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Na nossa sociedade o termo trabalho induz-nos a um significado bastante claro, isto é, uma atividade especializada que é realizada em determinado tempo e em determinado local. É o trabalho na fábrica, no campo, no escritório, etc. No entanto, a noção de trabalho tem determinados aspetos que fazem com que as várias disciplinas científicas o abordem de diferentes maneiras, fazendo com que se apresente como um fenómeno social complexo. A palavra “trabalho”, etimologicamente, está associada a prisão, sujeição e deriva do latim tri- palium, denominação de “um instrumento de tortura inquisitorial” (Bonzatto, 2011, p.3). A palavra labor, com significado semelhante, unia trabalho e sofrimento, estando o homem condenado a um dispêndio de grandes esforços com a finalidade de se adaptar e assim subsistir.

Para os gregos, o trabalho exprimia a miséria do homem. Por seu turno, a tradição judaico-cristã encarava primeiramente o trabalho como uma punição/expiação4. Numa definição mais simplificada, o trabalho é a “actividade física ou intelectual que visa a algum objetivo; labor, ocupação” (Dicionário Grande das Ciências Sociais, 1987, p.868). Marx, na sua obra “O capital”, define trabalho da seguinte maneira: “Labour is, in the first place, a process in wich both man and Nature participate, and in wich man of this own accord starts, regulates, and controls the material re-actions between himself and Nature. […] The elementar factors of the labour process are 1, the personal activism of man, i. e., work itself, 2, the subject of that work, and 3, its instruments” (Marx, 1906, p.197-198).

O trabalho é descrito por Marx como um prolongamento natural da atividade do homem, fazendo dele um ser universal e fazendo também com que se diferencie dos demais seres vivos. Essa diferença baseia-se no facto de o trabalho humano envolver consciência daquilo que se está a fazer e não ser meramente uma questão instintiva. Mas, por outro lado, o trabalho é analisado por Marx de uma perspetiva negativa, representando igualmente um elemento de subordinação do homem ao capital. Nesse sentido, ele sentir-se-á como que à parte, isto é, “o trabalho perde a sua condição fundamental de ser atividade vital humana e

18 torna-se uma atividade estranhada (entfremdete), que conduz o homem à perda de sua essência ao objetivar-se nos produtos do trabalho” (Oliveira, 2010, p.78).

Em consideração às mudanças nos processos de trabalho, concretamente falando em automatização, tem vindo a acontecer algo que Marx previra: o operário, em vez de ser o principal agente da produção, situa-se agora ao lado dela. Isto quer dizer que o operário tem agora que lidar muito mais com a informação em detrimento da produção material. É-lhe exigido uma permanente atenção, rápida capacidade de reação e de tomada de decisão (idem).

É o domínio da “‘informação’, como ‘nova mercadoria’” que “veio introduzir em todo o sistema produtivo, alterando as formas das organizações, a dinâmica do emprego, os ritmos de produtividade, a criação de novos bens e serviços, estabelecendo profundas modificações na criação, acumulação e distribuição de riqueza” (Oliveira, Cardoso & Barreiros, 2004, p. 19). Nestes moldes, surgiram novas relações entre o indivíduo e o objeto de trabalho, entre o indivíduo e a natureza e entre os próprios indivíduos. Não podemos também de deixar de referir aqui o que Toffler (1970) denominou de “cultura do ‘deitar fora’”. As tecnologias permitiram baixar os custos da produção, mas numa lógica de os produtos serem substituídos e não reparáveis. E dada a previsibilidade de progressos e aperfeiçoamentos técnicos a cada dia torna-se sensato na lógica económica “construir para breve prazo do que para longo.[…]fabricante apressa deliberadamente a morte de um produto antigo e, ao mesmo tempo, lança um modelo ‘novo e aperfeiçoado’, que anuncia como o último triunfo da tecnologia avançada” […]“tudo isto tem um fim ‘psicológico’: tornar efémeros os laços do homem com as coisas que o cercam” (Toffler, 1970, pp. 61-72).

Intrinsecamente, volta a lógica do capitalismo ao falar da produção e dos seus custos. Acaba por se aplicar na apropriação das novas tecnologias no Serviço Social, pois é natural ser necessário um conjunto de bens e serviços para as mesmas serem utilizadas. Também pode-se incluir aqui a questão da formação dos profissionais numa ótica em que ao surgirem novas ferramentas de trabalho os profissionais devem-se manter atualizados. O fim psicológico que Toffler refere pode revelar-se neste sentido como algo de positivo no que concerne à atualização do saber fazer profissional dado que a realidade também não é algo estática.

