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Camilo 40 anos da teoria geral do processo no Brasil São Paulo: Malheiros, 2013, p.144.

4 A DICOTOMIA DO DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

4.1.2 As principais alterações realizadas no Código de Processo Civil brasileiro para fazer valer o princípio da duração razoável do processo

4.1.2.5 Flexibilização do procedimento

Com o objetivo de se alcançar a efetividade, respeitar a isonomia e promover a justiça das decisões, examina-se a proposta de flexibilização do procedimento pelo juiz como forma de garantir uma “prestação mais racional da justiça (por meio da abreviação cronológica das demandas e busca da verdade mais acurada)”.223

Gustavo Peres Oliveira afirma que são dois os aspectos principais do princípio da efetividade: (I) a duração razoável do processo e (II) o emprego de técnicas adequadas para a tutela efetiva do direito material e, por tal motivo a flexibilização, ou nas palavras do autor, a adaptabilidade, “pode funcionar como técnica de abreviação do processo, eliminando atos inúteis e criando sequência de atos capaz de racionalizar a atuação das partes e do juiz no processo”224, contribuindo diretamente para a concretização do direito fundamental à duração

razoável do processo.

Fredie Didier Jr. fundamenta a flexibilização do procedimento no princípio da adaptabilidade, elasticidade ou adequação judicial que se distingue do princípio da adequação. Para o autor, o princípio da adequação pode ser definido como o dever do legislador criar

221 SERAU JUNIOR, Marco Aurélio; REIS Silas Mendes dos. Recursos especiais repetitivos no STJ. São Paulo: Método,

2009, p.26-27.

222 SERAU JUNIOR, Marco Aurélio; REIS Silas Mendes dos. Recursos especiais repetitivos no STJ. São Paulo: Método,

2009, p.75.

223 OLIVEIRA, Guilherme Peres. Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São

Paulo: Saraiva, 2013, p.123.

224 OLIVEIRA, Guilherme Peres. Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São

procedimentos adequados à tutela de direitos225, já o princípio da adaptabilidade consiste no ajuste do procedimento previsto em lei, realizado pelo juiz no trâmite do processo.

Eis que aparece o princípio da adaptabilidade, elasticidade ou adequação judicial do procedimento: cabe ao órgão jurisdicional prosseguir na empresa da adequação do processo, iniciada pelo legislador, mas que, em razão da natural abstração do texto normativo, pode ignorar peculiaridades de situações concretas somente constatáveis caso a caso.

[...]

Em síntese: procede-se à adequação do processo ao seu objeto tanto no plano legislativo, abstrato, com a construção de procedimentos compatíveis com as necessidades do direito material, como no plano do caso concreto, processual, permitindo-se ao magistrado a adequação do procedimento conforme as exigências

da causa ou para efetivar direitos fundamentais que estejam sob risco de lesão.226

Para Fernando da Fonseca Gajardoni, além do ajuste do procedimento previsto em lei, pode o juiz realizar alterações no procedimento sem expressa previsão legal, mas desde que se faça com o fim de se restabelecer as forças entre os litigantes:

Nada impede que o juiz promova a variação ritual à luz das características da parte litigante, seja quando o legislador lhe dá expressamente tal atribuição (ampliação dos prazos por força de circunstâncias excepcionais da parte, nos termos do art.181 do CPC; inversão do ônus da prova, nos termos do art.6º, VIII, do CDC), seja quando ele não foi capaz de antever o regramento flexibilização, pese à sua imperiosidade para o restabelecimento do equilíbrio de forças entre os litigantes (utilização de procedimento diverso nos caos em que o réu, estando em local distante, tiver incapacidade ou grande dificuldade de se deslocar até a comarca para a audiência inicial do rito sumário, sumaríssimo ou especial).227

A questão da flexibilização do procedimento também é tratada por Teresa Arruda Wambier e José Miguel Medina:

Inexistindo procedimento explicitamente previsto no sistema, o procedimento adequado deverá ser modelado pelo juiz, de acordo com os parâmetros oferecidos pelas partes, já que a ausência de tal procedimento adequado à tutela do direito substantivo significaria a negativa da existência de tal direito.228

225 Fernando da Fonseca Gajardoni também concorda com o entendimento de Fredie Didier Junior e aponta que o princípio

da adequação legitima a alteração do procedimento pelo legislativo “para que a Fazenda Pública e o Ministério Público contem com prazos mais extensos para a prática dos atos processuais (art.188 CPC); para que nos processos em que haja interesse de incapazes intervenha o Ministério Público (art.82, I, do CPC); para que os incapazes ou a Fazenda Pública não possam litigar pelo procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Cíveis, cujas garantias processuais são menos acentuadas (art.8º e §1º da Lei nº9.099/95); etc. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz; ZUFELATO, Camilo (Coord.). 40 anos da teoria geral do processo no

Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013, p.308).

