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Novo Código de Processo Civil (PL nº8.046/2010), a razoável duração do processo e o ativismo judicial

FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E DA EFETIVIDADE JURISDICIONAL?

5.6 Novo Código de Processo Civil (PL nº8.046/2010), a razoável duração do processo e o ativismo judicial

A exposição de motivos do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº166/10) que deu origem ao Projeto de Lei nº8.046/2010 aponta alguns objetivos que orientarão a estrutura da nova legislação: (I) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia com a Constituição Federal; (II) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; (III) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; (IV) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, (V) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.

Ao que se analisa, o Projeto do Novo Código de Processo Civil incorpora a nova tendência, – defendida neste trabalho – de que o direito processual civil deve ser analisado e interpretado a partir da Constituição Federal, isto é, à luz da Constituição procura- se estabelecer o máximo de sintonia entre a legislação infraconstitucional e a Constituição Federal.

Por sua vez, os objetivos demonstram que o Projeto é sensível ao anseio social de simplificação processual e de maior rapidez na solução de conflitos. No texto do Projeto do Novo Código de Processo Civil, é clara a preocupação com a razoável duração do processo, inclusive, principal preocupação deste trabalho.

Buscando atingir estes objetivos, inicialmente, o Projeto do Novo Código de Processo Civil preocupou-se em repetir expressamente em seus dispositivos o conteúdo de princípios processuais consagrados no texto constitucional. Dentre eles, ante a atual situação do Poder Judiciário, moroso e congestionado – a razoável duração do processo (art.4º – “As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”).

Além disso, o art.8º do Projeto328 se refere expressamente aos princípios da dignidade humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

328 Art.8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e

promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

O Projeto do Novo Código de Processo Civil procura não apenas garantir abstratamente a obrigatoriedade de observância de um prazo razoável para o trâmite processual (primeiro aspecto do princípio). Ele vai além do aspecto abstrato e procura simplificar procedimentos e estabelecer mecanismos que, ao serem aplicados concretamente, podem vir a contribuir para uma efetiva redução no tempo médio de tramitação das demandas (segundo aspecto do princípio).

O Projeto também consagra o ativismo judicial, no limite defendido por esse trabalho, qual seja, a postura dinâmica do juiz no processo decorrente do dever de cooperação na busca da solução do conflito.

Nesse contexto, importa transcrever o conteúdo dos arts.5º, 6º, 7º e 9º do Projeto:

Art.5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Art.6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Art.7º É assegurada às partes paridade de tratamento no curso do processo, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório.

Art.9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela antecipada de urgência;

II – às hipóteses de tutela antecipada da evidência previstas no art.309, incisos II e III;

III – à decisão prevista no art.699.

Art.10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

A partir de uma simples interpretação é possível concluir ter havido preocupação com as garantias dos jurisdicionados e com o princípio da colaboração entre as partes e o juiz, o que afasta a ideia de autoritarismo, fazendo com que o juiz em conjunto com as partes possa prolatar a melhor decisão.

Por sua vez, com relação à razoável duração do processo e os meios para sua concretização, abaixo, segue a análise de alguns dos dispositivos que indicam contribuir abstrata ou concretamente para uma maior simplificação procedimental e melhora no quadro de morosidade na prestação jurisdicional.

O art.64 do Projeto329 possibilita que tanto a incompetência absoluta quanto a relativa sejam alegadas em preliminar de contestação, além de acabar com a desnecessária diferenciação procedimental estabelecida no Código de Processo Civil atual, dispensa a oposição de exceção de incompetência relativa em incidente apartado, o que simplifica o trâmite e tende a torná-lo menos moroso.

O §3º do art.3º, bem como os arts.165 a 175, procuram estimular o uso da conciliação e mediação, com procedimentos mais bem definidos. O prestígio e o fortalecimento dos meios alternativos de solução de controvérsia pode propiciar o descongestionamento do Poder Judiciário.

Por sua vez, o art.331 estabelece que, antes do oferecimento da contestação, deve-se passar à tentativa de conciliação.330 Espera-se que, com isso, grande parte das demandas não sejam nem processadas, uma vez que a ideia é dar oportunidade, no primeiro momento, de haver o contato entre as partes em um ambiente solene e que estimule a composição.

A fim de dar melhor utilidade ao saneamento compartilhado, o Projeto oferece procedimentos definidos com prazos estipulados para que as partes apresentem ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a ser matéria de instrução probatória (art.354, §1º e 2º).331

O Projeto do Novo Código de Processo Civil também inova o ordenamento com a criação do incidente de resolução de demandas repetitivas (arts.973 a 984) a fim de evitar decisões divergentes e, consequentemente, reduzir o número de recursos nas instâncias superiores, proporcionando um julgamento mais célere dos conflitos levados ao Poder Judiciário.

Outra novidade consiste na flexibilização das regras sobre o ônus da prova no saneamento do processo (art.370, §1º)332, chamada pela doutrina como teoria dinâmica do

329 Art.64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.

330 Art.331. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz

designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de trinta dias, devendo ser citado o réu com pelo menos vinte dias de antecedência.

331 Art.354. Não ocorrendo qualquer das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização

do processo: §1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de cinco dias, findo o qual a decisão se torna estável. §2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV; se homologada, a delimitação vincula as partes e o juiz.

332 Art.370. O ônus da prova incumbe: §1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à

impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

ônus da prova, sendo o seu maior expoente, Jeremias Bentham, para quem o ônus da prova incumbia a quem pudesse produzi-la mais facilmente e com menores inconvenientes.333

Além dos dispositivos apontados, certamente outros poderão ser identificados como forma de simplificar o trâmite processual e atribuir maior rapidez à solução de conflitos. A intenção deste tópico é apenas demonstrar que o Projeto do Novo Código de Processo Civil está atento aos anseios sociais de efetividade e celeridade na prestação jurisdicional, tendo procurado, na medida do possível, satisfazer tais anseios, no duplo aspecto do princípio da razoável do processo, sem deixar de observar outros princípios processuais previstos na Constituição Federal e expressamente repetidos em seus dispositivos.

Contudo, parece que o Projeto de Lei poderia ter avançado um pouco mais, ao inovar o ordenamento com procedimentos utilizados no direito estrangeiro, os quais poderiam contribuir ainda mais para a concretização do direito fundamental à razoável duração do processo.

Conforme se analisará no próximo tópico, o fenômeno da contratualização, os circuitos adequados ou o calendário do processo são possíveis medidas que também podem contribuir para a busca da efetividade processual num prazo razoável.