser também uma oportunidade para uma rica troca de experiências. Pelos relatos acima, os percussionistas franceses estão buscando novas formas musicais a partir dos ritmos brasileiros, e podemos imaginar que um intercâmbio efetivo entre os artistas propiciaria novas criações em ambos os lados do Atlântico.

4.4.4.2 Atrás do trio elétrico

Outro produto de exportação baiano, que por suas exigência técnicas e logísticas é mais difícil de ser comercializado, mas que desperta interesse dos profissionais franceses, é o trio elétrico. Rémy Kolpa Kopoul, no verão de 1991, montou um trio elétrico, a pedido de uma empresa de refrigerantes, e apresentou artistas baianos em várias cidades costeiras, do Atlântico e do Mediterrâneo francês:

RKK: [...] a pedido de uma empresa de bebida, eu construí um trio elétrico aqui na França. Nós construímos o caminhão com o som dentro, com o grupo lá em cima. Mas foi um caminhão que teve a permissão para circular. Porque vindo de lá nunca poderia ser autorizado de circular pelas dimensões, lá não tem regras, aqui sim. Aí construímos isto, mandei fazer um desenho, uma pintura, veio um pintor do Pelourinho que fez um cenário de Salvador visto do mar e do outro lado o mar visto da cidade, bem naïf . Fizemos cidades do Atlântico e Mediterrâneo. O Atlântico foi com Margareth Meneses e o Mediterrâneo foi com Geronimo e Armandinho, como convidado especial. Foi interessante, circulando por toda a cidade. Dependendo da cidade, teve cidade que foi meio complicado, porque não dava para circular, tinha que ser fixo. Nós fizemos a preparação em abril e chegando em junho, a cidade não tem mais o mesmo conformação, porque verão é outra coisa. Então, teve cidade que deu para circular dois três quilômetros, outras que a gente tinha que fazer fixo, mas foi muito legal.

O interesse pelos trios elétricos existe até hoje, Ronan Corlay, antes da entrevista, declarou o desejo de produzir eventos com trio elétrico. Durante a entrevista, Corlay fala sobre as possibilidades de utilização da invenção baiana, que leva os artistas para as ruas da cidade, aproximando-os do público. O produtor conheceu o trio elétrico durante o desfile realizado no Ano do Brasil na França, em 2005. Participaram do trio Carlinhos Brown, Ivete Sangalo, Ilê Aiyê, Margareth Menezes e Daniela Mercury:

LV: Se sua empresa conseguisse produzir um trio elétrico aqui, daria certo?

RC: Eu tenho certeza, nós tentamos fazer isto depois do espetáculo de Daniela em Cannes.

Eu estou convencido que a música francesa e os artistas franceses deveriam trabalhar mais esta noção de carnaval e de deambulação, de fazer um show nas ruas da cidade, indo ao encontro do público, os convidando para a festa. Eu tenho certeza que tem muita coisa que pode ser feita. O que precisa é ver o meio de trazer o caminhão do Brasil

e isto é muito complicado.

4.4.4.3 Pequenos festivais e instituições culturais públicas

Vimos no cap. 3 o estudo de Ludivine Trehorel (2006) sobre a atualidade do mercado de

musique du munde hoje na França. Entre os diferentes tipos de festivais identificados,

Trehorel considera que os festivais de menor porte geralmente estão interessados em mostrar novas descobertas e propostas artísticas para seu público, diferentemente dos grandes festivais que apostam na notoriedade dos artistas como garantia de afluência de público. Estes pequenos festivais têm uma maior preocupação com a qualidade artística e com as trocas interculturais. Muitos deles promovem encontros e workshops com os artistas e são um nicho a ser trabalhado pelos promotores baianos. Bernard Aubert também indica essa possibilidade, informando que no seu evento Babel Med Music é possível encontrar uma “quantidade enorme de organizadores de pequenos festivais franceses, espanhóis e italianos e sei que eles são muitos interessados pela música brasileira”.

Jean-Michel de Bie também fala sobre a opção dos festivais por programar artistas emergentes, ressalvando o risco da pouca afluência de público, pelo fato dos artistas não serem conhecidos. Não devemos nos esquecer que a questão da rentabilidade está ligada a essas linhas programáticas, mesmo que o festival tenha um cunho cultural. No nosso entender existe este nicho de mercado a ser explorado, mas deve-se levar em conta que são produções que trabalham com orçamentos pequenos e dependem de financiamento externo.

Outra possibilidade para a proposição de artistas emergentes são os espaços públicos culturais. Essas instituições têm por missão apoiar, incentivar e, até mesmo, produzir novas propostas artísticas, que ainda não são promovidas pela indústria cultural.

LV: Quais são os critérios que o senhor utiliza ao programar um artista brasileiro?

FM: Tem que ser bom, nos agradar, tem sempre uma espécie de sedução entre o artista e um programador, mas, por exemplo, entre programar alguém muito conhecido, que já

tem uma grande notoriedade mundial e programar um grupo que é menos conhecido, que vem de uma pequena comunidade do Brasil e que pode ser descoberto pelos franceses, nós vamos escolher a segunda solução. Porque esta é a nossa vocação, é uma

missão pública. [...] Nós somos um estabelecimento público que procura programar coisas que não tem a oportunidade de passar na televisão, por exemplo.