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Por que investimentos temáticos não necessariamente

funcionam

Não consigo me lembrar de uma ocasião em que fomos muito bem-sucedidos fazendo investimentos temáticos, ou seja, comprando ações de empresas de um setor que parecia ser a bola da vez. Essa não é a maneira como costumamos investir. Erramos, por exemplo, quando elegemos o setor de petróleo como promissor, em 2005. Estudamos muito o potencial das reservas descobertas pela Petrobras na camada pré- sal. Talvez o fato de estarmos no Rio de Janeiro tenha influenciado um pouco, porque convivemos com muita proximidade com profissionais do setor. À medida que estudávamos, ficávamos mais impressionados com a dimensão do pré-sal, ainda que houvesse dúvidas quanto a estarmos ou não preparados para explorar essas reservas. Temos um fundo no exterior que investe em ações de empresas de diversos países, o que nos permite analisar com mais profundidade setores globalizados, como o de petróleo. Na época, a nova fronteira do pré-sal era um dos assuntos mais relevantes

dessa indústria no mundo, e parecia que, como brasileiros, tínhamos uma vantagem no entendimento desse tema.

Olhando em retrospecto, é impressionante como o pré-sal é muito maior do que qualquer analista esperava no início. A capacidade técnica da Petrobras aliada à qualidade das reservas fez com que a tese do pré-sal — questões de preço do óleo à parte — fosse muito mais pujante do que imaginávamos. Porém, mesmo diante disso, o

retorno do investimento que fizemos nesse tema foi medíocre. Tentamos investir em ações de petroleiras que tinham presença marcante no pré-sal brasileiro, como a Galp, a Repsol e a própria Petrobras. A moral da história é que, se as teses temáticas não tiverem, por trás, companhias com dinâmicas próprias e sólidas, dificilmente o retorno é bom. O mais importante para nós é a companhia, e não o setor em que ela está. É óbvio que é melhor ter vento a favor do que contra. Mas, de maneira geral, são as boas empresas que fazem diferença no longo prazo.

Isso não quer dizer que seja dispensável analisar o setor. Pelo contrário. Sempre fazemos estudos macroeconômicos e setoriais para entender o ambiente em que as empresas em que queremos aplicar estão inseridas. Em alguns casos, contratamos firmas terceirizadas para nos ajudar a fazer pesquisas de campo. Temos também uma rede de contatos aptos a fazer essas pesquisas e análises, o que nos ajuda a checar hipóteses quando achamos que há pouca clareza sobre determinado tema. Foi o que fizemos no segmento de cartões. Até 2010, a Cielo, que se chamava Visanet na época,

tinha a exclusividade para processar as operações com cartões da Visa, e a Rede, que se chamava Redecard, fazia o mesmo com a Mastercard. O Banco Central resolveu alterar as regras para encorajar outras empresas a operar nesse mercado de forma a aumentar a concorrência.

Quando as novas regras foram anunciadas, as ações da Cielo e da Rede sofreram expressivas quedas na bolsa. A conclusão imediata da maioria dos investidores foi: haverá mais competição, logo, os resultados dessas companhias vão piorar. É claro que faz sentido, mas nós achávamos que o cenário era mais complexo e a vantagem do incumbente, muito grande. Ou seja, na nossa opinião, os demais investidores estavam certos no gênero — haverá mais concorrência —, mas não no grau — os resultados dessas empresas vão piorar sensivelmente. Os novos entrantes precisariam investir muito para ganhar a escala e a capilaridade que a Cielo e a Redecard já tinham, porque, para gerar receita, teriam de instalar aquelas maquininhas de cartão em milhões de estabelecimentos — de novo, a barreira da distribuição num país continental como o Brasil. Nosso desafio era estimar quanto a Cielo e a Redecard poderiam perder de participação de mercado e como isso afetaria a margem de lucro dessas empresas, que

era altíssima.

É sempre difícil ir contra a opinião média do mercado. Ficamos nos perguntando se estamos certos mesmo, e isso dificulta a execução da ação que consideramos correta. A solução é o trabalho muito intenso. No caso da Cielo e da Rede, estudamos a fundo o setor aqui e no exterior, para entender as semelhanças e diferenças. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, países que o Banco Central dizia ter avaliado para decidir mudar as regras de processamento de cartões no Brasil, há muitas empresas disputando esse mercado. Também fomos várias vezes a Brasília conversar com funcionários do Banco Central, do Cade e do Ministério da Justiça. Contratamos um instituto de pesquisa para fazer um levantamento exclusivo para a gente. Foram visitados 250 pequenos estabelecimentos em São Paulo e Porto Alegre. Por que essas duas cidades? Porque o Santander era um novo entrante, então nós escolhemos as praças onde o banco tinha mais agências. Montamos com o instituto um questionário para apurar se o lojista havia recebido uma nova proposta de uma processadora de cartões, qual era o valor das taxas cobradas, se estava havendo renegociação de taxa etc. O instituto visitou um mesmo lojista mais de uma vez, para medir se o mercado estava mudando.

Depois de toda essa análise, passamos a ter mais convicção de que o efeito da competicão seria muito menor do que a maioria dos analistas previa. O preço das ações

refletia um cenário de concorrência acirrada que, na nossa visão, não aconteceria. E não aconteceu mesmo: em 2015, a Cielo e a Rede ainda tinham quase 90% do mercado de processamento de operações com cartões. Compramos mais ações da Cielo e da Rede. Em 2011, elas representavam cerca de 15% do fundo. Nosso retorno foi excelente. Só tivemos segurança para chegar a esse percentual por causa da nossa obsessão por conhecimento. É interessante notar que, apesar de dominarem o mercado, a Cielo e a Rede não estão paradas. Estão investindo em novas tecnologias. É uma boa combinação da vantagem do incumbente com competência na gestão.

Uma das grandes virtudes de um investidor é saber separar o gênero do grau. Identificar exageros (grau) nos movimentos dos preços das ações pode fazer grande diferença. Quando você escolhe a empresa certa no setor certo — e somos obcecados por isso — e paga um preço justo por suas ações, consegue auferir bons rendimentos ao longo do tempo. Nesse sentido, a imprevisibilidade da macroeconomia até ajuda, porque afasta muitos investidores da bolsa e reduz os preços das ações de companhias

interessantes.