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Brasil e Costa RicaBrasil e Costa Rica

Brasil e Costa Rica

Brasil e Costa Rica

Brasil e Costa Rica

companheiras às seis da manhã contra a Turquia, tinham sido companheiras às 8 e meia da manhã contra a China, mas solidariedade às 3 e meia da manhã era pedir demais. As mulheres ficariam em casa, dormindo, enquanto os homens assistiam Brasil e Costa Rica na casa do Edson. E o Gilson aproveitou. Pela primeira vez em dez anos - na verdade pela primeira vez desde o caso com a Regininha, se é que aquilo podia ser chamado de caso - o Gilson não resistiu. O álibi estava pronto, e era perfeito. A Luiza não desconfiaria. E afinal, dez anos de fidelidade mereciam um prêmio. Mereciam, pelo menos, uma folga. Gilson não foi à casa do Edson ver Brasil e Costa Rica.

* * *

Quando Gilson entrou no quarto, às 6 da manhã, a Luiza acordou. E disse:

- Que coisa, hein? - O quê?

- O jogo.

Gilson gelou. O que teria acontecido no jogo? Ele não sabia de nada. Saíra diretamente do motel para casa. No motel, nem pensara em ligar a televisão. Ou ligara, mas para verem Tara no Internato no circuito interno. O que acontecera? Várias possibilidades catastróficas passaram pela sua cabeça. O Brasil perdeu para a Costa Rica. O Brasil foi goleado pela Costa Rica. Pior, o Brasil foi goleado e alguém se machucou. Alguém foi expulso. Meio time foi expulso. O Felipão mordeu o juiz. O estádio desmoronou. O que acontecera, meu Deus? Decidiu ganhar tempo.

- Você viu o jogo?

- Vi. Perdi o sono e acabei vendo. Que coisa, né? * * *

Gilson disse “Mrlm” e entrou no banheiro. “Mrlm” tanto poderia significar “É” como nada. O importante era não se comprometer. E se fosse

um truque? E se fosse um teste? Se ele dissesse “É”, estaria reconhecendo que algo acontecera, e obrigado a comentar o acontecido. E então ela daria o bote. Não aconteceu nada. Ou se aconteceu, eu não vi. E nem você, seu cretino! Onde você estava na hora do jogo? Onde você estava? Hein? Hein? O melhor era se trancar no banheiro, e demorar. Com sorte, quando saísse do banheiro ela estaria dormindo outra vez. Ele precisava de tempo. Precisava pensar. Precisava se organizar.

* * *

Trancado no banheiro, não conseguia pensar em nada. Só que precisava se organizar. Digamos que tenha acontecido mesmo uma catástrofe. Posso improvisar. Concordar que foi um horror e deixar ela falar, para descobrir o que foi. Fingir que ainda estou abalado pelo acontecido e prefiro não tocar no assunto. Mas é um risco. Se na verdade não aconteceu nada, eu estarei me denunciando. Mas se aconteceu e eu não vi, é pior! Calma. Preciso de calma. Frieza. Raciocínio. O que pode ter acontecido no jogo para merecer a frase “Que coisa, né?” Pode ter sido apenas um mau jogo. Mais difícil do que o esperado, só isso. Não tenho razão para me apavorar. Ou tenho? Ela nunca me perdoou pela Regininha.

* * *

O celular! Claro! Por que não pensei nisso antes? Estou com o meu celular. Ligo para o Edson e pergunto o que aconteceu no jogo. Não, o Edson não. Não tenho tanta intimidade assim com ele. Não para acordá-lo às 6 da manhã. O Rubinho. O Rubinho é amigão. Amigo de se acordar a qualquer hora, numa emergência. É esta é uma emergência. Meu casamento pode estar ameaçado. Minha vida pode estar ameaçada. O Rubinho. Qual é o número do telefone do Rubinho? Sei de cor mas esqueci. É o nervosismo, tenho que me controlar. Me lembrei! Rubinho, amigão. Me salva!

* * *

- Oi, Neidinha. Acordei você? - Claro que acordou, não é, Gilson?

- Desculpe. É que eu... O Rubinho pode atender? - O Rubinho não está com você?

Ai, ai, ai.

- Ele não está aí?

- Na cama, não. Pelo menos na nossa cama, não. Ele me disse que vocês iriam tomar café da manhã juntos e ele chegaria mais tarde. Pronto. O Rubinho também aproveitou Brasil e Costa Rica para fazer programa.

- É. Nós estávamos juntos até há pouco. Pensei que ele já tivesse chegado em casa.

- Algum problema, Gilson?

- Não, não. Nada. Nada. O Rubinho deve chegar aí a qualquer momento.

- Como foi o jogo? - Mrlb.

- O quê?

