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Breves considerações acerca da pobreza e exclusão social: o caso do concelho de Mirandela

Sendo os municípios as entidades públicas que se encontram mais próximas dos cidadãos, também são estas que sentem uma maior pressão para a resolução dos problemas existentes ou emergentes. No que diz respeito às políticas sociais de âmbito autárquico, as mesmas destinam-se ao combate à pobreza e exclusão social, procurando promover a inserção social e melhoria das condições de vida das populações. Na impossibilidade de erradicar por completo esses problemas sociais, procura-se pelo menos minimizá-los.

Não obstante, quando falamos de pobreza devemos distinguir digamos o tipo de pobreza que analisamos, porque há pobres em todo o mundo e nem todos são iguais. Por mais que tenham a mesma categoria de “pobres”, as suas necessidades são bem diferentes: “O limiar da pobreza é definido no espaço dos recursos económicos detidos, mas a partir de uma avaliação multidimensional, através de uma bateria de indicadores de estilo de vida” (Ferreira, 2000, p.49). Isto significa relativizar a pobreza, no sentido de que as carências divergem consoante os contextos; podemos dizer até consoante os territórios e as suas características.

Amaro, Monteiro e Bastos (2001) entendem que a pobreza tem subjacente uma série de carências que vão desde o nível mais básico da existência do ser humano, como é o da alimentação, até à própria participação na vida da sociedade, e em que essas mesmas carências podem sentir-se apenas num dos níveis ou em vários, sendo, por isso, normalmente

10 Esta secção parte de texto produzido anteriormente, no âmbito de artigo científico elaborado na unidade

denominada como um “fenómeno multidimensional” (p.10). Na prática de atendimento aos utentes verifica-se isso mesmo. Como pano de fundo em comum, existe uma carência de recursos económicos que não permitem, na maior parte dos casos, fazer face a algumas das necessidades básicas do dia-a-dia.

A pobreza é, de um modo geral, entendida como uma situação onde não existe a possibilidade de aceder ao necessário para satisfazer as necessidades elementares, como resultado da condição económico-social. Ou seja, como refere Bruto da Costa (1998, p.39), “os principais factores explicativos da pobreza e da exclusão se devem procurar na sociedade”. A pobreza não pode, portanto, ser encarada apenas como um problema simplesmente monetário. Trata-se de um fenómeno muito mais complexo: “a utilização de um único critério de pobreza pode levar a considerar alguns indivíduos como estando acima da linha de pobreza quando, de facto, os seus rendimentos nem sequer cobrem as suas necessidades básicas de subsistência” (Giddens, 2010, p. 313). Isto significa que é erróneo considerar apenas o critério do nível de rendimentos para avaliar se o indivíduo é pobre ou não, ou por outro lado, como refere Caeiro (2003, p.124), “o rendimento só por si pode subestimar o nível de vida”. Sob este prisma, Bruto da Costa e a sua equipa colocam em questão o critério a seguir para a definição das referidas necessidades básicas; se estas devem ser observadas como tendo um carácter universal, local ou no modo particular de como cada sociedade as encara:

[…] A primeira questão que se coloca é a de saber qual o critério que devemos utilizar para definir as “necessidades humanas básicas”. Deveremos seguir um método normativo (universal) para identificar os tipos de necessidade e os limiares para cada tipo de necessidade? Será mais correcto observar os hábitos e os costumes de cada sociedade (...)? Ou será mais adequado inquirir a sociedade acerca do que deve ser ou não considerado como necessidade essencial? (Bruto da Costa et al., 2008, p. 31).

Veja-se que o termo “necessidades” pode ser abordado em dois sentidos: um é o de que “necessidades humanas fundamentais” (“básicas” como a elas se refere Bruto da Costa et al., 2008) são definidas “como o conjunto de condições de carência e privação claramente identificadas e de validade universal, inerentes à natureza do homem[…], como é o exemplo da subsistência. Em outro sentido fala-se de ‘necessidades’ quando nos referimos a uma falta

52 de meios adequados para que seja satisfeita uma ou mais necessidades. A ‘necessidade’ não deve ser confundida com ‘o meio de a satisfazer’” (Ander-Egg & Idañez, 2007, p.31).

Bruto da Costa (1998, pp. 18-19) refere que “[…] a ‘pobreza’ consiste numa situação dinâmica de privação, por falta de recursos”. Este autor interrelaciona a pobreza com a exclusão social, pois pelo simples facto de a primeira implicar uma falta de recursos, representa alguma forma de exclusão social. Todavia, o conceito de exclusão social vai muito para além da vertente económica, alargando-se à participação na vida ativa e manifestando-se em áreas como a habitação, a educação, a cultura, saúde e acesso aos serviços. Não afeta apenas indivíduos, mas também grupos sociais, sobretudo nas áreas urbanas e rurais, que são vítimas de discriminação, “[…]não no velho sentido das desigualdades e clivagens de classe, onde a oposição de interesses configura uma relação forte de dominação e exploração, mas no sentido mais radical da constituição de dois mundos separados, o dos que estão dentro, e o dos que ficam de fora da ‘sociedade normal’’ (Capucha, 2000, p.17).

