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Em 2004, decidi me engajar numa empresa de administração de fundos de ações em sociedade com a Rio Bravo Investimentos, que tinha entre seus sócios Paulo Bilyk, Luis Claudio Garcia de Souza, Marcelo Medeiros e Marcelo Barbará8 — além do Gustavo

Franco, ex-presidente do Banco Central. Os sócios da RB, meus amigos pessoais,

sempre me falavam sobre a possibilidade de fazermos juntos qualquer coisa na área de ações. Ficava sempre na conversa até o dia em que o Mário Fleck, ex-presidente da Accenture no Brasil, entrou para aRB e eles entenderam que era o momento de começar

a lançar fundos de ações. Nessa hora, fiz uma reflexão. Do jeito que eu investia, tinha um horizonte de investimento praticamente infinito. Fazia as aplicações a partir de uma empresa, a Bahema,9 que tinha acionistas. Se um acionista não estava contente com o meu desempenho, o máximo que podia fazer era vender sua participação a outro acionista. Em fundos, é diferente. O cotista decide sacar e o gestor pode ser obrigado a se desfazer de uma posição antes do tempo, para dar o dinheiro àquele cara. E, em geral, os investidores querem sacar quando as coisas estão ruins e aplicar mais quando tudo está bem — o que é exatamente o oposto do que eu faço.

Para tentar sair dessa armadilha, estabeleci com a Rio Bravo algumas regras mais severas de resgate para ter um pouco mais de conforto para seguir uma estratégia de mais longo prazo na bolsa. A primeira condição era que os saques só poderiam ser feitos com sessenta dias de aviso prévio. É um prazo longo no Brasil, onde pouquíssimos fundos têm carência para resgate. Mas, quando explicamos isso a algunsinvestidores americanos que queriam aplicar nos fundos, eles acharam sessenta dias pouco tempo: “Vocês não podem estar falando sério de que vão fazer investimento de longo prazo, ser ativistas na gestão, inclusive participando do conselho de administração, e vão permitir que seu investidor saia em apenas sessenta dias!”. Só que, para o investidor brasileiro, que ainda tinha um resquício de cultura inflacionária, e de muitas crises, era um período longo. A segunda regra foi que uma parte substancial da carteira seria investida em papéis mais líquidos e que não participaríamos da gestão dessas empresas. Isso porque precisávamos de ações que pudessem ser vendidas em pouco tempo para devolver o dinheiro aos investidores que decidissem sacar. Aterceira cláusula dizia que uma parte substancial do patrimônio do fundo teria de ser

dos próprios gestores, para alinhar os interesses. Falávamos em um terço do patrimônio, regra que foi obedecida no começo, mas, à medida que o fundo foi

crescendo, não conseguimos mais acompanhar.

O desempenho do fundo foi muito bom e posso dizer que o projeto foi um sucesso. O rendimento entre 2004 e 2012, quando saí, foi de quase 500%, enquanto o Ibovespa subiu menos de 200%. Atravessamos o ano de 2008, em que a bolsa caiu mais de 40%, com poucos saques, e isso certamente foi muito importante não só para o fundo cair bem menos que o Ibovespa em 2008, mas para ir melhor que o Ibovespa em 2009. Meu

relacionamento com os demais sócios da Rio Bravo envolvidos na gestão de fundos de ações se dava por meio de uma reunião semanal de acompanhamento e de uma reunião mensal de comitê. Nesses encontros, decidíamos onde investir e o que vender. Eu participava da gestão de nove fundos, sendo alguns exclusivos de certos fundos de pensão. Faziam parte do comitê o Paulo Bilyk, o Mário Fleck e, eventualmente, o Gustavo Franco. A par de toda a sua genialidade, como toda pessoa que já lidou com números muito grandes no Banco Central, o Gustavo Franco não acha muita graça nos números pequenos das empresas. Já disse isso para ele.

No comitê, quando alguém dizia, por exemplo, “precisamos olhar a empresa tal”, um analista era encarregado de fazer um estudo sobre a companhia, para ser apresentado no mês seguinte. Se ainda fizesse sentido, a coisa era aprofundada num estudo completo que seria discutido no outro mês. Portanto, nunca comprávamos ações sem um mínimo de dois meses e meio de estudos. E, mesmo quando dávamos o o.k., a compra seguia um certo ritmo de namoro. Comprava um pouco, conhecia um pouco melhor, via as chances de participar do conselho. Não havia espaço para coisas como stop loss (que determina que o gestor deve vender uma ação quando a queda ultrapassa um percentual predefinido). Nosso caminho era sempre por teses. Vamos supor: se achávamos que o

mercado imobiliário era promissor, escolhíamos uma empresa que julgávamos competente no setor ou que tinha espaço para uma reestruturação relevante e íamos adiante com essas crenças. Um stop loss só seria ativado se nossa “escolhida” começasse a cometer erros de execução, sem que a gente conseguisse enxergar uma saída. Não tinha a ver com o preço da ação, mas com a estratégia. Por disciplina, nenhuma das empresas em que investíamos representava mais de 20% do patrimônio total do fundo — o que significava que, se uma ação caísse 20%, a perda máxima para o fundo seria de 4%, um percentual digerível. Um momento educativo aconteceu quando nosso fundo caiu 14% num mês, durante a crise de 2008. Depois do susto inicial, vimos

que não precisávamos enfiar a cabeça num buraco. Renda variável é isso. Se o investidor gosta de ver seu patrimônio aumentar um pouco todo mês, deve ir para a renda fixa. No mês seguinte, o fundo subiu 11%.

A parceria com a Rio Bravo foi desfeita em 2012, porque montei outra gestora, a Teorema, que na verdade é um family office que reúne recursos meus e da minha família. A base do patrimônio da Teorema foram as ações do Itaú que recebemos quando houve a fusão com o Unibanco. Alguns investidores da Rio Bravo viam um conflito de interesses, porque eu estava em duas empresas e, em alguns casos, aplicava nas mesmas ações tanto nos fundos da Rio Bravo quanto nos da Teorema. Perguntavam: “Quando você decidir vender as ações, vai vender primeiro as de qual fundo?”. Teria de ficar me justificando sempre e isso criaria um problema para a Rio Bravo, então achamos que não valia a pena. Esse foi o primeiro problema. Além disso, sempre defendi um ponto: se alguém aplica num fundo de ações, quer ver o dinheiro em ações, não em caixa, ou seja, em aplicações conservadoras de renda fixa. É claro que, quando a bolsa vai mal, o caixa rende mais que as ações, mas renda variável é isso. Eu acho um desrespeito cobrar taxa de administração para deixar o dinheiro em caixa. Se o investidor quer ter dinheiro em caixa, ele vai buscar outro fundo para fazer isso, ou vai comprar títulos públicos, sei lá. Mas alguns gestores da Rio Bravo achavam que, em momentos de crise, era importante ter mais recursos em caixa para preservar o rendimento do fundo.