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O SIPAM/SIVAM é uma organização sistêmica de produção e veiculação de informações, formado por uma complexa base tecnológica e uma rede institucional integrada, com atuação na Amazônia Legal nos âmbitos federal, estaduais, municipais e não- governamentais, para a gestão do conhecimento, proteção e desenvolvimento humano e sustentável da região. Este projeto foi delineado no momento de fortalecimento da tese de que

as demandas internacionais pela preservação do meio-ambiente e pela demarcação das terras indígenas representavam uma ameaça à soberania nacional e conseqüentemente, crescia a pressão das potencias ocidentais e das organizações não governamentais acerca da devastação da floresta amazônica.

Por sua vez, ao lado da infinidade de recursos que a Hiléia encerra, coexistiam em passado recente, maior fragilidade das fronteiras internacionais, terrestres e aéreas em virtude da inexistência de mecanismos mais eficazes de controle e segurança territorial e principalmente aéreo que era mais problemático no setor oeste, em especial na região que faz fronteira com a Colômbia, onde o Estado nas décadas de 1960 e 1970 conforme comentamos no capítulo 2 vai instituir políticas públicas no sentido de ocupar e integrar a região.

Assim, para corroborar a ausência de mecanismos de defesa na região amazônica, no início da década de 1990 (Denys apud Cypriano, 2006), foram realizados estudos nos quais analisaram-se os aspectos demográficos, ecológicos, psicossociais e militares nos quais foram apontados dentre outros problemas os seguintes: imenso vazio demográfico; ambiente insalubre e pouco conhecido; região pouco explorada com pequena presença do poder público, sendo esta mais crítica ao longo da extensa faixa de fronteira escassamente povoada e vigiada permitindo a fácil penetração de elementos e atividades ilegais contrabando mineral, vegetal, animal e tráfico de drogas ; grande insipiência de vias de comunicação terrestre e as poucas existentes dependentes das condições climáticas; conjuntura política interna em alguns países ao Norte e Nordeste da Amazônia em especial a Guiana e o Suriname que se tornaram independentes nos anos 1966 e 1975 respectivamente e eram objeto de disputas no campo de ação da Guerra Fria; a Colômbia com a atividade guerrilheira e grande produtora internacional de drogas (cocaína) esta, com possibilidade de transbordo para o lado brasileiro; extrema carência de recursos sociais básicos como o atendimento de saúde das populações amazônidas; conflitos envolvendo índios, garimpeiros, posseiros e empresas de mineração; e os impactos ambientais causados pela exploração predatória em algumas áreas.

Portanto, o SIPAM/SIVAM nasceu da necessidade da adoção, pelo Governo Federal, de ações estratégicas que permitissem a geração de conhecimentos atualizados sobre a Amazônia brasileira com o propósito de criar condições para a integração dos órgãos setoriais de governo, na busca de soluções para a proteção da Amazônia bem como sistematizar o controle, a fiscalização, a monitoração, a vigilância e a proteção da região.

As ameaças e vulnerabilidades que colocam em risco a soberania sobre a Amazônia, bem como a necessidade de integração da região ao contexto nacional e o seu desenvolvimento motivaram os extintos Ministério da Aeronáutica e Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) e o Ministério da Justiça a desenvolverem estudos no sentido de propor políticas públicas que trouxessem resultados efetivos para a problemática amazônica. Assim, em setembro de 1990, durante o governo Collor de Mello apresentaram a Exposição de Motivos nº 194, de 21.09.1990 em que identificaram vários fatores críticos pertinentes à questão amazônica. Tais fatores relacionavam-se à: incipiente infra-estrutura de apoio às ações de governo; dificuldade de proteger o ecossistema; internacionalização da região; atuação ineficaz das instituições públicas; falta de atuação multidisciplinar e integrada; inexistência de sistema para controle, fiscalização, monitoração e vigilância da região e complexidade das questões sócio-econômicas, ecológicas e culturais da Amazônia.

Esta Exposição de Motivos resultou na emissão de diretrizes da Presidência, determinando o que cada um dos três órgãos deveria fazer para proteger o meio ambiente, racionalizar a exploração dos recursos naturais e promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Tendo em vista a necessidade de atuação integrada e coordenada de seus órgãos na região, a Presidência da República autorizou a extinta SAE, formular e implantar um Sistema Nacional de Coordenação de tais órgãos (atual SIPAM), ao então Ministério da Aeronáutica (atual Comando da Aeronáutica) implantar o SIVAM e ao Ministério da Justiça estruturar um conjunto de medidas para integrar-se ao SIPAM.

