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Serviço militar no mercado financeiro

O Cândido Bracher, filho de Fernão Bracher, havia sido convidado para ser diretor de política monetária do Banco Central em 1994 ou 1995, não lembro o ano exatamente. Chegou a sair doBBA, mas acabou não dando certo e ele voltou para o banco. Em 1999,

quando já estava circulando a história de que o Armínio Fraga iria se tornar presidente do Banco Central, ele chamou o Cândido para conversar. E o Cândido pediu que eu fosse junto. Pensei: “O Cândido não está tão no dia a dia do mercado, então quer que eu vá para ajudar, legal”. Iríamos encontrar o Armínio no escritório do Banco Central no Rio de Janeiro. Quando estávamos no aeroporto, tomando café antes de embarcar, o Cândido disse: “Estão querendo te chamar para ser diretor de política monetária do

BC”. Ele é muito gozador, uma grande figura, então achei que era brincadeira. O

Armínio nem me conhecia. Havia me encontrado com ele uma única vez, em Nova York.

Fomos à reunião, que foi muito interessante. O Armínio perguntou sobre o mercado, eu falei bastante e ele comentou que tinha sido uma pena o Cândido não ter ido para o

BC. E aí perguntou se eu não teria interesse em ir. Eu não queria sair doBBA, que estava

indo superbem. Mas a proposta não era ir para outro banco, era para o Banco Central. Claro que me interessava, mas eu respondi o seguinte: “Armínio, você não me conhece e acho que, para esse tipo de trabalho, as pessoas precisam se conhecer direito. A última coisa que quero é que você compre gato por lebre. Posso te ajudar no que for preciso, vir aqui, conversar, mas acho que não devo aceitar o convite”. Ele disse: “Tá bom, então fica hoje aqui, vamos conversar à noite”. O Cândido foi embora e, como o

BBA tinha escritório no Rio, fui até lá, dei uma enrolada e me encontrei com o Armínio

na casa da mãe dele, porque ele não tinha casa no Rio, estava morando com ela. E a conversa fluiu. Eu disse que via um problema noBC, que era o fato de a diretoria

cambial ser separada da monetária. Sugeri que a diretoria fosse unificada, porque o mercado opera tudo junto. Ele gostou da ideia. Disse também que meu inglês era uma porcaria — hoje já melhorou — e que ele não precisava me convidar para ser diretor

do BC, que aquela reunião já havia sido extraordinária. Combinamos de voltar a falar

em alguns dias.

No dia seguinte, voltei a São Paulo e pedi para conversar com o Fernão, que já havia sido presidente do Banco Central. Disse que queria estar preparado se houvesse o convite. Ele e o Beltran foram ótimos, disseram que eu deveria ir, que seria excelente para minha carreira. Também falaram que ficariam alguns meses sem me substituir, caso

algo desse errado. Então o Armínio ligou, perguntou se eu estava pronto e fui. O anúncio foi feito no dia seguinte e, a partir daí, minha vida mudou completamente. Foi sensacional. Mas tem um detalhe: só pude aceitar o convite porque tinha uma reserva financeira, feita noBBA. Sem isso, é inviável, porque os salários são muito baixos. Eu e

outros diretores do BC dizíamos que trabalhar ali era o nosso serviço militar. Não me

mudei para Brasília. Ficava três dias lá e o restante em São Paulo ou no Rio. Minha família estava em São Paulo e, fora isso, é preciso manter o contato com o mercado. Em Brasília, você fica muito isolado. O Armínio tem uma frase muito boa: “Quando você pega o avião para Brasília, mais ou menos 30% do seuQI fica no caminho”.

Joguei polo aquático durante muitos anos — hoje, jogo um pouco. E a meta da equipe era ir para a seleção brasileira, que nem era tão boa, mas era a seleção. O Banco Central é a seleção. Do ponto de vista de alguém que trabalha no mercado financeiro, não há experiência mais rica. Lidamos com o setor público a vida inteira, mas só dá para entender como as coisas funcionam de fato estando lá. Além disso, ganhei muita

maturidade. Aprendi o que nenhum doutorado me daria. Quando discutiram a criação do fator previdenciário, eu estava envolvido na discussão. Quando é que faria isso na tesouraria de um banco? Também coordenei o projeto do sistema de pagamentos brasileiro. Não é aquele negócio: “Eu fiz meu trabalho, quero meu bônus”. Meu

resultado eram as ações que tomava e que podiam melhorar ou piorar o país. Foi, disparado, o melhor momento da minha carreira. Mas também apanhei feito um desgraçado. Fui para a diretoria de política monetária, que acabou incorporando a área cambial e de reservas, como eu havia sugerido.

O Armínio, eu e outros dois diretores do BC participávamos de um grupo chamado

Câmara de Política Econômica. Envolvia também o ministro da Fazenda, o ministro da Casa Civil, o presidente do BNDES, o ministro do Desenvolvimento e, de vez em

quando, o presidente Fernando Henrique Cardoso. O objetivo era discutir questões econômicas relevantes. Aconteceu uma coisa engraçada logo na primeira reunião da Câmara. Sou um cara meio informal, e aquele negócio não tinha nada de informal. No começo da reunião, vi que o Pedro Malan (ministro da Fazenda na época) tirou o paletó. Aproveitei e tirei também. Olhei ao redor e estava todo mundo de paletó. Aí

chegou o Fernando Henrique, olhou em volta e disse: “Veja bem, quando eu era ministro do presidente Itamar Franco, nunca estive com ele sem paletó”. Eu pensei: “Pronto, vou ser demitido no primeiro dia”. Daí o Malan falou: “Eu sou filho de Deus, presidente”. E todo mundo deu uma risada. Nunca mais tirei o paletó.

Foi uma época interessante porque havia muito a ser feito. O Armínio encontrou caras muito bons e complementares, então não havia conflito. Havia discussões a partir de vários ângulos. Por exemplo, o Sergio Werlang era superacadêmico, uma cabeça extraordinária. Eu não tenho nada de acadêmico, mas trazia a visão do mercado. O Sérgio Darcy era especializado em regulamentação: ele fez toda a regulamentação bancária no Brasil.

As decisões sobre a taxa de juros eram sempre tomadas na base do voto.6 Não havia indicação do Malan. O processo era o seguinte: no primeiro dia da reunião para decidir sobre os juros, éramos bombardeados por informações trazidas pelas áreas econômicas e de pesquisa do BC. Era número para burro, até cansava. Falava-se de atividade

econômica, situação externa, inflação, projeção de inflação, aspectos de mercado. No segundo dia da reunião, descansados e depois de ter assimilado aquela quantidade de dados, decidíamos o que fazer com os juros. Depois disso, havia o comunicado ao mercado. Hoje, o Banco Central divulga a nova taxa de juros, com uma frase de explicação, por escrito. Na minha época, eu anunciava os juros e falava a tal frase que resumia os motivos da decisão. A frase era decidida em conjunto pelos diretores, no final da reunião. Um dia, aconteceu uma coisa engraçada. O Armínio é um cara extraordinário, mas ele tem um quê de anarquista. Ele disse: “Vai lá, anuncia os juros e não fala mais nada”. Eu falei: “Mas vou acabar apanhando”. E ele: “Não, não, bobagem”. Os outros diretores concordaram, eu fui lá e falei, olha, a taxa de juros foi para tanto, ponto. Aí o jornalista falou: “Como assim, ponto? A gente está aqui esperando para você falar esse ponto?”. Eu quase apanhei, não é brincadeira. Naquela

semana, saiu na revista IstoÉ Dinheiro que eu era tão arrogante quanto o Luxemburgo (técnico de times de futebol).