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Em busca da empresa ideal

Passei a querer investir como faço hoje depois de ler O jeito de Warren Buffett de investir , um livro que resume as principais estratégias do Buffett.15 O mentor do Warren Buffett era o Benjamin Graham. Buffett foi aluno dele na Universidade Columbia, em Nova York, e queria trabalhar de graça para o Graham, que não aceitava. Até que, de

tanto insistir, conseguiu. O Graham gostava de investir em empresas muito baratas, com valor de mercado inferior ao montante que tinham em caixa. Podia ser qualquer setor, ele só olhava o número. Mas o Buffett começou a querer mudar a estratégia. Ele achava que não valia a pena comprar só porque estava barato. Queria negócios de qualidade. Depois, passou a dizer que podia até pagar caro porque, se a empresa realmente tivesse qualidade, estaria barata em cinco anos. Pensando assim, ele decidia que ações comprar. Essa leitura me transformou. Foi quase como ler a Bíblia. Mas li cedo demais, no final dos anos 1990. Não dava para aplicar esses conceitos no Brasil. Só fui seguir a estratégia do livro na Constellation.Gostamos de investir nas melhores empresas que, em resumo, são as que têm

vantagens competitivas. O que são vantagens competitivas? Barreiras na entrada. Todo negócio que é bom atrai competição, e as barreiras brecam a concorrência. Uma maneira de verificar se há barreiras de entrada num setor é olhar a participação de mercado da empresa que é líder. Por exemplo, no caso do setor de cerveja, a Ambev tem, há anos, cerca de 70% de participação de mercado e uma rentabilidade alta. Ou seja, deve ter barreira de entrada. O mesmo vale para o setor bancário. Os grandes bancos — Bradesco, Itaú — estão cada vez maiores e os menores estão sumindo. Até os estrangeiros estão saindo do país. No segmento de processadores, a Intel tem 80% do mercado há mais de uma década. Agora veja o setor de torradeiras. A rentabilidade é baixa e cada ano uma empresa é líder, as fatias de mercado oscilam demais. Provavelmente, há guerra de preço e, por isso, é um setor em que não quero estar.

Algumas pessoas acham que certas coisas são barreiras de entrada, mas não são. Por exemplo, capital não é barreira de entrada. No vale do Silício, há capital abundante para boas ideias. Inovação é barreira de entrada só até certo ponto, e isso vale para qualquer setor. Qualquer um abre uma loja com um conceito novo. Há marcas muito cool, que dizem que vão doar um sapato para uma criança na África se você comprar um sapato deles. Isso é legal, mas facilmente replicável. No varejo de roupas, marcas que eram muito fortes há vinte anos, como Ocean Pacific, sumiram. Outras que eram cool, como Levi’s e Ralph Lauren, decaíram. Garanto que, daqui a dez anos, algumas das marcas que hoje fazem sucesso com diferentes públicos, como Abercrombie, Animale, Bobstore, Forever 21, John John e Le Lis Blanc, não estarão mais aqui.

Depois de verificar se há barreiras de entrada, analisamos quem são os empresários ou executivos que tocam a empresa — que vão ser nossos sócios. Em geral, preferimos empresas familares que tenham donos que participem do dia a dia e do conselho. Não pode ser apenas um conselho de notáveis, formado por grandes nomes do mercado. Nada contra os notáveis, mas alguém tem de cobrar o presidente e os diretores. Se o presidente quiser, ele enrola um conselho fraco, porque a assimetria de informações é muito grande. Ele pode mostrar apenas as coisas boas para o conselho e esconder o resto. Avaliar a gestão é a parte mais difícil, porque são critérios subjetivos. Facilita analisar o histórico dos empresários e executivos que tocam a empresa.

Além disso, olhamos potencial de crescimento, previsibilidade e consistência. O Warren Buffett é amigo pessoal do Bill Gates (fundador da Microsoft), mas não investe em ações da Microsoft. Na época do boom de internet, no fim dos anos 1990, muita gente dizia que o Buffett não investia no setor de tecnologia porque era careta e estava

ultrapassado. Ele dizia que não conseguia enxergar como estaria a Microsoft em uma década. Não sabia se a empresa continuaria tendo um diferencial competitivo ou se seria esmagada por algum concorrente. Por outro lado, ele investe na Coca-Cola há anos, porque acredita que ela continuará sendo a líder do mercado. Quem gosta de Coca-Cola toma Coca-Cola no mundo inteiro. Não vai tomar a Tubaína da Alemanha.

O Buffett costuma dizer que um bom jeito de ajudar a definir um investimento é se perguntar o seguinte: você compraria ações da empresa tal se soubesse que a bolsa iria

fechar e só reabrir em cinco anos? Dessa forma, você pensa como sócio, e não como um cara que compra só porque acha que alguém estará disposto a pagar mais caro por aquela ação. Se você olhar minha agenda, passo boa parte do dia em compromissos fora da gestora, nas companhias, falando com empresários e executivos. Acompanho o desempenho da bolsa por alto — uma rotina bem diferente da que tinha no Pactual.

Nada garante, é claro, que seguir essa estratégia dará retorno todos os meses. O objetivo é ganhar dinheiro no longo prazo. A maioria dos investidores que compra ações diz que pensa no longo prazo, mas, na prática, pouquíssima gente consegue esperar. O mais comum é ver o investidor aflito, preocupado com qualquer perda. Não dá para ter esse comportamento quando se aplica em renda variável. A bolsa pode cair 40% num ano e subir 80% no seguinte (isso de fato aconteceu entre 2002 e 2003). O segredo é aguentar os altos e baixos e tentar comprar mais em momentos de estresse, quando a maioria das pessoas fica apavorada. Uma forma de tentar tornar esse processo menos doloroso é decidir que percentual do patrimônio pode estar numa aplicação de maior risco, sem que isso prejudique o dia a dia do investidor.