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Se bem que possa ser entendido como o fenómeno social de mais longa duração na História contemporânea da Humanidade, o colonialismo nem sempre tem motivado, pelo menos no campo mais restrito das ciências sociais – e que engloba, sobretudo, a Sociologia e a Antropologia —, tratamento analítico conforme à sua importância. Se exceptuarmos os contributos decisivos da escola sociológica francesa de Georges Balandier, afirmados nos distantes anos da primeira metade da década de 50, bem poderemos dizer que a investigação sócio-antropológica sobre o colonialismo – nas suas implicações integrais – tem sido pouco mais que inexistente. Consequentemente, a melhor definição de situação colonial continua a ser a que foi primeiramente aventada por Balandier15, já lá vão mais de 50 anos, e que, posteriormente, seria precisada por

via dos seguintes operadores:

«... a dominação imposta por uma minoria estrangeira, racial e culturalmente diferente, apelando a uma superioridade racial (ou étnica) e cultural dogmaticamente afirmadas, sobre uma maioria autóctone materialmente inferior; o confrontar de civilizações heterogéneas: uma civilização industrializada, com uma economia poderosa, com um ritmo rápido e de origem cristã impondo-se a civilizações sem técnicas complexas, de economia retardada, com um ritmo lento e radicalmente não-cristãs; o antagonismo nas relações estabelecidas entre as duas sociedades que se justifica pela instrumentação a que é condenada a sociedade dominada; a necessidade, para manter a dominação,

15 GeorgesBALANDIER (1951), «The Colonial Situation: a theorical approach», in Pierre L. van

em recorrer não apenas à força mas também a um conjunto de pseudo-justificações e de comportamentos estereotipados ...»16.

Mais do que pelos limites da sua definição, a noção de situação colonial vale pelas suas implicações, isto é, a possibilidade de considerar o colonialismo como uma totalidade, e não um conjunto de processos independentes, resultantes de experiências sociais únicas e exclusivas17. Mais, este conceito

operativo parece desvalidar a questão de se saber se houve bons ou maus colonialismos, sendo certo, contudo, que não se poderão negar as especificidades de cada situação colonial.

A situação colonial portuguesa, isto é, a dominação política, económica, social e cultural de Portugal sobre territórios, populações, sociedades e culturas situadas para além da sua matriz política e geográfica europeia original – situação essa que foi proporcionada pela expansão ultramarina iniciada no século XV —, tem-se prestado às mais díspares caracterizações, quase todas elas assentes numa muito propalada especificidade do modelo colonial português: num extremo, a caracterização «humanista» do colonialismo português, de que o melhor exemplo são as posições de Gilberto Freyre18; no outro extremo, os

autores que apregoam o subdesenvolvimento, exploração e iniquidade únicas do colonialismo português, de entre os quais poderemos destacar Barry

16 Georges BALANDIER (1955), Sociologie Actuelle de l'Afrique Noire, Presses Universitaires de

France, Paris, pp. 34-35. Vale a pena, a este propósito, confrontar a definição de Balandier com uma definição «clássica» de colonialismo: «A colonial relationship is created when one

nation establishes and maintains political domination over a geographically external political unit inhabited by people of any race and at any stage of cultural development», em Hans KOHN (1958), «Reflections on colonialism», in Robert STRAUSZ-HUPÉ & Harry W. HAZARD [eds.], The Idea of

Colonialism, Atlantic Books (Stevens & Sons Ltd.), London, p. 4.

17 No sentido estabelecido por Georges BALANDIER (1955), Sociologie Actuelle de l'Afrique Noire,

Presses Universitaires de France, Paris: «Nous avons préfère, à la faveur des "vues" particulières

prises par chacun des spécialistes, saisir la situation coloniale dans son ensemble et entant que système».

18 Ver, por exemplo, Gilberto FREYRE (1958), Integração Portuguesa nos Trópicos. Portuguese

Integration in the Tropics, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa, que condensa o essencial das posições deste autor.