- Nada. Vai dormir, Neidinha. * * *

- Algum problema, Gilson?

Agora era a Luiza, batendo na porta do banheiro. - Não, não. Nada. Nada. Já vou sair.

O Edson. O jeito era telefonar para o Edson. Se já não eram tão amigos, ficariam menos com um telefonema àquela hora. Mas não havia outro jeito. Como era mesmo o número do Edson?

- Alô?

- Sim senhor hein? Belos amigos vocês são. Eu preparo tudo, compro bebidas, faço sanduíches, e não me aparece ninguém.

- Ninguém?!

- Ninguém. Vi o jogo sozinho.

- Puxa. Mas Edson, falando nisso, o que aconteceu no... - Ó Gilson, quer saber de uma coisa? Vai a merda. E Edson desliga o telefone.

* * *

Bom, pensa Gilson. Pelo menos eu sei que não fui só eu. Todos aproveitaram o álibi do jogo. O Rubinho, o Alci, o Careca, o Pena. Cambada de safados. Agora só o que eu tenho que fazer é esperar um pouco e ligar para todos. Para combinarmos uma história em comum. Meu único problema é explicar à Luiza por que eu não saio do banheiro.

- Gilson, qual é o problema?

- Nada, não. Uma dorzinha de barriga. Deve ter sido os sanduíches do Edson.

Buddha Ba

Buddha BaBuddha Ba

Buddha Barrrr

Conseguiram me levar ao Buddha Bar. Me convenceram que eu não podia deixar de ir ao Buddha Bar. Que eu seria apontado na rua como o homem que, estando em Paris com meios e noites livres, não foi ao Buddha Bar. Mães me usariam como exemplo, para os filhos, de negligência turística e preconceito, e dos males do desânimo social. Eu não poderia dizer que tinha conhecido o mundo e passado pelo milênio sem uma visita, pelo menos uma, ao Buddha Bar. Devia aquilo à minha biografia. Fomos ao Buddha Bar.

Antes de mais nada, minha relutância não era preconceito. Ao contrário, meu conceito de lugares da moda se formou depois de conhecer alguns. Os lugares da moda costumam estar cheios de pessoas que querem ver quem está lá e tiram o lugar de quem estaria lá para ser visto. O serviço geralmente é ruim e a comida, se existir, é só passatempo. E se o lugar está na moda é porque já passou da moda. Isto é, as pessoas que o transformaram em moda já pararam de ir. E você não pode dizer como a maravilhada Charity no filme de Bob Fosse, depois de olhar em volta num restaurante de Nova York, “Eu sou a única pessoa aqui de quem eu nunca ouvi falar!”

As celebridades visíveis do Buddha Bar naquela noite estavam à nossa mesa, a Danuza e o Xeréo. O lugar é bonito e bom e o único problema com o serviço é a dificuldade em distinguir as moças e os rapazes que servem da clientela. Você pode acabar pedindo outra mineral para um herdeiro ou um modelo que passa - todos são magros, pálidos e de preto. Parece ser só restaurante, mas é possível que depois da meia-noite arredem o grande Buda que domina o salão e dancem. E não é que a comida é boa? Gostei do Buddha Bar. Mas tomaram minha aprovação como uma conversão e já estavam me incluindo numa ida a um lugar chamado Blue Elephant. Tive de reagir. O Elefante Azul não. Todo homem precisa definir os limites do que fará, as fronteiras do que se permite. O Elefante Azul é o meu limite.

Mas fomos, a Lúcia e eu, ao Batalclan. A causa era nobre, ver e ouvir o Herbie Hancock. Na fila de espera para entrar eu já comecei a ficar preocupado. Ao cruzarmos a porta do Bataclan certamente soaria uma sirene, alguém começaria a gritar “Sexagenário! Sexagenário!” e eu seria barrado por excesso de idade. Mas entramos com os moços e encontramos o Ruy Carlos Ostermann, que tinha chegado mais cedo. O que foi bom, porque o Ruy aumentava a média de idade do lugar. O Bataclan é um

antigo teatro ou cinema do qual retiraram as cadeiras da platéia. Você pode escolher entre ficar de pé na frente do palco ou subir e sentar no balcão. Conseguimos sentar. O Ruy preferiu ficar na platéia, e desapareceu. Herbie Hancock demorou a chegar. Esperamos fumando, contra a nossa vontade. Como todos à nossa volta no balcão fumavam, como todo mundo na França fuma, devemos ter liquidado, involuntariamente, várias carteiras antes e durante o show. A fumaça subia da platéia como se ela tivesse acabado de ser bombardeada. Não me pergunte como está o Herbie Hancock. Mal consegui vê-lo, através da fumaça. Só o que eu via eram as fagulhas dos cigarros chegando à forração. E quem consegue ouvir alguma coisa pensando sem parar nas conseqüências de um incêndio? Eu só imaginava o seguinte: vão encontrar meus ossos no meio das cinzas, observar que são de uma pessoa muito mais velha do que todos os outros e se perguntar o que eu estaria fazendo ali. Além de tudo, não vão entender os meus ossos!

