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Como não entrar numa roubada

Quando saí doBC, tinha o sonho de trabalhar na economia real, então fui conversar com

o David Feffer, da Suzano, com o Benjamin Steinbruch, daCSN, e com vários outros

empresários, para ver se fazia sentido. Mas, naquela época, um cara top do departamento financeiro de uma empresa ganhava mais ou menos metade do que ganhava um executivo de banco, então não dava. Eu tinha ficado quatro anos a pão e água noBC, gastei minha poupança, por isso precisava voltar a ganhar dinheiro. Eu e o

Armínio havíamos ficado muito próximos, e tivemos a ideia de montar uma gestora de recursos. Assim surgiu a Gávea. Antes de alugarmos o escritório de São Paulo, cheguei a ter umas quinze pessoas trabalhando na minha casa, iam uns dez quilos de café por dia, uma loucura. Também havia gente trabalhando na casa do Armínio no Rio. Ficamos dois anos juntos. Saí porque ele queria que a empresa ficasse basicamente no Rio, com uma operação pequena em São Paulo. E eu queria crescer em São Paulo. Para não haver conflito, nos separamos, numa boa. Ainda continuei sócio lá por três anos, e ele e o Luiz Fraga, seu primo, foram sócios da gestora que montei, a Mauá.

A Mauá tem fundos de ações, multimercados e também uma área imobiliária. Crescemos muito entre a fundação, em 2005, e 2008. Sofremos muito na crise de 2008. O problema foi que achamos que a crise internacional atingiria o Brasil com tudo já no começo de 2008. Estávamos muito pessimistas. Mas os preços das commodities deram uma última pernada para cima, isso ajudou a economia e prejudicou nossos investimentos. Perdemos dinheiro com apostas erradas nos juros e no câmbio. Além

disso, investíamos em ações da Cesp, que era uma boa empresa e estava para ser privatizada. Como o processo de privatização deu errado, perdemos dinheiro também.

Isso foi em março de 2008. Tivemos muitos saques e, pelo fato de eu ter uma exposição pública, saí direto na imprensa, foi muito chato. Tive de fazer uma série de cortes na

Mauá por causa desses saques e porque não sabíamos o que viria pela frente. A empresa ficou mais enxuta, pronta para um inverno prolongado, e o segundo semestre foi excelente em termos de resultado. Infelizmente, grande parte dos recursos dos clientes tinha ido embora. Em 2009, tivemos de novo um bom desempenho e a Mauá voltou a crescer.

Ganhamos dinheiro no fim de 2008 porque tivemos uma sacada. Até então, o Brasil respondia às crises apertando a política monetária, ou seja, aumentando juros. Mas não parecia que isso seria necessário em 2008. Como investíamos bastante em ações, éramos próximos de várias empresas, então sondamos os executivos para saber como eles estavam reagindo à crise. Queríamos saber se as empresas planejavam repassar o aumento de custos provocado pela desvalorização do real aos preços dos produtos. Ouvimos respostas assim: “Estou vendendo 30% menos, como vou reajustar preços?”. Por isso, nossa hipótese era que o Banco Central não faria um choque de juros. Mas o mercado estava se comportando como se os juros fossem disparar, as curvas futuras foram para o espaço. O que aconteceu foi que os juros subiram pouco e voltaram a cair

á no começo de 2009, e isso beneficiou nossos investimentos.

As decisões de investimento que tomamos na Mauá sempre começam com uma análise macroeconômica aprofundada. Avaliamos as perspectivas para os juros, o câmbio, o desempenho da economia etc. Em momentos mais tranquilos, é possível enxergar tendências. Por exemplo, logo após a primeira eleição do Lula, havia uma tendência de valorização do real, porque a economia estava indo bem e o governo se mostrava comprometido em manter o equilíbrio fiscal e a inflação sob controle. Apostamos na alta do real entre 2004 e 2007 e ganhamos dinheiro. Numa crise, o mercado fica muito volátil, então o melhor é fazer investimentos mais oportunistas. O ideal é comprar só o que parece realmente vantajoso. É o caso de títulos de renda fixa que pagam juros elevados. Na crise de 2015, 2016, isso aconteceu com os papéis públicos atrelados à inflação, que ofereciam um rendimento de cerca de 7% ao ano acima doIPCA.11

Também é o momento de procurar ações que ficaram baratas, mas só vale a pena investir nelas se as empresas tiverem condições de atravessar a crise. Algumas ações ficam baratas porque as companhias estão muito endividadas ou estão perdendo receita

— nesse caso, o risco é alto demais.

Para um investidor leigo, o que mais faz diferença, especialmente em momentos de incerteza, é estar bem assessorado. Vale a pena gastar um tempo analisando o histórico dos profissionais que vão cuidar do seu dinheiro, seja numa consultoria financeira, num banco ou numa gestora de fundos. Mais do que dar grandes tacadas, esses profissionais podem evitar que o investidor cometa grandes erros, que podem comprometer seu patrimônio. Fugir das roubadas dá retorno no longo prazo.

Em 2014, tomamos a decisão de subir a régua de qualidade ao contratar profissionais para a Mauá. Trouxemos gente de primeiríssima, como o Luis Alberto Garcia, que foi sócio e diretor de tesouraria do ItaúBBA, o Ricardo Cará, que também foi doBBA e da

gestora Gap, e o Júlio Araújo, um grande amigo e o melhor tesoureiro da minha geração. Também entraram na empresa o Eduardo Camara Lopes, que foi presidente no Brasil da gestora britânica Ashmore e sócio do BBA, e o Fabio Uban. O objetivo é me

liberar para pensar na empresa. Ainda estou bastante envolvido com a gestão dos fundos e participo de comitês de investimento, mas consigo ter tempo para fazer um trabalho mais institucional, de cuidar das áreas sem estar tanto no dia a dia. Pela primeira vez na vida, deixei de ser vidraça e virei pedra. Mas uma pedra simpática.

COMO FAZER BONS INVESTIMENTOS