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Breve caracterização económica do colonialismo emergente

Torna-se difícil caracterizar em termos globais os diferentes contextos e circunstâncias históricas da expansão colonial europeia. Mesmo assim, como demonstraram facilmente Coquery-Vidrovitch e Moniot145, as motivações

económicas da empresa colonial parecem poder ser perspectivadas numa «História comum» cobrindo as mais diversas experiências, pelo menos no que diz respeito ao continente africano.

Em termos meramente económicos, nessa primeira fase da instalação colonial a colocação dos europeus exigiu a expropriação de terras, muitas vezes a mais rica e a mais lucrativa. Aludindo a diferentes experiências coloniais, Rita

144 Raymond FIRTH (1983), We, the Tikopia. A sociological study of kinship in primitiv Polynesia,

Stanford University Press, Stanford (1ª edição, 1936), p. 487.

145 Catherine COQUERY-VIDROVITCH & Henri MONIOT (1974), L’Afrique Noire de 1800 à nous

O'Brien distingue as motivações e os desenvolvimentos subsequentes próprios a cada contexto:

«O sucesso da agricultura europeia dependeu de monopólios para a comercialização interna ou para a exportação e de outras concessões especiais atribuídas pela administração colonial (...). O controlo e a exploração dos recursos minerais foi

também crucial para o desenvolvimento do capitalismo. Uma vez explorados os recursos primários, estava criada a base para o estabelecimento do comércio e industrialização. Nesta fase, a migração de Brancos da metrópole foi encorajada a fim de fornecer as competências necessárias à mão-de-obra. É interessante notar a forma como a expansão do capitalismo na periferia do Império frequentemente correspondeu à necessidade de empregar excedentes de mão-de-obra do centro. Assim, A Argélia nos primeiros anos da colonização e após a Segunda Guerra Mundial oferecia uma boa oportunidade de emprego dificilmente conseguida no país de origem. No Senegal e em Moçambique, após 1950, a mesma falta de oportunidades de emprego na Europa tornou aquelas colónias ultramarinas num paraíso para os desempregados»146.

Se bem que a empresa colonial seja comummente aceite como se tendo iniciado no advento do último quartel do século XIX, as bases do seu lançamento estavam já traçadas desde o início do século XVIII, com o crescendo mercantilista imposto pela Grã-Bretanha nas suas áreas de interesse. Para nos cingirmos ao caso português, o tratado estabelecido em 1703 com a sua «velha aliada» e conhecido pelo nome do seu mais célebre mentor, Methuen, marca o início da imposição mercantilista em Portugal e, decorrentemente, nas suas

146 Rita Cruise O’BRIEN (1979), «White society in Africa: an introduction», in White Society in

possessões ultramarinas. É precisamente nessa altura que se dá o tiro de partida do sistema colonial numa concepção mercantilista. Tudo passou pela imposição de normas limitativas ao comércio das colónias em favor da metrópole, determinando a interdição do mercado colonial aos produtos estrangeiros, a obrigatoriedade da exportação dos produtos coloniais para a metrópole e a proibição das colónias em fabricar objectos manufacturados. Neste modelo, partindo-se do conceito de descontinuidade geográfica e consequente diferenciação climatérica, a colónia funcionaria simultaneamente como fornecedora de matérias-primas e como mercado comercial.

O acerto mercantilista conduziu as colónias ao enquadramento numa economia nacional, onde lhe estavam reservadas umas quantas imposições e quase nenhuns direitos:

«Artigo I – Sua Sagrada Majestade El-Rei de Portugal promete, tanto em seu próprio nome como no de seus sucessores, admitir para sempre daqui em diante no Reino de Portugal os panos de lãs e mais fábricas de lanifício de Inglaterra, como era costume até ao tempo em que foram proibidos pelas leis, não obstante qualquer condição em contrário.

Artigo II – É estipulado que Sua Sagrada e Real Majestade Britânica, em seu próprio nome e no de seus sucessores, será obrigada para sempre e daqui em diante a admitir na Grã-Bretanha os vinhos do produto de Portugal, de sorte que em tempo algum (haja paz ou guerra entre os Reinos de Inglaterra e de França) não se poderá exigir os direitos de alfândega nestes vinhos, ou debaixo de qualquer outro título directa ou indirectamente, ou sejam transportados para Inglaterra em pipas, tonéis ou qualquer outra vasilha que seja, mais do que se costuma pedir para igual quantidade ou medida de vinho de França, diminuindo ou abatendo uma terça parte do

direito do costume. Porém, se em qualquer tempo esta dedução ou abatimento de direitos, que será feito como acima e declarado, for por algum modo infringido e prejudicado, Sua Sagrada Majestade poderá justa e legitimamente proibir os panos de lã e todas as mais fábricas de lanifício de Inglaterra»147.

Na peugada deste Tratado de Methuen, em que se impunha uma obrigação a troco de uma faculdade, a Inglaterra consubstanciava assim o seu império mercantilista e a conclusão do Tratado de Utreque, dez anos depois, consagrou e arrastou para o sistema mercantilista a Holanda – já empenhada desde finais do século XVII – Portugal, a Espanha e a França148.

Essa «economia de pilhagem»149 conheceu diversas realizações e

obedeceu a díspares motivações por parte de cada um dos potentados expansionistas. Como muito bem acentuou Oliveira Martins, porventura o mais lúcido dos nossos pensadores de Oitocentos, nem mesmo o período das viagens de exploração que antecedeu a partilha de África poderá deixar de ser compreendido à luz desse velho mercantilismo:

«Livingstone cruzara a África em vários sentidos; descobrira – porque as anteriores descobertas haviam passado despercebidas, ou estavam esquecidas – os rios e os lagos do interior; e revelava à Inglaterra manufactureira e bíblica a existência de vinte ou trinta milhões de homens que andavam

147 Tratado de Methuen transcrito em António H. Oliveira MARQUES (1983), História de

Portugal, Palas Editores, Lisboa, pp. 289-290.

148 Para uma visão global, mas sintética, do Tratado de Methuen nas suas origens e implicações,

ver «Methuen, Tratado (1703)» em Joel SERRÃO [ed.] (1979), Dicionário da História de Portugal, Figueirinhas, Porto, vol. IV, pp. 284-291.

149 Catherine COQUERY-VIDROVITCH & Henri MONIOT (1974), L’Afrique Noire de 1800 à nous

nus, e podiam vestir-se de algodão de Manchester; que adoravam fetiches, e deviam aprender a Bíblia»150.

Necessariamente, o empenho de cada uma das potências na empresa colonial manifestou-se diferentemente e, se tomarmos em consideração os índices económicos, o esforço da Grã-Bretanha deixou a perder de vista a aplicação económica das restantes potências. A título ilustrativo, no período compreendido entre 1870 e 1900, a Grã-Bretanha investiu em África, sob diversas formas, cerca de 235 milhões de libras, ao passo que o conjunto das outra potências coloniais, Alemanha incluída, não ultrapassaram os 40 milhões de libras151. A ilação a retirar destes dados é inegável: essa enorme diferença

quantitativa de investimentos trai uma diferença qualitativa – o colonialismo britânico era um colonialismo diferente, pela forma como se assumiu mas também pelo modo como se desenvolveu. Decorrentemente, foi no domínio britânico, mais do que em qualquer outro contexto colonial, que a Antropologia conheceu os seus mais significativos avanços, pelo menos até ao advento da Segunda Guerra Mundial.

4. A afirmação de uma ciência: o apelo da Antropologia Social