Bem a propósito, do ponto de vista da Psicologia, numa aceção simples, o trabalho é tido como um oposto ao jogo e ao lazer. É uma atividade que tem, geralmente, um objetivo

prático e que pode ser imposta pelo indivíduo a si próprio ou por outrem (Piéron, 1987, p.533). É o trabalho para a subsistência, é o trabalho como realização pessoal, é o trabalho como emancipação, como “categoria central no desenvolvimento do autoconceito e uma fonte de autoestima, que alicerça a constituição do sujeito e sua rede de significados” (Zanelli, 2010, citado por Kanan & Arruda, 2013, p. 585).

Numa perspetiva sociológica, o trabalho é “elemento-chave na formação de colectividades humanas muito diversas por seu tamanho e por suas funções […]é a causa básica que explica as relações externas desses grupos e as relações internas dos indivíduos que os compõem” (Dicionário de Ciências Sociais, 1987, p. 1250). Giddens (1997) define o trabalho como “a realização de tarefas que envolvem o dispêndio de esforço mental e físico, com o objectivo de produzir bens e serviços para satisfazer necessidades humanas” referindo ainda que em todas as culturas o trabalho constitui a base do sistema económico (Giddens, 1997, pp. 578-579), além de que “mesmo quando as condições de trabalho são relativamente desagradáveis, e as tarefas enfadonhas, o trabalho tende a ser elemento estruturante da nossa condição psicológica e do ciclo da nossa rotina quotidiana” (idem, p. 604), apontando para características que diz serem “especialmente relevantes” do trabalho remunerado, das quais se destacam: os contactos sociais e a identidade social, indo ao encontro ao referido acima pelo autor. Por outro lado, e de parecer negativista, Giddens refere-se ao desemprego como algo que pode “minar a confiança dos indivíduos no seu valor social” (idem, p. 605).

Os processos de trabalho têm sofrido ao longo do tempo diversas transformações. Pode- se dizer que o trabalho é parte integrante da vida do homem e a era digital tem tido um impacto marcante nos processos de trabalho em que a progressiva disseminação das novas tecnologias e a intensidade com que estas são utilizadas tem vindo a alterar o paradigma técnico-laboral, sendo visto do ponto de vista positivo ou negativo consoante os autores, como poderemos verificar de seguida:

[…] Impulsionada pelo conhecimento, a era digital está mudando os cenários laborais, os valores da sociedade e o relacionamento humano de forma mais profunda, trazendo uma série de implicações.[…]Com a adoção das novas tecnologias virtuais e digitais altera-se a organização do trabalho, abrindo frentes especializadas, inclusive para aqueles que hoje se encontram excluídos do mercado de trabalho (Kanan & Arruda, 2013, pp. 584-585).

20 As autoras supracitadas referem que a organização do trabalho se alterou devido ao uso das tecnologias digitais. A não conexão ou diminuta conexão à Internet faz com que as pessoas se tornem “obsoletas”, o que inclui os utentes que recorrem ao Serviço Social, que de acordo com Kern (citado por Silva,s.d.,p.3) poderão ser considerados “excluídos digitais”. Veja-se nesta sequência a pertinente questão dos comportamentos provocados pelas tecnologias não só no mundo do trabalho, mas que aí vão interferir, tanto na parte que toca aos agentes de trabalho (neste caso, assistentes sociais), como também pela parte do utente (indivíduo/famílias):

[…] O indivíduo iniciado em computadores aprende um conjunto de valores e regras que configuram uma espécie de cultura. No interior das famílias forja-se uma espécie de medo de se tornarem socialmente atrasadas, se não conseguirem operar um computador (info-exclusão), e pânico moral sobre o carácter anti-social do isolamento criado após a sua utilização excessiva. Ao invés, havendo adesão ao boom dos computadores, verifica-se uma sensação de maior participação nos acontecimentos sociais. Estes simbolismos ligam intimamente o uso do computador pessoal à questão de interacção com a tecnologia mediante a condição de membro do mundo dos computadores (Santos, 1998, p. 126).