A exclusão associa-se à quebra de laços sociais. Por exemplo, os idosos que sobrevivem das pensões mínimas, as crianças e jovens sem efetiva proteção familiar, os empregados de longa duração e as minorias étnicas. Podemos mesmo referir, de igual forma, os “excluídos digitais” ou ao “proletariado “offline”, já citados este trabalho, que são muitas das vezes consequência da pobreza e não só na sua vertente puramente económica. A exclusão é, fundamentalmente, a desintegração social a diferentes níveis: económico, social, cultural e político: “Há pobres e a sua existência reveste-se das características de exclusão, porque a sociedade gera situações graves de desintegração social” (Fernandes, 2000, p. 46).

O domínio territorial é tido como relevante na compreensão da exclusão social na medida em que as situações podem não se circunscrever apenas a indivíduos ou famílias, mas a todo um território. É o que acontece em certos concelhos rurais, como é o caso de Mirandela, “em que as condições de vida das famílias dificilmente podem melhorar se não se tomarem medidas que promovam o progresso de todo o espaço, nos domínios da habitação, dos equipamentos sociais, das acessibilidades, e até de actividades económicas” (Bruto da Costa, 1998, p. 16).

Fernandes (2000) refere que ao pobre não deve ser apenas facultada assistência no sentido de colmatar as suas privações, mas deve ser-lhe dada a oportunidade de conduzir a sua própria vida, por meio da autonomia e exercendo a sua cidadania. Essa mesma cidadania

requer participação, sendo crucial promover e explorar o capital social das pessoas em situação de pobreza e exclusão. Estas pessoas precisam de ser elas próprias os alicerces da construção da sua independência e cidadania (Fernandes, 2000, p.46).

No entanto, refere ainda o autor, que esse é um caminho difícil, devido a diversos problemas inerentes à própria sociedade em si mesma, como também ao problema do desemprego, e até à própria perda de poderes do Estado face à economia: “uma vez suprimidos os poderes económicos do Estado, o campo fica aberto às arbitrariedades de quem domina o mercado […] em que os poderosos acabam por tomar nas suas mãos a condução das coisas públicas […],permitindo que persista a pobreza e exclusão e pondo até em causa ‘as bases do Estado democrático’” ( pp. 50-51). Mais uma vez salienta-se o facto de não se poder remeter a pobreza apenas para o nível dos rendimentos. Existem muitos fatores que podem influenciar essa situação.

O analfabetismo e o nível de escolaridade baixo podem impedir que os indivíduos acedam a determinados empregos o que, por sua vez, pode originar a exclusão social, não somente por esse não acesso, mas também pelas dificuldades acrescidas de inserção num contexto de trabalho. Por outro lado, o facto de um indivíduo possuir um “défice de saúde” faz com que este fique em desvantagem em relação a outros, no sentido de que possui menos capacidades, o que significa menos produtividade e um salário inferior (Caeiro, 2003, p.117).

Os fatores de ordem estrutural constituem-se como explicativos de grande parte da pobreza em Portugal, tendo como consequência o deficiente ou até mesmo inexistente acesso a direitos de cidadania. Como nota Capucha (2000, p. 24),

[…] O modelo de funcionamento do sistema económico e dos mercados de trabalho e os níveis de desempenho dos sistemas de protecção social, explicam a maior parte da pobreza em Portugal (...) o desemprego e a precarização do emprego […] são fenómenos graves na nossa sociedade. São dos principais factores de pobreza.

Apesar destas palavras terem alguns anos, elas traduzem, perfeitamente, a atualidade. E o mesmo autor continua a sua análise, referindo-se a focos de pobreza territorializada:

54 […] a preservação e a geração de territórios onde os grupos pobres se localizam e onde, por efeitos diversos de concentração, tendem a fechar-se e a reproduzir-se nas suas próprias teias de exclusão. O persistente problema de habitação na nossa sociedade é apenas uma das manifestações mais relevantes deste fenómeno de acentuação da importância da dimensão territorial da pobreza (Capucha, 2000, p. 24).

Deste modo, a intervenção social a nível autárquico deverá dirigir-se, em larga escala, aos membros da comunidade local, tendo em linha de conta fatores que, direta ou indiretamente, irão influenciar as necessidades sentidas por essa mesma comunidade. Dos referidos fatores pode-se salientar o desenvolvimento socioeconómico e a questão do ordenamento do território.