Munslow e Malyn Newitt19. Mas, posta nestes termos, essa especificidade do

colonialismo português não é mais do que uma falsa questão: não se trata de um destino, ou de uma designação divina; também não resulta de uma fatalidade histórica ou de um perfil psicossomático colectivo. Em boa verdade, o que há de específico não se encerra no próprio colonialismo português, como se essa fosse uma realidade não situada. O que existe de particular ao colonialismo português, vale também – em diferentes proporções e articulações, é certo – para as restantes práticas coloniais europeias contemporâneas da portuguesa: um conjunto de factores exógenos à própria situação colonial – mas que sobre ela operam com a mesma eficácia da dos factores endógenos – e que têm sido cabalmente expostos pela História Económica e Social nas últimas quatro décadas. Assim, fosse ditada por imperativos da economia mundial, derivasse de globais imposições geo-políticas, poderíamos chegar a esta paradoxal e extemporânea conclusão: a especificidade do colonialismo português resultou de um conjunto de factores cujo controlo lhe escapou quase que por completo.

É comummente reconhecido que, durante décadas e em obediência a pressupostos teóricos muito pouco historicistas, a Antropologia acabou por encerrar as sociedades colonizadas – e que, afinal, constituíam o seu objecto de estudo – numa especificidade «não situada». Ora, o que existe de verdadeiramente absurdo nessa tomada de posição é que a Antropologia, nas suas mais variadas assunções, parece ter fornecido um contributo decisivo ao desenvolvimento de um certo «colonialismo científico», isto é, de uma forma ou

19 Ver Barry MUNSLOW (1983), Mozambique: the Revolution and its origins, Longman, London e

MalynNEWITT (1981), Portugal in Africa. The last hundred years, C. Hurst & Co., London. No mesmo sentido ver, ainda, Allen ISAACMAN & Barbara ISAACMAN (1980), «Mozambique during the colonial period», in Tarikh, vol. 6, (4), Historical Society of Nigeria, Lagos. Para uma posição intermédia ver, por exemplo, os estudos «clássicos» de Basil DAVIDSON (1980), «Colonialism in Angola: prefatory note», in in Tarikh, vol. 6, (4), Historical Society of Nigeria, Lagos e David BIRMINGHAM (1981), «Portuguese rule in Angola», in Tarikh, 16 (vol. 4, nº 4), Historical Society of Nigeria, Longman, London, em que, ao contrário dos autores acima citados, os indicadores políticos, sociais e económicos não se deixam sobrepor por quaisquer considerações ideológicas.

de outra, esteve implicada num processo social de que, geralmente, afirmava desconhecer os componentes. Para utilizar uma expressão consagrada por Coquery-Vidrovitch e Moniot20, tudo se passaria como se a Antropologia e as

outras ciências sociais e humanas chamadas ao terreiro colonial «contornassem o facto colonial»:

«Houve uma história colonial; quando deixou de considerar os colonizados como objectos, passivos ou insubmissos, de uma obra civilizadora, forneceu descrições exteriores da evolução das sociedades africanas, a partir de documentos, de observações e de pontos de vista apenas pertinentes relativamente às acções, aos projectos e às representações do Ocidente. Existiu uma importante etnologia de terreno ao longo da época colonial; mas ela encerrou, frequentemente, os povos estudados numa especificidade não situada. A fraqueza fundamental dessas duas atitudes científicas não reside na utilização, constante, de materiais demasiado parciais – todos eram potencialmente úteis —, nem nas preocupações muito pouco africanistas da primeira – pois a acção do colonizador foi um vigoroso constituinte da história dos colonizados – ou na atenção muito pouco historicista da segunda – já que tal etnologia ignorava, antes do mais, uma grande parte do que lhe era contemporâneo. A fraqueza residia no facto de esses processos intelectuais contornarem o facto colonial»21.

Em parte, tal posição parece ter resultado da natureza fragmentária das ciências sociais e humanas, o «carácter conflituoso interno das ciências humanas» a

20 Catherine COQUERY-VIDROVITCHN & Henri MONIOT (1974), L’Afrique Noire de 1800 à nous

jours, Presses Universitaires de France, Paris.

que se refere Houart22, originado no conhecimento multilateral dos fenómenos

humanos: o desdobramento do objecto de estudo face a uma diversidade de abordagens metodológicas – antropológica, sociológica, histórica, entre outras – originou a situação «paradoxal» de, perante cada dimensão particular da experiência humana – factos e fenómenos sociais, na conceptualização «durkheimiana»23 —, desencadearem-se explicações alternativas, todas elas

pretensamente correspondendo aos mais estritos critérios científicos. Esta fragmentação do conhecimento no domínio das ciências sociais e humanas, impõe, por si mesma, a pertinência, já aqui defendida, de uma ciência das condições sociais e históricas da produção de conhecimentos e que, nesta investigação, circunscreveremos ao domínio da Antropologia.