Efetivamente, para formular e implantar um Sistema Nacional de Coordenação multidisciplinar, visando à atuação integrada dos órgãos governamentais na repressão aos ilícitos e proteção ambiental na Amazônia, a então SAE criou a Comissão de Implantação do Sistema de Proteção da Amazônia (CISIPAM). Por sua vez o Ministério da Aeronáutica para implantar o SIVAM integrado ao Sistema SIPAM, criou a Comissão para Coordenação do Projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia (CCSIVAM), sediado no Rio de Janeiro e com a responsabilidade pela concepção, aquisição e implantação dos meios tecnológicos e físicos para o funcionamento do SIPAM. Com o propósito de habilitar-se ao desenvolvimento de suas responsabilidades e de integrar-se ao SIPAM, o Ministério da Justiça elaborou o Projeto Pró-Amazônia com a finalidade de aprimorar a capacidade da Polícia Federal no desempenho de suas tarefas na proteção da região amazônica.

A concepção do SIVAM demandou um esforço total da ordem de 9.000 homens/hora de trabalho, entre setembro de 1990 e abril de 1992. Concluída essa fase, partiu-

se para a configuração do sistema, que demandou um total de 7.000 homens/hora, sendo concluída em dezembro de 1992. Entre dezembro de 1992 e setembro de 1993, foram consumidas 5.600 homens/hora nos ajustes da configuração e na preparação dos

procedimentos para a seleção das empresas participantes31.

Em agosto de 1993, durante o governo Itamar Franco, foram feitas consultas para se obter os melhores preços e as melhores condições técnicas e de financiamento, na seleção das empresas. Para isso, criou-se uma comissão composta por 90 especialistas, com pessoas do Banco Central, da Polícia Federal, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e dos Ministérios da Aeronáutica, Justiça, Agricultura, Marinha, Exército e Meio Ambiente, entre outros. Em setembro de 1993 foi desencadeado o processo de seleção das empresas, com a distribuição do edital contendo as regras do processo de seleção para diversas embaixadas, através das quais foram consultadas organizações empresariais estrangeiras interessadas na participação do empreendimento.

Após negociações exaustivas, restaram na disputa apenas os consórcios formados pela Raytheon (norte-americana) e pela Thomson (francesa). Com a conclusão do exame das propostas técnicas, comerciais e de financiamento em julho de 1994, deu-se a classificação final e homologação da Reytheon como fornecedora principal do projeto SIVAM. Em dezembro de 1994, o Senado aprovou a contratação de operação de crédito

externo para o projeto no valor de US$ 1,395 bilhão32, no entanto, apenas em julho de 1997 o

contrato do SIVAM entrou em vigor. A partir do final da década de 1990 o SIVAM foi desenvolvido gradativamente e em julho de 2002 entrou efetivamente em funcionamento, a partir da inauguração do núcleo piloto do sistema, o Centro Regional do SIPAM localizado em Manaus. Para melhor compreensão da cronologia e implantação do sistema, o anexo I apresenta detalhadamente as diversas fases e eventos referentes a esse processo.

3.1.1 - As Polêmicas e Controvérsias que Envolveram o Processo de Implantação do SIPAM/SIVAM

A implantação do Projeto SIVAM foi eivada de polêmicas e bastante questionado e criticado por vários técnicos e especialistas, apesar das boas intenções dos discursos oficias. No decorrer da elaboração do sistema, a mídia, os políticos, os pesquisadores e os cientistas suscitaram e discutiram várias questões relacionadas à

31 Mais detalhes referentes a concepção e configuração do SIVAM podem ser encontrados nos sites dos sistemas: www.sipam.gov.br ewww.sivam.gov.br .

viabilidade do sistema, suspeitas de espionagem, irregularidades nas licitações, seu alto custo, a ausência de participação de setores representativos da sociedade civil amazônica e a falta de incentivo a tecnologia nacional.

As suspeitas de espionagem recaíram sobre o governo dos EUA que se interessava em beneficiar o consórcio formado pela Reytheon. Segundo Brigagão (1996, p.59)

[...] o consórcio Raytheon aglutinou 21 grandes empresas, laboratórios, centros de pesquisa e desenvolvimento multinacionais, contando também com a participação da IBM-Brasil, a Embraer, a Tecnasa, Infrave e a ESCA [...].”

A suspeita de que membros do governo brasileiro teriam recebido propina durante a licitação, tomou amplo espaço na mídia, principalmente quando da publicação do Decreto 892, de 12 de agosto de 1993, que dispensou de licitação as aquisições para o SIVAM. Na época, o governo alegou que essa decisão foi tomada depois de ouvir o Conselho de Defesa Nacional, segundo o qual a divulgação dos requisitos técnicos, fundamentais para a compra, comprometeria a segurança da Nação.

A importação de tecnologia, particularmente, gerou várias discussões relacionadas ao alto preço pago pelo governo brasileiro a um consórcio estrangeiro, bem como gerou muitas insatisfações no meio científico nacional, visto que não lhes foram dadas oportunidades, apesar da existência de competência nacional em pelo menos alguns dos segmentos tecnológicos envolvidos. Com isso, segundo os críticos, perdeu-se mais uma vez uma rara oportunidade de expansão da competência técnica e da autonomia do País (Leite, 2002).

