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Quando investimos numa empresa, a primeira coisa que fazemos é elaborar algo que pode ser chamado lista de desejos: o que gostaria que essa empresa fizesse e o que poderia aumentar seu valor de mercado? Essa lista nos orienta. Mas é importante entender que ela é dinâmica, ou seja, à medida que conhecemos mais a companhia, acrescentamos ou modificamos alguns tópicos — e também tiramos os pontos que já foram encaminhados. Quando a lista fica curta demais, é provável que a ação já esteja no preço certo e seja hora de vender. Em geral, a política de dividendos da empresa faz parte dessa lista. É importante que haja o compromisso de distribuir dividendos com regularidade. O valor, claro, depende do estágio da companhia: as companhias mais maduras, que não demandam tantos investimentos, devem pagar mais do que aquelas

que estão crescendo. Mas os dividendos fazem muita diferença no retorno para o acionista.

Não costumo dar muita importância às avaliações de empresas problemáticas feitas por analistas do mercado financeiro — que geralmente acham que a vida se resolve com grandes e rápidas tacadas. Não tem grande tacada na vida real. Tem trabalho. Muitas vezes, as mudanças demoram para maturar. Além disso, é importante dar voz às pessoas certas. Em 90% dos casos, as pessoas certas estão na própria empresa. Se não

estiverem, aí sim vale a pena buscar no mercado.

As ideias de investimento surgem quase que por osmose. Ouço muita gente que respeito e, de repente, a ideia está dada. Só para ilustrar, hoje faço parte de seis conselhos de administração de empresas abertas. Você pode imaginar a quantidade de cabeças brilhantes que ouço. Algumas pessoas acham que o conselho é como a rainha da Inglaterra, que está lá só para constar, mas não decide muita coisa. Isso é verdade em alguns casos. Mas também há conselheiros que têm uma participação ativa e importante. Eu tento fazer valer a razão de estar lá. Em algumas ocasiões, consigo fazer prevalecer o que entendo como certo, mas também faço concessões.

Um exemplo de como o conselho pode funcionar bem aconteceu na Eternit, que fabrica materiais de construção e, principalmente, telhas de amianto. Quem me alertou para o assunto no final da década de 1990 foi o pessoal da Dynamo, uma gestora de

fundos de ações do Rio que sempre admirei muito. A tese era que os problemas relativos ao amianto estavam superdimensionados na cabeça das pessoas no Brasil e que a empresa era uma joia vendida a preço de banana. A Eternit tem uma mina de amianto crisotila em Goiás, de onde exporta para o mundo todo.10 Em 2002, quando começamos a comprar ações da Eternit, o controlador, na prática, era a Saint-Gobain, uma multinacional francesa de materiais de construção. A Saint-Gobain não tinha a maioria das ações, mas havia montado um esquema com ações ordinárias e preferenciais que lhe dava a maioria das cadeiras do conselho de administração, o que

garantia o controle. Eu fui eleito conselheiro num primeiro mandato, ainda nessa configuração. Liderava um pequeno grupo de investidores que acreditava que em pouco tempo a Saint-Gobain venderia sua participação por causa da pressão das autoridades na França, em razão da proibição do uso do amianto. Isso, na verdade, aconteceu em menos de um mês, quando todas as ações ordinárias foram vendidas na bolsa e as preferenciais foram compradas por mim. Lembro que negociei com uma representante

aeroporto para meu escritório e a volta. A vontade dela de vender era tamanha que acertamos tudo em poucas horas e, no mesmo dia, ela voltou para Zurique. Tenho certeza de que não cheguei nem perto do seu preço-limite para vender, mas não me preocupava com isso, dada a certeza de que estava fazendo um excelente negócio.

Num primeiro momento, porém, a empresa estava sem um comando definido. Havia os administradores, mas não um dono ou um grupo de donos. O controlador tinha vendido tudo, e eu era a única pessoa que já fazia parte da Eternit e poderia tentar estabelecer o diálogo entre os administradores e os novos acionistas, que haviam comprado as ações vendidas pela Saint-Gobain. Peguei a lista dos novos acionistas e fiz uma visita pessoal a cada um dos que tinham comprado um volume relevante de ações. Começava a visita dizendo: “Lamento informar que a empresa está acéfala e, mesmo que não esteja nos seus planos, é muito importante elegermos um conselho que represente os acionistas e que interaja com a administração para haver uma continuidade nos negócios”. Cada um que topasse a missão ia para o conselho com as armas que tivesse. Nesse grupo estavam Lirio Parisotto, Victor Adler e Mu Hak You,11

que foram vitais para a sobrevivência da Eternit. Além disso, por muita sorte, havia um corpo gestor na empresa, formado por pessoas de altíssimo gabarito e que tinham sido treinadas na cultura da Saint-Gobain. Assim, sem que houvesse nenhum acordo de acionistas assinado, começamos a tomar decisões num ambiente extremamente democrático, sempre com o interesse da empresa como guia.

Gostei bastante dessa que foi minha primeira experiência numa empresa sem controlador, em que o comando era exercido por um grupo de acionistas. Cada assunto era discutido abertamente e sempre se chegava a uma solução de consenso que maximizava o retorno para acionistas e gestores. Isso era pouco comum no Brasil, mas surgiram casos novos com a onda de aberturas de capital na Bovespa a partir de 2005. Seja porque as famílias que eram donas das empresas cresceram e se dividiram, não podendo manter o controle; seja pela presença de mais empresas e investidores

estrangeiros que têm uma cultura de organização assim; seja pela necessidade de crescimento que fez com que o controlador concordasse em dividir o poder.12