O reconhecido «ahistoricismo» que perpassou pelas principais correntes do pensamento antropológico do nosso século – que marcou o desenvolvimento de toda a Antropologia moderna e permitiu, em grande parte, afirmar a autonomia desta disciplina face às restantes ciências sociais – originou uma ruptura decisiva entre os discursos das disciplinas históricas e o das disciplinas antropológicas. Do ponto de vista destas últimas – e evocando, apenas, a célebre dicotomia «straussiana» sociedades quentes / sociedades frias —, tudo se passaria como se as formações sociais estivessem investidas da capacidade de opção entre uma história cumulativa e um estado de equilíbrio, como que uma história repetitiva, sem que, em nenhum dos casos, se inquirissem os mecanismos pelos quais algumas sociedades são constrangidas a transitar de um estado para o outro. Esta questão seria deixada à consideração das ciências históricas, já que a Antropologia, ao tomar por objecto apenas as sociedades que

22 Jacques HOUART (1985), Anthropologie et Epistemologie, Instituto de Antropologia,

Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 15.

23 Cf. Emile DURKHEIM (s.d. [1984]), As Regras do Método Sociológico, Editorial Presença, Lisboa,

ignoravam a História, condenou-se a uma redução do seu objecto de estudo e a uma imposição de partilha:

«Mas partilha à medida das ambições dessa ciência, sujeitas a desaparecerem definitivamente. Em boa verdade, foi essa precariedade que ela [Antropologia] assumiu. Deixando aos

historiadores o estudo da longa duração, ela constituiu os arquivos de um mundo incerto do seu futuro e sem memória do seu passado, onde apenas a palavra humana faz fé»24.

Esta última alusão evoca os esforços da escola estruturalista na descodificação das mitologias veiculadas pela tradição oral das sociedades tidas como «frias». O reconhecido bom sucesso desse propósito de descodificação parece ter implicado, em contrapartida, que à força de serem projectadas para um passado mera e duplamente simbólico, as sociedades que produziam essa tradição oral eram artificialmente cristalizadas, desprovidas de qualquer dinâmica social endógena e/ou exógena. A Antropologia estruturalista «straussiana» manteve um diálogo equívoco com a situação colonial, isto é, não a ignorando por completo mas, decididamente, secundarizando o seu quadro político e social, preferindo realçar o desenvolvimento da ciência antropológica proporcionado pelo contacto:

«Se o colonialismo não tivesse existido, o desenvolvimento da antropologia teria sido pelo menos retardado; mas, talvez, também a antropologia não tivesse sido levada, como se tornou o seu objectivo, a questionar o Homem integralmente em cada um dos seus exemplos particulares. A nossa ciência atingiu a maturidade no dia em que o homem ocidental se apercebeu que nunca poderia compreender-se a si próprio enquanto existisse

24 Michele DUCHET (1985), Le Partage des Savoirs. Discours historique, discours ethnologique,

uma única raça ou povo à superfície da Terra que ele tratasse como um objecto. Só então pôde a antropologia assumir-se como aquilo que é: um empreendimento de reassunção e remissão do Renascimento, de molde a difundir o humanismo a toda a humanidade»25.

Mas o funcionalismo «malinowskiano» – a outra grande corrente da Antropologia deste século – manteve uma posição, no essencial, não muito diferente26: julgava acreditar, de igual forma, que a Antropologia poderia

desempenhar um papel algo filantrópico junto das populações dominadas. Tudo se passaria como se a situação colonial não pudesse escapar da sua inevitabilidade e o antropólogo estivesse apenas destinado a tentar torná-la num mal menor, concorrendo, com as autoridades administrativas, para o bem- estar das populações submetidas. Ao assumir o colonialismo como uma mera situação de contacto cultural, a Antropologia social britânica limitou-se, nesse campo, a nada mais estudar que não fosse o ajustamento mecânico das culturas confrontadas pelo processo de dominação colonial. E mesmo reconhecendo que esse ajustamento produziria mudança social, o funcionalismo «malinowskiano» nunca se inquiriu sobre a origem exógena dessa mudança, a sua dimensão de violência e exploração. Nem mesmo o culturalismo americano, na sua afirmação de diversidade e relatividade cultural, procurou conhecer e descrever essas tais «circunstâncias históricas» a que se referia Ruth Benedict27 quando, a

propósito da expansão da civilização ocidental, analisava as circunstâncias que presidiram ao desaparecimento da consciência da diversidade e da relatividade de costumes e modelos sociais.

