• Nenhum resultado encontrado

Contos de reis Contos de reis

Contos de reis

Contos de reis

Contos de reis

Os baixos instintos Houve o rei Felisberto II, num daqueles anos com três dígitos, tão antigamente que os historiadores não precisavam estudar o passado, que na época quase não existia. Tomavam nota na hora. Felisberto II era chamado de O Interrompido, pois devido a um problema na sua concepção, parece que com uma crise de soluços do seu pai (Felisberto I) na hora da ejaculação, ele nascera em duas partes: primeiro a parte de cima e alguns minutos depois, quando a rainha já se resignara a ser mãe de meio filho, a parte de baixo.

Pelo resto da sua vida seria assim: as partes separadas do rei levando vidas separadas. A parte de cima ia na frente, carregada por criados, e a parte de baixo ia atrás, sempre atrasada, ainda mais porque tinha dificuldade em vestir as calças, sem braços. A parte de baixo não tinha criados, nem ajudantes de qualquer espécie, virava-se sozinha. Porque a parte, assim, nobre do rei era a parte de cima, onde ficava a cabeça e o coração, ou o centro de decisões, e os braços e as mãos, que assinavam, e abençoavam, e distribuíam, e comandavam e afagavam, enquanto a parte de baixo só podia dar pontapés. O rei era a parte de cima, a outra parte era apenas sua complementação, uma espécie de abono, supérfluo como todos os abonos. Só o que a parte de baixo tinha era mobilidade e baixos instintos, e o que são a mobilidade e os baixos instintos comparados com a inteligência, a generosidade e a virtude num homem? A parte de cima do rei era superior em todos os sentidos.

As duas parte de Felisberto II, o Interrompido, só se uniam em solenidades do reino, quando então a parte de baixo era obrigada a se controlar, e não sair sapateando pelo salão como gostaria porque não agüentava o tédio, e a ficar firme sob a parte de cima enquanto este dirigia a solenidade, e cumprimentava dignitários visitantes, e fazia discursos e tomava decisões, e reinava com sabedoria e serenidade. Não foram poucas as vezes em que a parte de baixo teve que fazer um esforço para não chutar um dignitário, ou dar um pum no meio da solenidade, só para chatear, pois preferia estar sendo supérfluo em outro lugar, fazendo outra coisa, em vez de ali, simulando a integridade de um rei. E no futuro os historiadores lembrariam do rei Felisberto II como um grande rei, sereno e sábio, e estranhariam que ninguém da sua imensa prole - cento e dezessete príncipes, cada um de uma mãe diferente e cada um pior do que outro - tivesse herdado o seu valor, ou continuado o seu reino. Pois haviam todos puxado a sua parte inferior, que, além dos baixos instintos, tinha muito mais mobilidade. Significando que somos todos filhos da parte de baixo, a parte de cima é que é uma espécie de abono.

O leão Samul foi buscar a neta na escola, como fazia todos os dias, e na volta pararam na sorveteria do Giacomo, como faziam todos os dias. Ela tomou um sorvete, ele aproveitou para conversar com o Giacomo, o Mario, o Luigi e seus outros amigos da sorveteria. Samul e Giacomo torciam pelo Roma, Mario e Luigi pelo Lazio, a conversa deles era sempre a mesma, gritavam, insultavam-se e riam muito. Samul gostava daquela rotina diária. Depois chegaria em casa, ajudaria a neta com a lição, ligaria a televisão, tomaria a sua sopa na frente da televisão, mais tarde sua filha o acordaria e o mandaria para cama. Mas naquele dia foi diferente. Quando ele e a neta chegaram em casa havia uma multidão de repórteres na frente do prédio.

Botaram microfones na sua cara, perguntaram se ele já sabia. Sabia o quê? O governo revolucionário da sua terra fora derrubado, o povo exigia a sua volta, as potências ocidentais queriam a sua volta, ele era a solução para unir todas as facções revoltadas na sua terra e manter o equilíbrio geopolítico da região, ele tinha que voltar para o trono. Depois de dez anos de exílio, o rei precisava voltar e reinar outra vez. Dentro da casa, sua filha estava eufórica. Finalmente, justiça! Eles deixariam aquela vidinha medíocre de classe média e voltariam para o Palácio de Marfim e seus mil empregados. Seriam, de novo, adulados, e temidos e invejados. Era para aquele dia sonhado que ela tinha guardado a túnica majestosa do pai, feita de lã estriada com ouro. Era vestindo a túnica dos seus antepassados que Samul, o Leão, receberia a imprensa internacional, e revelaria seus planos para a restauração. Quando a filha foi buscar a túnica, Samul viu que a neta lhe fazia um sinal da porta da cozinha. Vem! A neta o puxou pela mão e ele não resistiu. Saíram os dois de mãos dadas pelos fundos do prédio, sem serem vistos. Talvez o Sr. Sandro, da farmácia, com quem Samul jogava xadrez todas as quintas, poderia escondê-los em casa até que passasse aquela onda.

Engano Por uma dessas confusões diplomáticas, o Rei da Pamonha de Piripoga, São Paulo, foi convidado para a coroação de um rei europeu - e foi. Na chegada do Rei da Pamonha de Piripoga e da mulher, Arides e Lucialva, no castelo onde se realizaria a cerimônia houve uma certa confusão, de que família real eles eram, mesmo? Pamonha de Piripoga não constava em nenhum almanaque de monarquias. Mas eles tinham o convite e entraram, e a Lucialva até chegou a falar rapidamente com a rainha Elizabeth da Inglaterra (“Good, good”, referindo-se a um canapé que ambas comiam) e a certa altura o Arides foi visto confidenciando a um duque francês que o cerimonial se enganara, ele não era um rei de verdade, que “Rei da Pamonha” era só um slogan publicitário, como o “Rei da Surdina”,

também de Piripoga, e que no Brasil rei, rei mesmo, só havia um: o Roberto Carlos.

Co

Co

Co