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A transformação da BRF

Em um primeiro estágio, o Pedro Faria e eu fomos para o conselho daBRF e tentamos

sugerir mudanças ali. Eu ficava fazendo discursos, mas não tivemos muito sucesso, a coisa não andava. Aí o Pedro, bem mais esperto que eu, falou: “Zeca, já estamos aqui há um ano e meio, daqui a pouco vai acabar nosso mandato no conselho. Acho que não deveríamos renovar. Aliás, devemos vender as ações, a não ser que realmente haja chance de modificar essa companhia. E, para modificar, tem de ser pelo topo”.

Em 2012, decidimos que era hora de ter um protagonismo maior no conselho de administração. Para isso, precisávamos de apoio. O apoio das famílias Fontana e Furlan, da Sadia, foi natural, porque existia um relacionamento pregresso. Uma coisa inesperada, e muito relevante para que esse plano saísse do papel, foi o apoio de outro acionista relevante, a Previ, que é o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Achávamos que havia um gap entre o que a empresa fazia e o que poderia fazer, e que seria possível crescer muito mais se houvesse alguma ousadia. Mostramos essa visão para a Previ, que resolveu apostar. Acho que a Previ foi um divisor de águas, que nos fez passar da intenção para, de fato, concretizar a possibilidade de transformar a

BRF. Queríamos reformular completamente a estratégia e a gestão da companhia, e isso

incluía mudar os principais cargos executivos e também o conselho.

Tínhamos nomes para assumir cargos executivos naBRF, mas faltava alguém para

uma transformação brutal na companhia — que não é qualquer companhia, é um gigante. Ao mesmo tempo, não queríamos um executivo, queríamos um parceiro, que tivesse capacidade de ser um acionista relevante e tivesse bagagem de empresário. Um dia, um sócio meu na Tarpon, o Philip Reade, disse: “Mas e o Abilio Diniz?”. Eu disse: “Nããão, ele está com o Casino no Pão de Açúcar”.8 Aí lembrei que ele estava para sair de lá. Sabe quando as fichas começam a cair? Falei: “Philip, você é um gênio, vou mandar um e-mail para o Abilio agora”.

Fomos acionistas do Pão de Açúcar entre 2007 e 2009, e chegamos a ser os maiores acionistas minoritários do grupo. Por isso, tínhamos construído uma relação com o Abilio. Mandei o e-mail, falei que fazia anos que não nos víamos, mas que gostaria de levar uma ideia até ele. Obviamente, não contei a ideia por e-mail. Não sabia se ele iria responder primeiro porque não havíamos tido tantas interações assim. Havia uma empatia entre nós, mas foram poucos contatos. Além disso, ele estava num momento difícil. Estava negociando sua saída do Pão, e a briga entre ele e o Casino aparecia frequentemente nos jornais. Mas ele respondeu em três minutos e marcamos de conversar. Expliquei a ideia e, no começo, ele tomou um susto. Queríamos fazer uma grande transformação numa companhia maior que o Pão de Açúcar e gostaríamos que ele tivesse um papel de protagonista nesse processo. Ele pediu para pensar, claro, e acabou topando.

Levei o Abilio para falar com a Previ no fim de 2012. Queríamos tê-lo na chapa de conselheiros que seria apresentada na assembleia de acionistas em abril de 2013. Era para ser uma transição relativamente tranquila, mas o nome dele vazou em janeiro.

Virou assunto de imprensa antes de a assembleia acontecer, o que gerou mal-estar. Mas acabou dando tudo certo. Na assembleia, o novo conselho foi aprovado por maioria; apenas dois acionistas votaram contra. Também foram aprovados o Claudio Galeazzi9

como presidente executivo e o Pedro Faria como presidente internacional (posteriormente, ele se tornou presidente global da BRF). Além disso, houve mudanças

na diretoria: os novos diretores foram promovidos ou vieram de fora. Os que continuaram abraçaram a nova cultura, a nova ambição, e estão contribuindo para transformar a companhia.

Um jeito simplificado de olhar a transformação daBRF é afirmar que a empresa

precisa ser menos uma indústria, uma fabricante de alimentos, e mais uma companhia focada no consumidor, que consiga explorar melhor o potencial de suas marcas, que são muito fortes, e sua capacidade de distribuição. Mas eu prefiro enxergar as mudanças a

partir de outro ponto de observação. Precisamos ter as bases para merecer a participação de mercado que temos e a ambição de crescer aqui e no exterior. Se a

empresa não merecer, é fácil perder. Por isso, num primeiro momento, devemos investir muito em qualificar as pessoas, em disseminar o sistema de gestão, a cultura, o diálogo e as atitudes, assim como a necessidade de inovar e de zelar pela qualidade dos produtos. Do ponto de vista da jornada de transformação da BRF, a sensação é que

estamos no primeiro minuto de um jogo de futebol de noventa minutos. Os jogadores estão ficando melhores física e taticamente e nossa expectativa é que sejam mais ousados e eficientes quando começarem a jogar de fato.10

No futuro, a potência estará nas pessoas, não nos profissionais. Profissional é uma coisa antiga. O que importa é como as pessoas interagem, como transformam suas ambições em realidade e se organizam numa dinâmica coletiva de alta performance. Queremos criar uma empresa diferente nos ramos em que atua, que consiga gerar valor para a sociedade por meio da transformação do mercado da alimentação. Sei que isso parece meio poético, mas, olhando para o futuro, acho que é esse tipo de abordagem que terá valor. A sociedade vai retribuir dando valor às empresas que somam, não às empresas que subtraem coisas da sociedade.

A indústria de alimentos tem uma responsabilidade adicional. Falar em transparência nesse setor ainda é complicado, não apenas no Brasil. Queremos revolucionar a indústria trazendo transparência e um jeito novo de fazer as coisas, do bem, aliado a um modelo de negócios sólido. Precisamos ter custos competitivos, uma cadeia de produção completa, que trabalhe de forma flexível e sincronizada, uma distribuição impecável, marcas fortes e participação de mercado dominante. Isso dá à empresa capacidade de gerar lucro e reinvesti-lo, mas esse ganho precisa estar a serviço de alguma coisa. Esse é o ponto. Não basta estar apenas a serviço de um grupo, sejam os acionistas ou os executivos da empresa. Acho que não haverá mais espaço para esse tipo de postura no futuro. Tendo propósito, é possível ter consumidores mais assíduos, que sabem diferenciar a empresa, e também pessoas melhores querendo fazer parte da equipe da companhia. Assim, a empresa produz mais, lucra mais e o acionista fica satisfeito. Queremos ficar naBRF até quando pudermos contribuir para articular esse

sonho. Se houver alguém melhor, o bastão será passado. Mas, se conseguirmos nos renovar e atualizar, é possível que nosso investimento dure décadas.