226 DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 11.ed. v.1 e 2

Salvador: JusPodium, 2009, p.43;45.

227 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz;

ZUFELATO, Camilo (Coord.). 40 anos da teoria geral do processo no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013, p.308-309.

228 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Parte geral e processo de conhecimento. São Paulo:

No mesmo sentido é o posicionamento de Luiz Guilherme Marinoni para quem o procedimento está ligado à técnica processual por ser essencial para a tutela do direito material:

O processo, atualmente, é o próprio procedimento. Mas não apenas, como quer Fazzalari, o procedimento realizado em contraditório – até porque essa exigência é óbvia e inegável -, mas igualmente o procedimento idôneo às tutelas prometidas pelo direito material e à proteção do caso concreto. Aliás, para que o processo seja capaz de atender ao caso concreto, o legislador deve dar à parte e ao juiz o poder de concretizá-lo ou de estruturá-lo. Ou seja, o processo não apenas deve, como módulo legal atender às expectativas do direito material, mas também deve dar ao juiz e às partes o poder de utilizar as técnicas processuais necessárias para atender às peculiaridades do caso concreto229.

Importa mencionar que no sistema vigente os princípios da adequação e da adaptabilidade são princípios implícitos, sem previsão legal específica, mas que “decorre da correta aplicação do princípio constitucional do devido processo legal (do qual tanto o princípio da adequação quanto o da adaptabilidade são corolários).230 Por não tratar de princípio explícito, para Fernando da Fonseca Gajardoni, a flexibilização procedimental é dividida em três sistemas.231

O primeiro deles é o proveniente de previsão legal; tratam-se de hipóteses as quais autorizam o juiz a adaptar o procedimento à causa. No sistema vigente são vários os exemplos de adequação judicial do procedimento, a exemplo dos seguintes: (I) a possibilidade de conversão do procedimento sumário em ordinário, em razão da complexidade da prova técnica ou do valor da causa (art.277, §§4º e 5º do CPC); (II) o julgamento antecipado da lide com a supressão da fase probatória do rito (art.330, CPC); (III) a inversão do ônus da prova em demandas de consumo de acordo com o art.6º, VIII, CDC; (IV) a determinação ou não de audiência preliminar, a depender do direito objeto da lide (art.331, CPC) e etc.

O segundo sistema é aquele no qual, mesmo não havendo previsão legal específica a respeito, “competiria ao juiz, com base nas variantes do caso em concreto (objetivas e subjetivas), modelar o procedimento para a obtenção de adequada tutela, elegendo quais os atos processuais que se praticarão na série, bem como sua forma e o modo”.232

São exemplos do segundo sistema os seguintes casos práticos: (a) a concessão de prazo para ampliar a defesa além de 15 dias, quando a inicial vier acompanhada de grande

229 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2006, p.419.

230 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz;

ZUFELATO, Camilo (Coord.). 40 anos da teoria geral do processo no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013, p.311.

231 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz;

ZUFELATO, Camilo (Coord.). 40 anos da teoria geral do processo no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013, p.315.

232 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz;

volume de documentos (art.181 do CPC); e, (b) a dispensa ou redução do valor do depósito exigido na ação rescisória trabalhista (em atenção ao princípio constitucional de acesso à justiça). Por não constar expressamente em dispositivo legal, a adoção dessas medidas tem fundamento no art.125 do Código de Processo Civil.

O terceiro sistema, por sua vez, seria o da flexibilização das regras por atos voluntários da parte. Nele, “competiria às partes eleger alguns procedimentos ou alguns atos processuais da série, ainda que também em caráter excepcional e com condicionamentos”. 233

No direito processual civil brasileiro, a preponderância é da aplicação do sistema com previsão legal expressa, com incidência de alterações procedimentais previamente imaginadas pelo legislador.

Diferentemente de outros sistemas, como Estados Unidos, Inglaterra e Portugal, nos quais “há mais de uma década existe previsão legal acerca do chamado ‘poderes de gestão processual do juiz’, que lhe permitem, dentre outras providências, adaptar o procedimento tendo em vista as peculiaridades do direito material versado na lide, bem como as peculiaridades fáticas”,234 o sistema processual vigente não admite expressamente a

possibilidade de adaptação diretamente pelo juiz.