25 Claude LÉVI-STRAUSS (1966), «The Scope of Anthropology», in Current Anthropology, vol. VII,

(2), Chicago, p. 121.

26 Cf. Bronislaw MALINOWSKI (1970), Les Dynamiques de l'Evolution Culturelle. Recherches sur les

relations raciales en Afrique, Payot, Paris (1ª edição, London, 1961).

O desfecho da Segunda Grande Guerra (1939-45) e o subsequente despontar dos movimentos nacionalistas nos territórios coloniais, conduziram a uma reavaliação do discurso antropológico em situação colonial. O colonialismo não poderia mais ser entendido nos termos de uma mera administração de uma realidade empírica, fechada sobre si mesma, à revelia de condicionalismos – sobretudo exógenos – de natureza económica, política e social. O funcionalismo «pós-malinowskiano» e o culturalismo americano pós- guerra – entre outros, Herskovits e Harris – parecem ter então «descoberto» uma componente fundamental – melhor dizendo, fundadora – do sistema: a dominação. Toda uma série de operadores que lhe estavam associados, como o «contacto de culturas», a «aculturação» e o «sincretismo» deixaram de ser entendidos como manifestações de relações simétricas – give and take – para passarem a incorporar, na sua percepção, práticas dominantes e práticas dominadas.

No contexto português, o desenvolvimento dessa atenção antropológica obedeceu a um ritmo algo diferente, assente em ocorrências e motivações de natureza diversa das acima resumidamente expostas. Como esta investigação se encarregará de comprovar, a Antropologia Social e Cultural, de enquadramento académico, esteve praticamente ausente dos territórios coloniais portugueses até meados dos anos 50, sobretudo porque, até então, o «poder central» ignorou as potencialidades de uma Antropologia (social e cultural) aplicada. Em resultado disso, a atenção antropológica circunscreveu-se aos testemunhos locais dos agentes da colonização e missionação, «na maioria dos casos de valor

analítico medíocre, mas sempre com interesse informativo»28. A criação do Centro de

Estudos de Etnologia do Ultramar, em 18 de Maio de 1954 (Portaria nº 14486), sob o patrocínio da Junta de Investigações do Ultramar e do Instituto Superior

28 José SoaresMARTINS & Eduardo da ConceiçãoMEDEIROS (1984), «A história de Moçambique

antes de 1980: apontamentos bibliográficos sobre os resultados de investigação entre 1960 e 1980», in Revista Internacional de Estudos Africanos, (1), Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, p. 210.

de Estudos Ultramarinos, bem como, posteriormente, o surgimento da Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português, em 1957, na dependência do Centro de Estudos Políticos e Sociais do Ministério do Ultramar, constituiram uma inflexão decisiva na política ultramarina portuguesa, correspondendo a uma manifesta apercepção antropológica da situação colonial emanada do «poder central». Em síntese – e tal como tinha ocorrido com as outras potências coloniais no final da década anterior – a situação colonial tornava-se, por si mesma, num objecto da análise antropológica.

Necessariamente, tal inflexão não se processou sem que lhe estivesse subjacente um conjunto mais ou menos homogéneo de causas, quer internas ao próprio processo histórico do colonialismo português, quer ditadas por condicionantes que lhe eram exteriores – é de crer que estas poderão, de alguma forma, ter determinado aquelas, mas esta é uma questão que o desenvolvimento da nossa investigação ao longo das páginas desta dissertação se encarregará de colocar nos devidos termos. Importa reter, neste ponto, que, de todo o modo, tal inflexão se inseriu num processo histórico compreendendo realidades objectivas – dados políticos, económicos, sociais e culturais – e emanações ideológicas, suportadas, ou não, por produções científicas, mais ou menos autónomas. Isto é, para cada contexto colonial específico é de supor que a realidade social administrada estava, de uma forma mais ou menos explícita, relacionada com um conhecimento científico antropológico. Sublinhamos o cariz antropológico desse conhecimento porque, como resulta de tudo quanto foi explanado até este ponto, a situação colonial encerra, em si mesma, uma qualidade antropológica: ela questiona permanentemente o Outro, quer nos situemos do ponto de vista da cultura dominante, quer nos coloquemos no lado da cultura dominada; ela corresponde, por natureza e definição, a um contacto de culturas, sendo certo, todavia, que esse «encontro» pressupõe algumas