Com a institucionalização do poder local emergiu a necessidade de criação de novos serviços, com a finalidade de responder, com a ajuda de técnicos especializados, às novas atribuições locais em matéria de desenvolvimento local. Estes técnicos são tidos como agentes privilegiados que intervêm não só na demanda da satisfação das necessidades básicas da população bem como na ajuda à resolução de problemas que se relacionam com a reorganização do espaço local. Outrora, a intervenção dos assistentes sociais nas câmaras municipais era restrita às questões de habitação, mas, entretanto, expandiu-se a outras áreas, tais como a educação, o planeamento e intervenção comunitária, o ensino e a ação social (Menezes, 2002).

No Diagnóstico Social da Câmara Municipal de Mirandela (2016, p. 102), o Serviço Social autárquico é definido como um “conjunto de práticas interdisciplinares e intersectoriais localizadas, que oferecem um pacote de serviços ajustados às necessidades da população em situação de precariedade”. O poder local assume, desta forma, um papel de elevada importância no âmbito da ação social, sendo também de ressaltar a proximidade desta entidade ao cidadão. A intervenção da autarquia é transversal no sentido que os apoios previstos abrangem diversas áreas, sendo a pobreza o foco principal, mas de igual modo a exclusão social, educação, saúde, emprego, infância, terceira idade, deficiência, toxicodependência, urbanismo e ordenamento.

Mas o que se pode dizer acerca do uso das novas tecnologias de informação e comunicação perante estes argumentos? As novas tecnologias, como já referido em capítulo anterior, não estão acessíveis universalmente. Isto é, no que toca aos utentes apenas uma parte

dispõe desse acesso, por variadas razões, que não somente de cariz económico. São também razões que remetem para a faixa etária, a migração e a educação. Estas razões podem ser justificadas com dados contidos no Diagnóstico Social de 2016, que nos mostram, desde logo, que o índice de envelhecimento é elevado, sendo mesmo superior à média nacional (p.16). Praticamente, tal equivale a dizer que não há renovação de gerações, ficando o território habitado sobretudo pela população mais idosa, o que torna particularmente difíceis eventuais estratégias de intervenção social que pressuponham a utilização mais ou menos sistemática das novas tecnologias por parte dos utentes.

No que concerne à educação, e ainda de acordo com dados do Diagnóstico Social de 2016, o concelho de Mirandela apresenta-se no geral com uma população possuidora de baixos níveis de escolaridade e com uma taxa de analfabetismo ainda bastante significativa (8,98%), sendo que a percentagem de população com 15 ou mais anos sem qualquer nível de escolaridade é de 15,7%, por oposição aos que possuem um grau adquirido através do ensino superior, que é de 11,8% (p. 24). Aguardam-se os dados do novo Diagnóstico Social que se aguarda ser publicado no ano corrente onde poderemos verificar se ocorreram mudanças.

A educação pode constituir um fator de integração, sendo um meio fundamental de adaptação dos indivíduos às funções que devem desempenhar nas suas vidas. Além do mais, é importante, pois é quase indispensável à literacia digital, condição que assume um lugar predominante no dia-a-dia das sociedades modernas. Torna-se, por isso, urgente elevar os níveis de formação académica e dotar as pessoas com conhecimentos que lhes permitam, facilmente, aceder e usar as novas ferramentas tecnológicas. Este desafio vai ao encontro da ideia de que não se pode excluir, de todos os domínios do quotidiano, as novas TIC. Por essa razão, podemos referir no caso do nosso país uma iniciativa de grande interesse nesta área. Falamos em concreto da Iniciativa Nacional Competências Digitais e.2030 – Portugal INCoDe.203011.

Os cinco eixos principais de ação desta iniciativa são de interesse para o campo do Serviço Social, sendo de destacar os eixos 1 e 2, inclusão e educação respetivamente. No eixo da inclusão, o foco é o de permitir a toda a população portuguesa o acesso às tecnologias digitais, bem como dotá-la de capacidade para tal, sendo que “para o conseguir é necessário superar um grande número de obstáculos e limitações que afetam muitos cidadãos” (Portugal INCoDe.2030, 2017, p.18). No entanto, a acessibilidade e apropriação das tecnologias pode

56 significar uma transformação social fundamentada por uma maior inclusão social, o que contribuirá para uma concretização efetiva de direitos, neste caso salientamos o desenvolvimento intelectual e as oportunidades de participação. Esta iniciativa permitirá minimizar, sendo que ideal seria erradicar, a existência dos já mencionados “excluídos digitais”, “proletariado off-line” e o “fosso digital”.

Capítulo IV

A plataforma PLASMIR-SIGAAS ao serviço da intervenção social