Casal

CasalCasal

Casal

O irmão da noiva foi encarregado de fazer o vídeo do casamento e apareceu no altar com um negro grande chamado Rosca para segurar as luzes. O irmão e o Rosca passaram todo o tempo circundando o casal e o padre, com o irmão sinalizando onde queria as luzes e o Rosca tirando padrinhos e madrinhas do caminho, subindo em nichos do altar e se agarrando em santos para se colocar, e a certa altura da cerimônia batendo no ombro do padre e pedindo “Quédalicença?” porque o padre estava fazendo sombra.

Na fila dos cumprimentos a Maria Alice, com quem o noivo quase se casara, se aproximava, com seus seios portentosos. Mais de uma amiga,

só pensando “Cadela”. Quando Maria Alice e seu decote chegaram na frente do noivo ele, de olho no decote, perguntou “Como vão vocês?” e depois não pode se corrigir porque a Maria Alice estava abraçando-o e beijando-o e desejando toda a felicidade do mundo, viu? De coração. E para a noiva: você também, querida.

Na recepção, depois, a mãe da noiva dançou com o noivo, o pai do noivo dançou com a noiva, a mãe do noivo dançou com o pai da noiva, a nova mulher do pai da noiva dançou com o namorado da mãe do noivo, a terceira mulher do pai do noivo dançou com o Rosca e o padrasto da noiva, felizmente, estava com um problema na perna.

- Você, quando viu a Maria Alice, não... - Não!

- Jura? - Juro.

- Porque com todo aquele enchimento... - Enchimento? Você acha?

- Pelo amor de Deus! Plástica! - Sei não...

Ele ia dizer que conhecia os seios da Maria Alice pessoalmente, que botava as mãos no fogo pelo... Mas ela tinha começado a chorar.

- Bitutinha! O que é isso? - Não sei...

- Chorando por causa dos seios postiços da Maria Alice, Bitutinha?! - É insegurança, entende?

Quarta ou quinta noite da lua-de-mel. Bom como nunca tinha sido antes, nem no namoro. A janela aberta, um único grilo prendendo a noite lá longe, como um preguinho de som, e os dois suados e abraçados na cama do hotel-fazenda.

Tão apertado que um parecia querer atravessar o outro, porque não sabiam o que dizer, não sabiam o que era aquilo, aquele se gostar tanto. Bom de doer, bom de assustar. E ele pensando: vai dar certo, vai ser sempre assim, nós vamos ser sempre assim, a felicidade é esta coisa meio muda e desesperada que a gente não quer que acabe, ela vai ser minha mulher para sempre e vai ser bom, eu não precisava ter me preocupado tanto só porque ela pediu para tocarem Feelings no casamento.

Depois da inauguração do apartamento ele ouviu ela chorando no banheiro, foi ver e ela tinha se emocionado vendo as escovas de dentes deles, lado a lado.

Era bobagem, ela sabia, mas não tinha podido se controlar. Naquela noite foi no chão do banheiro mesmo, ele e a sua Bitutinha.

- Só dá a Maria Alice!

No teipe do casamento, era mesmo a Maria Alice, no seu vestido vermelho, quem mais aparecia. Mais, até, do que a noiva. O irmão tentou se explicar.

- O vermelho atrai a câmera.

E prometeu um parecer científico que comprovava o fenômeno. - Lembra do Rosca pedindo para o padre se afastar porque estava atrapalhando a filmagem?

- Parece que faz tanto tempo, né?

- Bom. Brincando, brincando, lá se vão...

Brincando, brincando, lá se tinham ido dois anos. Depois foram mais cinco, depois mais três...

- Você se dá conta que nós estamos casados há 12 anos? Doze anos já se passaram!

E ele, distraído:

- Eu?

- É. Você tinha um apelido pra mim. Na cama. Lembra? - Tem certeza que era eu?

- Burungunga. Não, Burungunga não. Tutuzinha? Não... - Pokémon?

- Não, nem existia, na época. Era alguma coisa como... Xurububa. - Duvido.

E um dia ele leu no jornal que a Maria Alice faria uma palestra sobre Psicologia Motivacional. Tinha fotografia da doutora Maria Alice: óculos, papada, busto matronal. O tempo pensou ele, é isso, o que transforma os seios da Maria Alice em busto matronal. A destruição de impérios e civilizações é só efeito colateral, e não nos diz respeito.