Por outro lado, muitos cientistas brasileiros questionaram: se a defesa do território é tão importante, a ponto de justificar o alto investimento com dispensa de licitação, por que entregar o projeto a empresas estrangeiras? A alegação do governo era a de que, apesar de reconhecer a competência técnica dos nossos cientistas, a necessidade de se contratar empresas estrangeiras se deu em função da inexistência de equipamentos essenciais no mercado nacional. Outras alegações se reportavam à necessidade de financiamento e ao caráter de urgência que não dava margem ao governo de aguardar o desenvolvimento de tecnologia nacional. No entanto, segundo os críticos, a natural demora como desvantagem possível, poderia ser compensada pela consolidação da capacitação tecnológica nacional acrescida.

Ainda com relação à questão tecnológica também levantou suspeita o fato de que não havia como impedir que a Reytheon tivesse acesso aos dados, já que foi ela própria que desenvolveu a tecnologia para o sistema. Apesar do País haver garantido a segurança e o

sigilo de informações estratégicas sobre a Amazônia, muito se criticou a respeito da possível dependência tecnológica representada pelo modelo de implantação do sistema.

Nesse sentido, Leite (2002, p. 129) é enfático em suas críticas ao afirmar:

Todos sabem que segurança nacional é conhecimento, é capacidade tecnológica. De que serve à segurança nacional aumentar a capacidade tecnológica da Raytheon? Um projeto dessas dimensões tem reflexos de natureza técnica e econômica imensos para o país que o desenvolve. E até mesmo os benefícios indiretos, os spin-offs, justificam a sua execução. Mas só se for efetuado no Brasil; se no exterior, lá ficarão todos esses benefícios. [...] (grifos nossos).

O autor também fala de evidências relacionadas à corrupção, pressões políticas externas e espionagem para explicar certo conformismo do País ao se contentar com a aquisição de “pacotes fechados”. Reporta-se também aos “exemplos fracassados” desses pacotes, tais como Angra I e apresenta o sucesso de projetos nacionais como os gnomas, o enriquecimento de urânio, a produção do álcool, a tecnologia de águas profundas da Petrobrás, a produção de fibra ótica, para criticar o imediatismo dos governantes da época.

O mesmo autor conclui:

[...] a escolha do roteiro pacote fechado para o SIVAM e o desesperado esforço do governo federal para que a escolha desse fornecedor recaísse sobre a empresa norte- americana intimamente associada ao Pentágono deve-se principalmente a uma irresistível atração gravitacional para tornar o Brasil um satélite da nação hegemônica. O SIVAM é, assim, um símbolo concreto de “servidão voluntária”, [...] que entrega a segurança da Amazônia e o conhecimento sobre suas riquezas naturais aos Estados Unidos e, com isso, abdica de parte significativa da soberania nacional. Assim, sucessivamente se dá um passo para a desnacionalização da Amazônia.

Reconhecemos certo exagero nas críticas do autor, no entanto, a compra dos sofisticados equipamentos e dos avançados programas de processamento e integração sistêmica realizada sem licitação; a necessidade de manter sigilo a respeito da concorrência, com a justificativa de que existiam parcelas do sistema que seria conveniente não divulgar; a participação de empresas estrangeiras no processo não foram muito bem esclarecidas perante a sociedade, gerando muitas dúvidas em torno da viabilidade e confiabilidade do sistema, bem como o seu descrédito.

As críticas aqui comentadas e a conjuntura na qual o SIPAM/SIVAM foi projetado deixam evidente que este projeto surgiu como resultante da deliberação unilateral das Forças Armadas, mais especificamente por iniciativa do extinto Ministério da Aeronáutica que, conforme vimos, ficou com a incumbência de desenvolver um sistema de vigilância para o território da Amazônia Legal, arquitetado em um aparato tecnológico específico pautado na informação. A princípio os estudos visavam aumentar a vigilância do espaço aéreo sobreposto ao território amazônico, que apresentava áreas extensas sem a necessária cobertura pelo radar, nas quais uma aeronave poderia voar sem ser detectada, o que tornava inseguro o sobrevôo

legal, além de facilitar incursões de aeronaves clandestinas33.

A posteriori, em conformidade com o conceito de desenvolvimento sustentável, foram incluídos outros objetivos por parte de seguimentos que compõem o aparato estatal, objetivando organizar toda a Hiléia, não só para garantir sua vigilância, o controle e o domínio, como também, a partir de uma integração com diferentes setores públicos com atuação na Amazônia, tornar viável a utilização econômica dos recursos que a biodiversidade da região dispõe.

Percebemos, a partir das polêmicas elencadas, o caráter exógeno das decisões como elemento mais marcante na concepção do SIVAM. Como os outros grandes projetos criados para a região, o SIPAM/SIVAM foi formulado de fora para dentro, apesar da inclusão da sociedade civil nos debates relacionados. No entanto, mesmo com todos esses percalços a implantação do sistema inunda a Hiléia de novas expectativas e abre novas possibilidades de definição de políticas públicas mais eficientes para a região.