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Churchill ou Rolling Stones?

Em qualquer parte do mundo, ganha as eleições quem promete mais para hoje — e danem-se as gerações futuras. Imagine se houvesse dois candidatos malucos numa eleição: o Winston Churchill e alguém dos Rolling Stones. O Churchill prometendo sangue, suor e lágrimas e o cara dos Rolling Stones, sexo, drogas e rock’n’roll. Tenho poucas dúvidas do resultado. Na lógica da maioria dos políticos, é melhor ganhar todas

as eleições possíveis e crescer 3% ao ano do que crescer 6% ao ano e dar o poder para outro. Então, o governo vai até onde dá. O problema é que, no Brasil, o governo esticou demais a corda e levou o país a uma das piores recessões da história em 2015 e 2016.

Em 2010, quando a economia brasileira estava crescendo muito, escrevi um relatório de gestão7 em que falava do moto-contínuo tropical. A ideia do moto-contínuo surgiu na Renascença: o objetivo era criar uma máquina de movimento perpétuo que reutiliza a energia gerada por seu próprio movimento. A máquina se mostrou inviável, mas oPT

reformas, apenas incentivando a demanda e gastando dinheiro público. Era como se a seguridade social tivesse deixado de ser um passivo para virar um ativo: quanto mais os aposentados e funcionários públicos ganhassem, melhor, porque isso gerava demanda. Nada estava sendo feito para melhorar a oferta ou aumentar a produtividade da economia. É claro que eu achava que o modelo ia naufragar, mas só comecei a investir de acordo com essa visão em 2013. Antes disso, havia uma série de investidores que achavam que o Brasil ia dar certo e estavam aplicando aqui. Se fosse contra isso, perderia dinheiro. Mesmo em 2013 foi cedo demais e o Verde teve alguns meses complicados.

Vivi muitas crises e, em todas elas, vi oportunidades de investimento na bolsa brasileira. Até 2015, as crises foram originadas no exterior — na Ásia em 1997, na

Rússia em 1998, na Argentina em 2001, nos países desenvolvidos em 2008. Houve o estresse provocado pela eleição do Lula em 2002, mas ele se dissipou rapidamente e a economia se recuperou. Em 2015, foi diferente. A crise foi brasileira. O governo bem que tentou culpar chineses, gregos, sei lá quem, mas não faz sentido. Só porque a China parou de crescer mais de 10% ao ano? Isso não significa que há uma crise lá. Na

verdade, é até saudável que haja uma desaceleração. O mundo não é benéfico para o Brasil como foi até 2011, especialmente porque os preços das commodities estão caindo, mas isso não significa que o cenário externo seja a principal causa dos nossos problemas.

A competitividade de um país é uma conta simples: é fruto de um estoque de capital per capita, produtividade e poupança. O Brasil não tem nada disso, porque não fizemos

nenhuma lição de casa. O modelo econômico brasileiro deu certo por um tempo por causa do boom de commodities. Além disso, até 2005 havia um exército industrial de reserva: milhões e milhões de trabalhadores que tinham de ir para o mercado de trabalho — e foram. Agora, esse estoque está acabando. Os outros trabalhadores que não estão empregados não têm educação suficiente para produzir. Vai levar um tempo para ficarem aptos.

Praticamente zerei meus investimentos na Bovespa em 2013. Como tenho o objetivo de aplicar um terço do fundo na bolsa, passei a comprar ações americanas. Em 2015, operamos bastante no exterior, o que funcionou bem: conseguimos capturar a valorização do dólar, que foi de dois reais para quatro reais no ano. Nesse patamar do câmbio, a pergunta é: quanto estou disposto a perder do meu patrimônio para comprar dólares ou mandar o dinheiro para fora do país? Faz isso quem tem medo de perder

dinheiro por causa da inflação ou acha que o governo pode congelar contas e depósitos. A lógica é: não vou esperar o governo dar o calote, vou dar o calote em mim mesmo.

Investir em títulos públicos atrelados à inflação foi a melhor coisa do mundo em 2015. Era possível garantir um retorno real de cerca de 7% ao ano por anos. Só que havia o risco de o investidor não ser pago. Ainda que não houvesse calote, o investidor poderia perder se seu patrimônio fosse corroído pela inflação. Em tese, esse título é

uma proteção contra a alta dos preços, mas o governo sempre pode manipular índices. Sim, estou imaginando um cenário extremo, mas não dá para descartar riscos. É por isso que muita gente compra imóveis. Pode desvalorizar, mas é uma propriedade que está lá. Em 2002, o Verde investia em barras de ouro para proteger o patrimônio dos clientes. Hoje, não existe mais tanto ouro à disposição. O título público é seu até o governo mudar algo com uma canetada.

Gosto de fazer um exercício, que é tentar estimar quanto vale a Terra. Suponha que os marcianos fossem muito melhores que a gente e quisessem comprar a Terra. É provável que pagassem para ter acesso ao que estudamos e à nossa capacidade de inventar e construir coisas. Também iam pagar pelos recursos naturais, e o Brasil seria grandemente beneficiado. Mas não pagariam pelo dinheiro que existe no planeta, porque, se somarmos todos os ativos e descontarmos as dívidas, dá zero. Se

descontarmos o que é devido pela aposentadoria, ficamos no negativo. As dívidas dos países estão crescendo tanto que vão se tornar impagáveis — como aconteceu com a

Grécia. Vamos acabar vendo um grande Plano Collor mundial.

Imagine que um parente seu que nasceu há 2 mil anos deixou uma herança para você de um dólar, que foi aplicada rendendo 1,6% ao ano em termos reais (já descontada a inflação). A maioria das pessoas pensa: um dólar, nem vou me dar ao trabalho de ir buscar. Só que esse 1,6% de retorno — só isso — foi suficiente para transformar

aquele dólar em 7 trilhões de dólares hoje. Se esse é o patrimônio de uma única pessoa que recebeu um dólar, onde está o resto do dinheiro do planeta? Obviamente foi destruído — na maior parte das vezes, pelos herdeiros. Muitos acabam fazendo maus negócios, deixam algum esperto tirar vantagem ou investem em ações da Apple. Por isso é melhor ter um imposto sobre herança alto, de 50%, como é nos Estados Unidos. Em vez de pagar esse imposto, os herdeiros doam o dinheiro para faculdades, hospitais, museus. É assim que o mundo se desenvolve.

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