Por outro lado, German (2000) utiliza o termo “proletariado offline” num dos pontos do seu artigo que aborda o futuro do trabalho, referindo-se a um número elevado de cidadãos de países industrializados e em países em desenvolvimento, que não detêm recursos para aquisição de computadores e acesso à Internet, ficando dessa forma sem “oportunidade de participar dos esperados avanços na economia, no mercado de trabalho e na sociedade” (p.105). O termo engloba, igualmente, uma nova forma de desemprego em consequência do emergir das novas tecnologias. O autor vai ainda mais longe ao recomendar que

[…] cada nação deve preocupar-se com a questão do que deve ser feito com os milhões de homens cuja força de trabalho será cada vez menos requisitada ou não mais necessária (…) sendo esta questão especialmente relevante nos países que refere serem high-tech devido a ser um caminho para crescentes disparidades sociais e pelo facto de o rápido desenvolvimento da tecnologia determinar um desvio da moral em que se adivinha um futuro com mais exclusão que integração e mais conflitos que consenso(German, 2000, pp.105-111).

Neste sentido, Ponte e Azevedo (2011, p.9) referem o surgimento de uma nova fonte de desigualdade social denominada como “fosso digital”. Este fosso simboliza exatamente uma linha de fronteira entre os que têm acesso às novas tecnologias da informação e da comunicação e aqueles que não têm, isto é, não existe um acesso universal a essas mesmas tecnologias. Essas fronteiras simbólicas podem referir-se a países, gerações de pessoas e também entre grupos sociais. Por esta razão, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) considera o “fosso digital” como uma área de investigação que cobre várias questões sendo, portanto, algo multidimensional (OCDE, 2001; Castells, 2003). A esta perspetiva negativista soma-se a visão de muitos autores que referem o uso da informática como algo que implica transformações várias, algumas potencialmente perversas:

[…] Vários estudos empíricos realizados permitem concluir que a introdução de novas tecnologias implica a mudança de estrutura de qualificações, bem como a transformação da natureza do trabalho e o conteúdo das tarefas” (Kóvacs, 1988, p.30). E colocar em causa a empregabilidade vitalícia: “A informática veio pôr definitivamente em causa a empregática, ou o emprego para toda a vida, que os nossos avós escolhiam no início da sua vida produtiva” (Pereira, 1987, p. 50).

As tecnologias estão ao serviço do homem, fazendo parte de um processo histórico face ao qual não existe a possibilidade de regredir. Muito ou pouco, é certo que a tecnologia domina nos países ditos desenvolvidos os quotidianos profissionais em basicamente todas as áreas. Veloso (2010), apoiado numa visão marxista, refere que o uso das tecnologias tem servido interesses capitalistas, sendo os trabalhadores colocados à margem dos processos de trabalho, pois que a obtenção de mais-valias é o principal objetivo: “Assim, o uso hegemónico da tecnologia encontra-se submetido aos interesses do capital, e os crescentes processos de informatização e automatização têm culminado na economia e na exploração do trabalho vivo” (Veloso, 2010, p. 520).

Numa perspetiva de substituição permitida pelas novas tecnologias da informação e comunicação assentes na conceção de Bell,

22 […] a informação passa a ser a fonte principal da produção de valor e consagra a primazia das atividades informacionais em relação às atividades do sector secundário e terciário. A indústria pesada é, assim, substituída pela informação e o valor-trabalho pelo valor-saber. Informação e conhecimento sobrepõem-se à força de trabalho e ao próprio capital” (Oliveira, Cardoso e Barreiros, 2004, p. 17).

Com uma visão mais moderada em relação ao uso das tecnologias, Tavares e Seligman (1984, citados por Veloso, 2010, p.520) destacam que a abrangência do uso deve transcender o benefício ao capitalismo, tratando-se por isso de uma questão de luta política e de novas formas de utilizar as tecnologias em prol da própria humanidade, democracia e justiça social: “[…] não há porque voltar as costas ao desenvolvimento tecnológico e ao consequente progresso dele advindo, já que o problema reside na utilização da tecnologia como sustentáculo de desigualdades.[…] não é o desenvolvimento em si, mas as formas pelas quais ele é aplicado sob o capitalismo, o verdadeiro inimigo da classe trabalhadora […]”; ao que Veloso (2010) acrescenta “[…] o que deveria ocorrer é uma introdução das novas tecnologias nos diversos espaços sociais de forma cautelosa e responsável” (p. 520).

É fundamental refletir, deste modo, na ambivalência entre o desenvolvimento social e o desenvolvimento económico. O último pauta-se por uma lógica de produtividade e lucro enquanto o primeiro pela lógica da garantia dos direitos sociais assente em valores de justiça social. Nesse sentido, a tecnologia pode ser entendida como uma espécie de possível mediador no sentido de alcançar padrões mais elevados de justiça social.