Contudo, essa possibilidade não pode ser descartada do atual sistema processual que clama por soluções na eliminação da morosidade processual. Por essa razão, obedecidas certas condições e limites, sob pena de tornar o sistema imprevisível e inseguro, deve ser autorizada ao juiz a adaptação procedimental, independentemente de previsão legal.

É exatamente esse o modelo que Gustavo Peres Oliveira propõe para o sistema processual brasileiro, ou seja, o de que a flexibilização do procedimento, com ou sem previsão legal expressa, ocorra de acordo com as peculiaridades do caso, respeitadas as exigências dos princípios constitucionais.

Além desse limites “imanentes”, buscamos importar criticamente os standards fixados nos países que já permitem expressamente há algum tempo a modificação do procedimento pelo juiz no caso concreto. Dentre esses, está a ideia de que a adaptabilidade só se justifica em causas diferenciadas ou relevantes. Assim, ao menos quantativamente, fica afastada essa possibilidade na avassaladora maioria dos casos que tramitam no Judiciário brasileiro, os quais, em grande parte, versam sobre questões repetitivas, excetuados, evidentemente, os casos selecionados como paradigmas para a solução uniforme daqueles (v.g., pela sistemática dos recursos especiais repetitivas).

Assome-se a isso a exigência de respeito aos princípios constitucionais (especialmente o contraditório, a ampla defesa, a efetividade e a economia

233 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz;

ZUFELATO, Camilo (Coord.). 40 anos da teoria geral do processo no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013, p.316.

234 OLIVEIRA, Guilherme Peres. Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São

processual), bem como às regras de competência absoluta (no caso de adaptabilidade para a cumulação de pedidos) e às preclusões já consumadas, tudo isso controlado por meio de recurso imediato, e sobrem menos argumentos acerca da suposta incerteza e instabilidade na aplicação do instituto.235

Por sua vez, Fernando da Fonseca Gajardoni, ao tratar de critérios e limites a legitimar a adaptação do procedimento diretamente pelo juiz, pressupõe a análise de três critérios: finalidade, contraditório e motivação.236

Ao tratar da finalidade, Gajardoni afirma que, como regra, “os procedimentos seguirão o esquema formal desenhado pelo legislador, o que lhes garante indiscutível segurança e previsibilidade”237. A flexibilização somente será permitida em caráter

excepcional, quando a higidez e utilidade dos procedimentos permitir a dispensa de “alguns empecilhos formais irrelevantes para a composição do iter, que de todo modo atingirá seu escopo sem prejuízo das partes”. 238

Condiciona também à flexibilização dos procedimentos, seja para inverter a ordem dos atos, inserir ou excluir atos processuais, ampliar prazos rigidamente fixados e etc., o que inclui o contraditório preventivo, isto é, o exercício do contraditório pelas partes, antes mesmo de o juiz exercer qualquer poder.

Por fim, com fundamento no art.93, IX, da CF, condiciona a implementação da flexibilização do procedimento diretamente pelo juiz desde que se faça com decisão fundamentada a fim de possibilitar aferir concretamente a imparcialidade do juiz, além de permitir que as partes possam controlar, através de recursos, os fins justificadores e a proporcionalidade da decisão.239

Portanto, a flexibilização do procedimento, seja com ou sem expressão legal, se aplicada com certos limites e com respeito aos princípios constitucionais, especialmente, o do contraditório e da ampla defesa, constitui-se um fenômeno que muito contribui para efetivar um processo célere e efetivo, nos moldes almejados pelo princípio da razoável duração do processo.

235 OLIVEIRA, Guilherme Peres. Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São

Paulo: Saraiva, 2013, p.130-131.

236 Segundo Fernando da Fonseca Gajardoni, algum critério mínimo deve haver para o juiz autorizar o procedimento

diretamente “sob pena de tornarmos nosso sistema imprevisível e inseguro, com as partes e o juiz não sabendo para onde o processo vai e nem quando ele vai acabar. Este critério consiste na necessidade de existência de um motivo para que se implemente, no caso concreto, uma variação ritual (finalidade) na participação das partes da decisão flexibilizadora (contraditório) e na indispensabilidade de que sejam expostas as razões pelas quais a variação será útil para o processo (motivação). (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz; ZUFELATO, Camilo (Coord.). 40 anos da teoria geral do processo no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013, p.317).

237 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz;

ZUFELATO, Camilo (Coord.). 40 anos da teoria geral do processo no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013, p.318.

238 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz;

ZUFELATO, Camilo (Coord.). 40 anos da teoria geral do processo no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013, p.318.

239 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Adequação e adaptabilidade procedimental. In: YARSHELL, Flávio Luiz;