assimetrias29; ela configura, numa forma cristalizada, a «culturalizada»

diversidade e hierarquização das sociedades humanas30. Mais ainda, a

especificidade da colonização contemporânea não resulta, apenas, do facto de afirmar sociedades que se julgam superiores, mas do facto de essas sociedades justificarem a sua superioridade na ciência e, particularmente, nas ciências sociais. A situação colonial não pode, por isso mesmo, ser encarada meramente como um modelo de gestão política, económica e social, correspondente a uma determinada fase da evolução das economias e políticas do Ocidente. Ela deverá ser perspectivada, também, na sua dialéctica de permuta de dados culturais em que o seu carácter agonístico deriva da natureza impositiva e assimétrica das culturas em confronto. Daí que a situação colonial, como realidade objectiva, constitua o fecho do ciclo da percepção da alteridade iniciada no século XVI: num extremo – e após a fase da constatação, levantamento e inventariação do exótico —, o modelo iluminista do «bom selvagem», domínio de uma alteridade homogénea e auto-suficiente, objecto de um «olhar distanciado»31; no outro extremo desse ciclo, a situação colonial, com

toda a sua carga de intervenção, reduzindo ou amplificando os factores da alteridade, consoante as suas necessidades ideológicas (as tais «pseudojustificações e comportamentos estereotipados» a que se refere Balandier32). Tal alteridade é sancionada ideologicamente pela segmentação

básica da sociedade colonial entre «civilizados» e «indígenas», isto é, tal

29 Devidamente sublinhadas na definição de Georges BALANDIER (1955), Sociologie Actuelle de

l'Afrique Noire, Presses Universitaires de France, Paris.

30 Para alguns autores foi o confronto dessa diversidade que, em determinada altura,

viabilizou o desenvolvimento da Antropologia: «the basic reality which made pre-War social

anthropology a feasible and effective enterprise was the power relationship between dominating (European) and dominated (non-European) cultures», Talal ASAD [ed.] (1975), Anthropology and

the Colonial Encounter, Ithaca Press, London, p. 17.

31 Glosando o título de uma obra de ClaudeLÉVI-STRAUSS (1983), Le Regard Éloigné, Plon, Paris. 32 Georges BALANDIER (1955), Sociologie Actuelle de l'Afrique Noire, Presses Universitaires de

discriminação identifica a coesão do sistema colonial através da redução dos autóctones à categoria de uma criação da natureza e de um objecto:

«Toda a gente sentiu o que há de depreciativo na palavra indígena que é utilizada para designar os nativos de um país colonizado. O banqueiro, o industrial, o próprio professor da metrópole não são indígenas de nenhum país: nem sequer são nativos»33.

Esta «coisificação»34 do colonizado conduz-nos a uma noção operatória

muito pertinente para a Antropologia Social e Cultural – a oposição natureza / cultura – e que para a situação colonial se demonstra perfeitamente operativa se aplicada, por exemplo, à análise da política colonial portuguesa nas suas variadas e sequenciais assunções assimilativas. Com efeito, mesmo nos casos de não aplicabilidade da política colonial de indirect rule [administração indirecta], as diferentes potências coloniais implementaram em África sociedades dualistas, umas dotadas de uma parte urbana, usufruída por «brancos» e «assimilados», onde as regras políticas imitavam as da metrópole e outras dotadas de uma parte de «mato», habitadas por «não civilizados», onde as regras políticas da parte urbana não se aplicavam35. Tornar-se-ia possível,

portanto, pensar uma Antropologia do colonialismo – até nas suas implicações simbólicas – que, todavia, se deve distinguir da História da Antropologia colonial em que esta nossa investigação se enquadra.

33 Jean-Paul SARTRE (1949), «Matérialisme et Révolution», in Situations III, Paris, p. 186.

34 Foi Aimé Césaire quem primeiro estabeleceu a equação «colonização=coisificação». Ver

Aimé CÉSAIRE (1978), Discurso sobre o Colonialismo, Livraria Sá da Costa, Lisboa, p. 25.

35 Tshikala K.BIAYA (1998), «Le Pouvoir ethnique – concept, lieux d'enonciation et pratiques

contre l'État dans la modernité africaine: analyse comparé des Mourides (Sénégal) e Luba (Congo-Zaire)», Anthropologie et Sociétés, vol. 22, (1), Université Laval, Québec, p. 105: «La

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